1/22/2009

O caso Freeport

Sempre olhei para o caso Feeport como um verdadeiro «caso de polícia». Parece que se confirma sê-lo, não por via da iniciativa da polícia portuguesa (que continua a preocupar-se pouco com a corrupção no sector urbanístico), mas sim da inglesa. Apesar de pouco impacte este caso esteja a ter actualmente em Portugal - apesar das revelações cada vez mais comprometedoras, entre as quais um alegado ex-ministro de Guterres ter recebido «luvas» e de hoje terem sido feitas buscas a casa e empresas de um tio do actual primeiro-ministro e ex-ministro de Guterres, por sinal responsável pela alteração da ZPE do estuário do Tejo -, algo me diz que, das duas uma: ou o caso é abafado simplesmente por razões políticas ou vai haver queda de Governo.

Nota: nos meus arquivos, fui desencantar um artigo que fiz no Expresso, em Setembro de 2001, pouco antes de deixar de colaborar naquele jornal. Deixo aqui o texto que então escrevi.

UMA empresa britânica - a Freeport Leisure - pretende instalar um complexo lúdico-comercial em Alcochete, em plena Zona de Protecção Especial (ZPE) de Aves do estuário do Tejo e da Rede Natura, numa área de 37 hectares que coincide, em parte, com a antiga fábrica de pneus da Firestone.

Para uma área de quase 13 hectares está projectada a construção de um centro comercial em modelo «outlet» - espaço aberto -, com 28 salas de cinema, um «health club», uma zona de restaurantes e bares, uma discoteca, um centro de «bowling» e um hotel com 120 camas e centro de congressos.

Contudo, associado ao centro lúdico-comercial, será construído também um parque de estacionamento para cerca de três mil veículos, englobando perto de 11,5 hectares. Além disso, noutra zona adjacente, bastante próxima dos sapais, a Freeport Leisure pretende implantar, em 13 hectares, «um projecto de renaturalização, visando uma qualificação do ponto de vista ambiental».

Estas duas parcelas estão totalmente integradas na ZPE e, segundo a Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET) - a entidade gestora daquela área - estão ainda abrangidas pelo regime da Reserva Ecológica Nacional (REN), que proíbe a ocupação e movimentação de solos. O representante da empresa britânica em Portugal, João Cabral, diz que «o projecto de renaturalização é uma forma de compensar a ocupação da área do estacionamento».

Divergências ambientais

Nessa altura, o então vice-presidente do ICN, José Manuel Marques, referia que «a implementação do projecto (...) não constitui uma incompatibilidade face aos objectivos da conservação da natureza (e da avifauna em particular) e ao quadro normativo e legal que sobre a zona incide». E considerava que seria suficiente a renaturalização da área do antigo pomar para eliminar os efeitos negativos.

No entanto, o plano de gestão, aprovado ainda em 1999, refere que na área da ZPE se deve «manter o carácter rural do espaço» e que «as densidades de povoamento urbano (deverão ser) idênticas ou inferiores às actuais». Isto significa que, quanto muito, se poderia substituir o volume de ocupação da fábrica de pneus por uma área idêntica de uso comercial, mas sem intensificar a presença humana.

Apesar dessa posição inicial do ICN, Antunes Dias, director da RNET,diz que «um parecer daquele género não tem qualquer validade, porque nada pode contrariar a legislação específica de protecção da zona».

O presidente do ICN, Carlos Guerra, afirma que o seu então vice-presidente - que, no ano passado, foi exonerado por José Sócrates por causa do empreendimento do Abano, no Parque Natural de Sintra-Cascais - terá emitido um «parecer voluntarioso». «Não será tido em conta na avaliação do projecto», garante.

Antunes Dias relembra também que a autarquia de Alcochete não pode aprovar nada para aquela zona. Com efeito, a Resolução de Conselho de Ministros de 17 de Julho de 1997 - que aprovou o plano director municipal de Alcochete - excluiu a possibilidade de ocupação da área da antiga fábrica de pneus com actividades de usos urbanos.

De qualquer modo, sob este projecto paira o precedente criado pela aprovação do centro de estágios do Sporting, em Alcochete, que também se encontra na ZPE do estuário do Tejo. Carlos Guerra defende, contudo, que «são processos distintos, porque a ocupação é diferente».

Este tipo de precedentes tem sido criticado por vários quadrantes. Ainda há poucos meses, o presidente da autarquia da Figueira da Foz, Pedro Santana Lopes, afirmava ao EXPRESSO «não compreender que se tivesse aprovado o projecto do Sporting e o Ministério do Ambiente tenha chumbado o empreendimento turístico da Lagoa da Vela», na zona de Buarcos, também localizado na Rede Natura.

Expresso, 1/9/2001 Pedro Almeida Vieira

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