8/13/2006

A geografia dos incêndios deste ano

Artigo integral publicado hoje na edição do Diário de Notícias (sem link)

Os fogos deste mês estão a devastar sobretudo concelhos que, na última década e meia, quase estiveram imunes às chamas. Uma situação que acaba por demonstrar que o cenário actual é mais grave do que aparenta. E que a eficácia do combate aos incêndios até piorou, dado que as regiões de maior risco estão agora em «pousio», livre de incêndios, devido à destruição sofrida nos últimos anos.

Embora inexistam ainda dados actualizados sobre a área já afectada na última semana, torna-se notório que de entre os incêndios mais duradouros, quase todos têm atingido municípios que, em anos anteriores, quase não conheciam de forma dramática a cor do fogo e o cheiro a carvão. O exemplo mais evidente aconteceu na serra de Ossa, onde os concelhos que a envolvem se encontravam na cauda dos incendiáveis. Com efeito, no período 1990-2005, de entre os 278 concelhos de Portugal Continental, Estremoz ocupava a posição 272 com apenas 0,3% do seu território afectado pelas chamas. Borba e Redondo estavam, respectivamente, nas posições 271 e 233.

Mas mesmo nos distritos que em outros anos tiveram incêndios graves, os concelhos que agora estiveram a arder – em alguns casos mais de 24 horas –, habitualmente não apresentavam destruições maciças. Paredes, por exemplo, embora seja o município com maior número de fogos do país (na última década registou mais de 800 ignições por ano), ocupava na lista dos incendiáveis apenas a posição 73. No Norte, o mesmo se aplica a outros dois concelhos nortenho que estiveram sobre brasas nesta semana: Valongo (61º lugar, mas muito por causa dos incêndios do ano passado), Amarante (68º), Mirandela (116º), Melgaço (127º), Arcos de Valdevez (130º). E o município de Barcelos – onde ardeu quase três mil hectares em Junho – ocupa o 183º lugar no período entre 1990 e 2005.

Na região Centro, os maiores incêndios deste ano também atingiram, até agora, concelhos relativamente «amenos»: Santarém (148º lugar na lista dos incendiáveis), Sever do Vouga (138º), Alcanena (105º), Tábua (96º), Porto de Mós (93º), Vieira do Minho (64º), São Pedro do Sul (37º) e Sertã (30º). Na verdade, raríssimos têm sido os incêndios, que surgem no «site» do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, que atingiram qualquer um dos concelhos do top 20. E em nenhum caso, esses incêndios demoraram mais de meia dúzia de horas até serem extintos. razão: rapidamente evoluem para zonas ardidas nos anos anteriores, extinguindo-se.

Este cenário acaba assim por mostrar que pouco mudou em relação ao último quinquénio. E pior, poderia estar a ser pior se, ironicamente, não tivesse havido devastações, nos últimos três anos, em muitos concelhos de maior risco. «Nos últimos três anos arderam mais de 900 mil hectares, com especial incidência nas maiores manchas contínuas, como na zona Centro e no Algarve», destaca Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia, acrescentando que, nessas circunstâncias, «há agora poucas zonas onde se podem repetir, de imediato, incêndios com dezenas de milhar de hectares».

Recorde-se que nos últimos três anos ocorreram 12 incêndios com mais de 10 mil hectares, sendo que o mais destrutivo (Nisa, em 2003) atingiu 41 mil hectares. «Após os incêndios, essas zonas ficam numa espécie de pousio até que a vegetação recupere, criando-se então condições físicas para haver novos fogos», esclarece Cardoso Pereira. Este é, aliás, o típico ciclo do fogo que se verifica nos concelhos mais fustigados na última década, como Monchique, Vila de Rei, Gavião, Mação, Pampilhosa da Serra, Poiares, Loulé ou Silves. Por isso, como arderam muito nos últimos anos, mesmo que agora haja incêndios, dificilmente estes se tornam grandes, porque rapidamente «esbarram» em zonas ainda não recuperadas. O ano de 2003 deixou uma mancha carbonizada superior a 100 mil hectares contínuo, podendo-se então ir desde a margem da albufeira de Castelo de Bode até à fronteira espanhola andando sobre cinzas. A esmagadora maioria destas áreas estão, assim, ainda «imunes» a novos fogos.

Deste modo, se os concelhos mais incendiáveis não ardem este ano porque pouco possuem para arder, e os concelhos que eram pouco incendiáveis estão agora a arder, significa que não existem motivos para elogiar a eficácia do combate; pelo contrário. «Quando tivemos 2003 com 425 mil hectares, que era o que então ardia em três ou quatro anos, seria expectável que não ardesse quase nada nos anos seguintes», refere Cardoso Pereira. Mas ardeu. Em 2004, o balanço foi de cerca de 130 mil hectares – não tendo sido pior em virtude de um Agosto muito chuvoso – e em 2005 atingiu-se 325 mil hectares. Este ano, pelos sinais da última semana, a procissão acabou agora de sair do adro – estamos a meio do Verão – e não vai bem composta. Já fumega e cheira a esturro. Novamente.

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