A decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa de suspender a eficácia do despacho governamental que considerou, no âmbito dos famigerados PIN, o projecto Costa Terra, no Litoral Alentejano, como de interesse público, e em consequência decretar a nulidade do alvará de loteamento concedido pela Câmara de Grândola, constitui a vários títulos um marco sem precedentes na história ambiental de Portugal. Nos seus aspectos positivos, mas que acabam por destacar uma faceta trágica e tenebrosa deste Governo.
Primeiro, porque os desembargadores mostraram que o Governo, na verdade, não é o dono do país, antes sim o seu gestor circunstancial. Ou seja, declararam aquilo que seria óbvio e está na lei: só por razões imperativas de interesse público invocando a saúde ou a segurança públicas, consequências benéficas primordiais para o ambiente, ou outras razões imperativas de reconhecido interesse público, mediante parecer prévio da Comissão Europeia é que se poderia permitir o empreendimento naquele local. Ou seja, não está em causa o empreendimento em si, nem os seus propalados benefícios económicas, mas sim a sua localização numa zona sensível.
Segundo, esta decisão abre um precedente - e uma esperança - em relação ao modus operandi dos PIN. Isto é, as decisões do Governo, arbitrárias e com uma lei que desautoriza as outras leis, deixam de ser soberanas. Aliás, sempre defendi que mais do que anti-ambientais, os projectos PIN são violadores das normas de justiça social, porque beneficia-se com tratamento especial quem tem dinheiro, o que é intolerável num sistema democrático.
Terceiro, o Tribunal Administrativo veio, com esta decisão, mostrar ao Governo que a legislação dos Projectos de Interesse Nacional (PIN) não pode contrariar legislação ambiental por razões economicistas ou políticas.
Quarto, é triste assistir à postura do Ministério do Ambiente de decidir contestar esta decisão judicial, porque a sua tarefa é defender as áreas prioritárias de interesse ecológico e não defender os interesses privados que apenas desejam lucrar com uma parte do território. Pode o Ministério do Ambiente vir agora defender que a autorização do projecto foi «condicionada a medidas de minimização e compensação relativas a habitats e espécies afectados, prioritários ou não, em função dos impactes identificados e validadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade». Mas, para além de se saber e ter dúvidas sobre como foram os impactes validados [recorde-se que, antes dos PIN, o projecto tinha sido sucessivamente chumbado, inclusive quando José Sócrates era ministro do Ambiente], uma coisa será sempre certa: a zona em causa estará mais protegida sem um empreendimento que comporta 204 moradias, três aparthotéis com 560 camas, quatro aldeamentos turísticos com 775 camas, quatro conjuntos de apartamentos turísticos com 823 camas, uma estalagem com 40 camas e um campo de golfe de 18 buracos, além de equipamentos complementares, como supermercado, igreja, restaurantes, zona comercial, clube hípico, centro de talassoterapia e uma estação de serviço. Ou seja, um autêntico aglomerado urbano dentro de Rede Natura, o que não parece ser a melhor forma de proteger o ambiente. Construir uma coisa destas, até se compreende, mas fora da Rede Natura (espaço existe, pode é não ser tão interessante para os empresários...).
Quinto, temo porém que esta decisão do Tribunal Administrativo possa ser anulada ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que existem situações similares (vd. co-incineração). Mas se isso acontecer começa a ser preocupante...
Primeiro, porque os desembargadores mostraram que o Governo, na verdade, não é o dono do país, antes sim o seu gestor circunstancial. Ou seja, declararam aquilo que seria óbvio e está na lei: só por razões imperativas de interesse público invocando a saúde ou a segurança públicas, consequências benéficas primordiais para o ambiente, ou outras razões imperativas de reconhecido interesse público, mediante parecer prévio da Comissão Europeia é que se poderia permitir o empreendimento naquele local. Ou seja, não está em causa o empreendimento em si, nem os seus propalados benefícios económicas, mas sim a sua localização numa zona sensível.
Segundo, esta decisão abre um precedente - e uma esperança - em relação ao modus operandi dos PIN. Isto é, as decisões do Governo, arbitrárias e com uma lei que desautoriza as outras leis, deixam de ser soberanas. Aliás, sempre defendi que mais do que anti-ambientais, os projectos PIN são violadores das normas de justiça social, porque beneficia-se com tratamento especial quem tem dinheiro, o que é intolerável num sistema democrático.
Terceiro, o Tribunal Administrativo veio, com esta decisão, mostrar ao Governo que a legislação dos Projectos de Interesse Nacional (PIN) não pode contrariar legislação ambiental por razões economicistas ou políticas.
Quarto, é triste assistir à postura do Ministério do Ambiente de decidir contestar esta decisão judicial, porque a sua tarefa é defender as áreas prioritárias de interesse ecológico e não defender os interesses privados que apenas desejam lucrar com uma parte do território. Pode o Ministério do Ambiente vir agora defender que a autorização do projecto foi «condicionada a medidas de minimização e compensação relativas a habitats e espécies afectados, prioritários ou não, em função dos impactes identificados e validadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade». Mas, para além de se saber e ter dúvidas sobre como foram os impactes validados [recorde-se que, antes dos PIN, o projecto tinha sido sucessivamente chumbado, inclusive quando José Sócrates era ministro do Ambiente], uma coisa será sempre certa: a zona em causa estará mais protegida sem um empreendimento que comporta 204 moradias, três aparthotéis com 560 camas, quatro aldeamentos turísticos com 775 camas, quatro conjuntos de apartamentos turísticos com 823 camas, uma estalagem com 40 camas e um campo de golfe de 18 buracos, além de equipamentos complementares, como supermercado, igreja, restaurantes, zona comercial, clube hípico, centro de talassoterapia e uma estação de serviço. Ou seja, um autêntico aglomerado urbano dentro de Rede Natura, o que não parece ser a melhor forma de proteger o ambiente. Construir uma coisa destas, até se compreende, mas fora da Rede Natura (espaço existe, pode é não ser tão interessante para os empresários...).
Quinto, temo porém que esta decisão do Tribunal Administrativo possa ser anulada ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que existem situações similares (vd. co-incineração). Mas se isso acontecer começa a ser preocupante...
2 comentários:
Pedro,
Ou estamos a falar de decisões diferentes ou há um equívoco da tua parte.
O que foi decidido, tanto quanto sei, foi apenas uma providência cautelar e não a acção principal.
henrique pereira dos santos
O que isto quer dizer é que deixam de existir leis válidas em Portugal para os processos urbanisticos.E se calhar para os outros...
É inútil todo o processo legal de aprovação porque no fim há sempre alguém que pode bloquear um projecto, qualquer que ele seja.
Talvez seja a ideia, um processo administrativo de uma série de anos não servir para nada, que forma mais engenhosa de minar a legitimidade democrática.
A relativa discricionaridade de um governo eleito ao considerar este ou aquele projecto "de interesse público" e o direito de uma autarquia eleita emitir licenças em conformidade é substituída pela concepção de legalidade de quaisquer grupos privados não eleitos e a discricionaridade de um juiz sorteado.
Para quem se queixa do "neoliberalismo", não está mal. Basicamente um grupo privado não eleito e um juiz sobrepõem-se num processo que decorreu cerca de nove meses a um outro acompanhado durante anos por governos e autarquias eleitos e instituições públicas de vários níveis da administração pública. Parece bonito assim de repente, parece sempre bonito quando concordamos com uma decisão qualquer, mas na prática é a negação do direito democrático.
Ainda vá que não vá se tudo isto se tivesse passado antes do projecto ter um alvará, de ter pago taxas, de haver um contrato de urbanização validado pelo Tribunal de Contas ( o Tribunal de Contas, imagine-se, também faz parte desta conjura), de estarem os lotes constituidos... Mas quando isto sucede quando grande parte das infra- estruturas estão construídas, as pessoas regozijarem-se com este tipo de acções "providenciais" é um acomodamento perante um precedente perigoso, e não é só pelos prejuízos de milhões que esta decisão acarreta(se calhar é outra fonte de regozijo...) ou sequer pelas dezenas de pessoas que vão ficar desempregadas em consequência.
É apenas uma questão politica de fundo que tem a ver com a fonte e legitimidade do poder político.
E a população local? O que acha? O que se há-de fazer com a população local num caso em que não aparece a cortar estradas contra uma decisão do Governo e se mostra indignada com a decisão do tribunal?
Noutros locais (é o exemplo de Souselas) a população local é o valor absoluto a respeitar.
Neste caso, a população local está, é claro, "enganada", e precisa de ser "esclarecida".
Há ainda a estranha indignação de muita gente pelo facto de o minsitério do ambiente recorrer... Bom, se não recorresse de um ataque politico directo a uma decisão sua é que seria estranho. O que é lógico (e necessário para que Portugal se livre da imagem de republica das bananas que este caso contribui para dar) é que o recurso para um tribunal superior acabe por repor a normalidade possível. E será então mais claro o absurdo desta decisão, e o desperdício inútil de tempo e dinheiro, público e privado que provocou.
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