9/29/2007

Um Estado dentro do Estado?

Há cerca de uma década, a Administração do Porto de Lisboa (APL) tentou impôr um megalómano projecto de urbanização na faixa ribeirinha do Tejo, apenas não tendo avançado devido à contestação popular (isto é, de alguns grupos de cidadãos mais dinâmicos). Entretanto, apesar do chumbo deste projecto, a APL manteve a sua postura de tentar tudo fazer ao arrepio das populações e mesmo contra as posição da autarquia lisboeta, como fica patente no caso do terminal de cruzeiros em Santa Apolónia (que é mais do que isso, pois tem componente comercial e turística, ou seja, uma frente de betão de 30 metros).
Mas, independentemente desta subversão democrática, aquilo que mais me choca é que, com esta ou outra APL, nenhum Governo consegue impôr, como tutela, uma outra atitude, como se a APL fosse um Estado dentro do Estado. Ora, como isso não acontece (ou não é admissível que aconteça), tem de se concluir que é a tutela (Ministério das Obras Públicas) que cauciona e aprova este tipo de atitudes das gentes da APL. Donde, deveria ser o ministro a ser chamado à pedra, caso se mantenha o autismo. E sobretudo tem este Governo a obrigação de redefinir as competências da APL.

9/25/2007

E viva o betão

Se, como foi anunciado pela comunicação social, a autarquia de Lisboa se apresta para duplicar o Imposto Municipal sobre Imovéis (IMI) então pode concluir-se, sem margem para dúvidas, que é o betão que orienta as preocupações de António Costa. E, portanto, é de prever que ele também deseje ter muitas transacções com vendas de terrenos, com muita especulação, com casas de preço astronómico. Quanto mais ele desejar ter isso, menos pessoas passarão a viver em Lisboa. Mas isso é história que parece não interessar por agora. Como nunca interessou...

Propaganda & ignorância

Muito se tem falado na máquina propagandística do Governo. Mas daquilo que pouco se tem criticado é o contributo da comunicação social. E tem sido muita. Por vezes por se ver envolvida numa teia de promiscuidades, noutros casos por ignorância.

Ora, a ignorância é, na minha opinião, tão ou mais perigosa do que a promiscuidade. Porque se a promiscuidade pode a todo o tempo terminar, a ignorância é mais perene.

Isto a propósito da forma como a generalidade da comunicação social tem divulgado, irresponsavelmente por ignorância, as supostas maravilhas energéticas do Governo. E também sobre as (não) medidas de combate ao aquecimento global.

Ontem, como se sabe, José Sócrates foi discursar na Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Ora, até se lhe desculpa que, por ser como presidente em exercício das União Europeia, dissertasse sobre maravilhosas que estão longe de ser nacionais.

Porém, mais grave é ter, mais tarde (e acredito numa daquelas conversas em tom informal, como ele bem sabe fazer), começa a debitar loas às medidas do Governo no que diz respeito às emissões de gases de efeito de estufa. Nesta notícia da Lusa, aqui transcrita pelo Público Online, Sócrates terá dito que Portugal assumiu já «metas mais ambiciosas do que as definidas dentro da União Europeia». Isto daria vontade para rir, se não fosse grave, porquanto é bem sabido que estamos muito longe de cumprir as metas previstas no protocolo de Quioto, que nos tinha concedido um regime de excepção dentro da União Europeia (ou seja, a UE deveria reduzir 8% as emissões no período 2008-12 em relação a 1990, enquanto Portugal poderia subir 27%).

Mas há mais. Sócrates disse também - e amorfamente o jornalista da Lusa divulgou, que «em matérias como as energias renováveis, Portugal está na linha da frente da Europa, tendo já 39 por cento da sua energia eléctrica com base renovável». Isso está longe de ser verdade - nem neste ano chuvoso tal acontecerá - e é bom salientar que a electricidade representa apenas 20% dos consumos energéticos, além de que gases de efeito de estufa têm ainda outras origens.

Em conclusão, os jornalistas (e os seus editores) deveriam ter a obrigação de ter um olhar mais crítico - e já agora saber qualquer coisinha antes de escreverem - sempre que o Governo fala sobre energia, ambiente e alterações climáticas. Caso contrário, ainda se pensa que Sócrates diz a verdade. O que, convenhamos, não foi o caso.

9/24/2007

Enfim...

Estou à espera que o Engenheiro José Sócrates crie a loja do cidadão de quinquagésima sétima geração com o balcão «Perdi a paciência»...

Suiniculturas, ASAE & Ambiente

Coloquei no Reportagens Ambientais a entrevista completa da minha autoria feita ao presidente da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), António Nunes, que saiu publicada na edição do passado sábado da Notícias Sábado (NS). Não é obviamente sobre ambiente, mas tem alguma squestões que abordam a intervenção da ASAE às suiniculturas que, como se sabe, nunca foram alvo de uma intervenção mais musculada (leia-se, legal) por parte da inspecção do Ministério do Ambiente.

Em baixo, está o trecho desa parte, onde se nota que o presidente da ASAE chutando para o canto denota uma diferença abisssal relativamente à inspecção ambiental...

Apesar actuação positiva da ASAE, independentemente das críticas que se possam fazer...

... poucas, poucas...

... fica-se com a sensação de ser caso único no país. Estou a recordar-se das suiniculturas. Durante anos, poluíram impunemente, sem que nada fosse feito pelo Ministério do Ambiente. E agora, a ASAE mandou encerrar algumas e deteve mesmo os proprietários, por razões de bem-estar animal e segurança alimentar. Por que razão a ASAE actua assim e as outras não?

Não faço ideia. Vai ter de fazer o favor de perguntar isso às 16 inspecções que existem no país (risos).

Mas se fosse inspector-geral do Ambiente já teria actuado para acabar com a poluição das suiniculturas?

Não conheço a legislação dos outros organismos, por isso tenho dificuldade em lhe responder. Alguma legislação de controlo ambiental tem prazos, se calhar demasiado alargados, para que as suiniculturas corrijam processos.

Pois, prazos que duram há décadas...

Terá de fazer uma entrevista, sobre essa matéria ao inspector-geral do Ambiente. No nosso caso, verificámos que as águas e as rações não estavam em condições e que o número de efectivos era excedido largamente. E como os proprietários não retiraram os animais a mais, detivemo-los cinco dias depois por crime de desobediência.

Isso parece-me aquele filme dos mafiosos que não se prendem por homicídios, mas sim por evasão fiscal...

Não sei o que é isso. A função da ASAE é fazer inspecções e cumprir a lei. Qualquer que seja o equipamento ou operador.

9/20/2007

A sorte de ser porco

Muitos talvez estejam ainda recordados das detenções de proprietários de suiniculturas há uma semanas devido a uma operação conjunta da Autoridade de Segurança Almentar e Económica (ASAE) e da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAOT). 

Esta semana, numa entrevista que fiz para a revista NS ao presidente da ASAE, tive oportunidade de esclarecer algumas coisas, entre as quais o papel da IGAOT. Pois bem, se a inspecção tivesse sido feita apenas pela IGAOT, nada teria acontecido aos suinicultores, donde se conclui que poluir vale menos do que o bem-estar animal que foi a razão primeira das detenções (ou seja, existia efectivo a mais, os proprietários foram detidos porque desobedeceram ao prazo de 5 dias dado pela ASAE para retirar os porcos em excesso...).

Mas um outro aspecto interessante (e que, infelizmente, por razões de espaço não será incluída na edição de sábado da NS) sobre a actividade da ASAE é que tem jurisdição sobre a qualidade da água usada em sistemas industriais e, também, nas suiniculturas e outras explorações pecuárias. Isto é, se houver problemas, a ASAE multa forte e feio (na entrevista o presidente da ASAE é peremptório ao dizer que não faz inspecções pedagógicas). Porém, por acordo feito a nível administrativo considerou-se que a fiscalização do abastecimento

doméstico de água continuaria no Instituto Regulador de Água 
e Resíduos (IRAR), que como se sabe nada faz para acabar com a pouca vergonha das contaminações em inúmeros sistemas de abastecimento, tendo uma atitude complacente com as autarquias.

Ora, este acordo para não ter a ASAE a fiscalizar a água potável (não há produto económico e questão de saúde pública mais comum na casa dos portugueses) traz água no bico. Eu, aliás, imagino as noites mal dormidas de muitos autarcas 
se em vez do cenourento IRAR  vissem a caceteira ASAE a fiscalizar a água que dão aos seus munícipes. Mas tem necessariamente que concluir que, em matéria de qualidade da água, os porcos devem estar mais descansados porque sabem que haverá bordoada se lhes for fornecida água de má qualidade.

9/09/2007

Jornalismo assassino

Cada vez me choca mais a forma como a quase generalidade dos órgãos de comunicação social abordam o triste caso da criança desaparecida no Algarve em Maio. Usa e abusa-se das fontes anónimas, das especulações mais torpes. Podem até as especulações se confirmarem como verídicas - mas são tantas que algumas serão, por certo, falsas. E, no final, muitos podem sentir-se lesados, sem culpa, dos atropelos às normas deontológicas dos jornalistas. Uma coisa sei eu: o papel do jornalismo não é este. Um caso que procurarei, no âmbito das minhas funções no Conselho Deontológico, que seja abordado.

Oxigénio para o moribundo interior

A medida do Governo de, através de incentivos fiscais, beneficiar as empresas do interior e aquelas que para aí se criem ou deslocalizem é, convenhamos, uma medida bastante positiva, embora com décadas de atraso e, sobretudo, acompanhada por um conjunto de medidas inversas. O interior está despovoado, de pessoas e de know-how, e com os atrasos e carências estruturais aí existentes, não se pode ter grande esperanças. Parece mais um balão de oxigénio a um moribundo, cujo seu estado débil de saúde se deveu muito às políticas deste e dos anteriores Governos.

A força do betão em Tróia

Coloquei no Reportagens Ambientais, a reportagem que foi publicada na revista Notícias Sábado do passado dia 1 de Setembro sobre os projectos imobiliários na Península de Tróia.

9/06/2007

Notas florestais

Os últimos dois Verões foram uma benesse dos Céus que, fazendo chover, nos deram um tempo-extra para passar a gerir melhor a floresta e a remodelar a forma de combate aos fogos florestais. No entanto, como arde pouco, vive-se na ilusão de que houve melhoria, como se a causa principal não fosse simplesmente a chuva. Na verdade, continua-se, no substancial, com os mesmíssimos problemas dos anos anteriores.

Se durante a próxima semana não chover, asseguro que vai arder um pedaço, sobretudo - ou apenas por isso - por não chover há mais de uma semana, o que tem sido coisa rara neste Verão.

Nota final em relação às declarações de um responsável da Autoridade Nacional de Protecção Civil, queixando-se de muitos incêndios nocturnos. Eu não tenho muitos elementos, mas parece-me claro ser normal que, num ano de muito poucos incêndios (por causa da meteorologia), a percentagem de incêndios nocturnos possa ser substancialmente mais elevada, por a sua origem ser, quase na totalidade, criminosa - e o criminoso «incentiva» sempre mais uma ignição do que alguém que provoca um fogo por negligência.

Porém, a ANPC não devia andar-se a queixar nem destacar esse aspecto. Dever-se-ia sim reforçar-se a vigilância nocturna. Falar por falar, apenas dá um sorriso de satisfação aos incendiários com insónias.

P.S. Nem de propósito, neste momento que escrevo está quatro fogos activos, todos com início após a meia noite, e todos a lavrar em mato. Não é preciso ser polícia para saber que estamos perante as «habituais» queimadas para pastoreio...

Lisboa com melhor cara,parece...

Duas boas medidas da autarquia de Lisboa durante a última semana. A primeira, de um alcance extraordinário para a implementação da democracia efectiva, refere-se à possibilidade da participação das populações ao nível de bairro na definição das prioridades de investimento na zona. A zona é a suspensão da actividade do campo de tiro de Monsanto até serem tomadas medidas de protecção do solo e do ruído. Neste último caso, finalmente o lobby dos atiradores alfacinhas - muito poderoso - teve de se vergar, depois de anos a fio.

9/02/2007

Monchique - um balanço depois do fogo

Coloquei no Reportagens Ambientais, uma reportagem da minha autoria publicada na revista NS do passado dia 25 de Agosto sobre Monchique quatro anos depois dos grandes incêndios. Dentro de dias, publicarei a reportagem sobre Tróia, que saiu na mesma revista no passado sábado.


A União Europeia já não é o que era...

Durante anos, a União Europeia esteve na vanguarda na conservação da natureza impondo um conjunto de legislação e de medidas activas. A obrigatoriedade de delimitar áreas de interesse ecológico com valor europeu - ZPEs e Rede Natura - foram assim o corolário dessa estratégia. Porém, depois de vários comissários de ambiente - e sobretudo de Margot Wallstrom - com um cunho mais nórdico, a actual Comissão Barroso tem dado mostras de fraca sensibilidade nestas questões.

Por isso, no caso português, começam a suceder-se os casos de empreendimentos em plena Rede Natura sem que coloquem, por parte da Comissão Europeia, quaisquer entraves, «exigindo» apenas medidas de minimização ambiental que, no caso português, são de duvidosa aplicabilidade e sucesso. Por agora, já contam duas barragens em Rede Natura (que implicam destruição pura e simples das áreas inundadas e afectação relevante em outras), sabendo-se que não eram projectos essenciais. No caso da barragem de Odelouca, no Algarve, a sua construção apenas permite caminhar-se ainda mais para o caos (até em termos de ordenamento) e no caso da barragem do Sabor pouca importância terá em termos de redução das emissões de dióxido de carbono, tanto mais que, tal como noutros projectos energéticos ditos ambientais, este também não vai implicar qualquer substituição de centrais térmicas.