12/31/2006

Bom Ano Novo

Terminado mais um ano, que não deixa grandes saudades de cariz ambiental, vem ai outro. Para quem é um optimista esperançoso, que 2007 seja melhor do que 2006 (há quantos anos se lança esse desejo?).

Já agora, permitam-me lembrar-vos: podem amanhã, dia 1 de Janeiro, dar os parabéns ao Estrago da Nação - este blog, claro -, que faz 3-três-3 aninhos!

12/24/2006

Natal, pois então...

Boas Festas.

12/23/2006

Pato-socratismo

Isto aqui (venda do Estabelecimento Prisional de Lisboa) foi feito pelo Estado - ou entre o Estado e o Estado. Negócio semelhante - e que significa que quanto mais se conseguir construir naqueles terrenos, mais se ganha - chamar-se-ia pato-bravismo, caso fosse feito por empresas privadas e era ilegal.

Mas o Estado não é um pato-bravo - é pior! Porque este negócio prévio mostra que o Governo , através da Parpública (que é uma fachada), agora vai negociar com a autarquia de Lisboa para que esta, na alteração do PDM, conceda muitos direitos de construção para «betonizar» ainda mais a capital e fazer com que mais uns quantos empresários do imobiliário ganhem uns «trocos»...

Esta nova filosofia estratégica do nosso Governo de fazer dinheiro sem se preocupar com justiça, equidade e preocupações de qualidade de vida merece uma denominação: pato-socratismo.
A sindicância para lavar mais branco

O presidente e a vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa anunciaram ontem a realização de uma sindicância para aferir a «transparência, isenção e legalidade» dos actos de licenciamento de obras» na capital, justificando-a pelo «actual clima de suspeição que põe em causa não só a dignidade e o brio de todos os funcionários, como também a credibilidade e prestígio" da autarquia.

Ora, elogia-se - e digo isto, obviamente, em tom irónico - que os dois responsáveis máximos pelas questões urbanísticas de Lisboa tenham, por fim, tomado consciência de que os sucessivos casos nebulosos criaram um clima de suspeição - e, em algumas situações, mais do que isso. Mas uma sindicância, anunciada e «comandada» por eles apenas serve para aumentar a desconfiança. Por uma razão muito simples: o clima de suspeição também os abrange - directa e/ou indirectamente. E, portanto, uma sindicância interna acaba por ser um exercício sem qualquer efeito que não seja a sua desresponsabilização política e como gestores autárquicos, mais ainda se, no fim, se encontrarem os convenientes bodes expiatórios (funcionários).

Em suma, os casos de urbanismo com a autarquia de Lisboa, ou de outro qualquer concelho, não se desvendam ou esclarecem com (auto)sindicâncias. São casos de polícia - e que, portanto, devem ser tratados como tal. E pela Polícia Judiciária, já agora.

12/19/2006

A reciclagem no Alentejo - o Filme

Os anúncios de sensibilização para a reciclagem feitos pela Sociedade Ponto Verde - e que são uma imposição contratual - sempre foram de uma falta de imaginação medonha e, por vezes, a roçar o insulto. Primeiro era um macaco que metia embalagens nos sítios certos. Depois, surgiram os anúncios de minutos com meninos assépticos e urbanos, metidos em cenários irreais, a papaguearem conversas desenxabidas com um jovem interlocutor que faz sempre papel de ignorante forçado.

Ora, por muito menos custos - ou seja, presumo que quase zero euros -, o meu amigo Fernando Moital, numa das suas iniciativas em terras alentejanas, fez um pequeno filme em que, além de fazer uma excelente perfomance como caixote de lixo (o seu auge em termos cinematográficos), nos apresenta uma divertida e imaginativa forma de ensinar as crianças a fazer recolha selectiva, recorrendo ao Miguel Limpinho e a pequenas entrevistas com cantoneiros e operadores do aterro e centro de triagem da zona de Vidigueira e Portel. Amador mas «delicioso». O resultado está aqui em baixo.


Simplifique-se, enriqueça-se

O administrador da Lismarvila - a tal empresa da novela da urbanização em terrenos de servidão para o TGV e eventual futura ponte sobre o Tejo - vem agora com a «velha» questão de direitos adquiridos, por via de uma alteração em regime simplificado do PDM de Lisboa, aprovada pela Assembleia Municipal em Dezembro de 2003, sob proposta de Eduarda Napoleão, então vereadora do Urbanismo da autarquia.

Independentemente de julgar, salvo melhor opinião (como se costuma dizer em «direitês»), que um plano director municipal não concede de forma automática quaisquer direitos (apenas um alvará), sempre fui bastante crítico ao expediente, usado abusivamente, do regime simplificado. Com efeito, as alterações de planos através do regime simplificado nem sequer deveriam ser permitidas (e foram para «apenas» rectificar erros ou modificar pequenos pormenores cartográficos), pois significavam concessões à margem dos trâmites habituais. Como a simplificação era tanta, claro que não passava pelo crivo técnico, dando assim lugar a todo o tipo de negociatas. Como foi o caso deste em Marvila.

Tendo em conta o país que temos, ignoro no que isto vai dar. Mas convinha que se seguisse, atentamente, o rasto de quem aprovou esta simplificação do PDM. É que quando estão em causa tantos milhões de euros, não foi apenas pelos lindos olhos dos administradores da Lismarvila que se fez aquela alteração...
Regulação à moda lusitana

As entidades reguladoras, num país decente, servem para, como a própria expressão indica, regular as actividades económicas quer públicas quer privadas, desafectando-as das influências políticas (ou politiqueiras) de circunstância ou de conjuntura. Nos últimos anos, Portugal também foi criando as suas entidades reguladoras, designadamente a Anacom, o Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR), a Entidade Resuladora do Sector Energético (ERSE), a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

Porém, embora o Estado quando cria estas entidades pressupõe que elas sejam independentes, mesmo se, numa primeira fase, acabe por as «orientar» por via da nomeação dos seus elementos (directamente pelo Governo ou pela Assembleia da República). No entanto, a partir daí, a intervenção destas entidades deve ser completamente independente, cingida às normas legais e técnicas; mesmo se as suas decisões contrariam os interesses pontuais do Governo ou de entidades públicas ou empresariais.

Ora, mas aquilo que se tem vindo a assistir nos últimos tempos em relação a algumas destas entidades, é uma ingerência por parte do Governo ou a atitudes de pouca independência. O IRAR, por exemplo, continua sem regular o preço da água (para níveis de sustentabilidade económica e, portanto, assegurando qualidade no serviço), porque ao Ministério do Ambiente não interessa impor aumentos, dado que muitas autarquias não gostariam. Em relação à ERC, nem vale a pena falarmos. Em relação à Anacom, o próprio Tribunal de Contas coloca em causa a independência desta entidade reguladora das telecomunicações em relação ao Governo (vd. aqui). E, por fim, no que diz respeito à ERSE, temos o inaudito folhetim do aumento dos preços da electricidade decretada por esta entidade, seguida por uma decisão governamental de revogar essa alteração (que mais não é do que um adiamento, que se pagará com juros) e culminada com uma abrupta dispensa do seu presidente por parte do ministro da Economia para que aquele não fosse falar à Assembleia da República. Enfim, regulados, mas pouco.

12/17/2006

Do outro lado da fronteira

Descubro na Revista Cos Pés na Terra - uma revista electrónica da Galiza - uma curiosa (e também elogiosa) recensão ao meu livro «Portugal: O Vermelho e o Negro», apresentando também uma breve biografia sobre o meu percurso, incluindo outras obras que escrevi.

A primeira frase desta recensão fez-me pensar: diz o articulista que eu pertenço «a unha especie que nun país como Galiza, onde peor que o ´feísmo urbanístico' é o 'feísmo democrático', non sobreviviría». Convenhamos que, mesmo sobrevivendo cá por Portugal, não tenho tido vida folgada. Opções de vida, enfim...

12/14/2006

Os jornalistas e a saúde

Subscrevi um abaixo-assinado da Sindicato de Jornalista reclamando que não se acabe com a Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas. Para quem não saiba, este integra um dos melhores sistemas de saúde do país, sobretudo de integrado na Casa da Imprensa, designadamente uma excelente comparticipação em operações, acesso rápido e barato a consultas de especialidade, de análises e exames complementares, bem como custo zero em medicamentos. Ou seja, os jornalistas são uns privilegiados, sem dúvida. Acabe-se, decreta o Governo.

Torna-se difícil estar a falar sobre um sistema de que sou beneficiada, mais ainda quando o seu fim me prejudicará - pois é óbvio que perderei um direito. Porém, esta questão não se pode colocar assim de uma forma tão simplista. Primeiro, porque tabelar por baixo, sempre foi um mau sistema. E, neste caso, o que interessa saber, em primeiro lugar, é se o sistema de saúde dos jornalistas é financeiramente lesivo para o Estado - ou seja, se está a ser suportado pelos outros contribuintes. Pelo que sei, o sistema de saúde dos jornalistas não é deficitário. Logo, esse argumento cai por terra.

Mas, em segundo lugar e decorrente do que se disse, há algo que pode intrigar: se este sistema de saúde tem tantos benefícios, qual a razão para não ser deficitário? Não tenho elementos para responder a esta questão. No entanto, não seria uma opção desajustada analisar com detalhe os efeitos financeiros a médio-longo prazos de um sistema de saúde em que, claramente, se pode apostar no «luxo» da prevenção. Ou seja, com estes benefícios, eu posso fazer análises um «chek-up» todos os anos e fazer mesmo algumas operações que não seriam prioritárias no curto-prazo, mas que evitam, à partida, eventuais evoluções que poderiam ser problemáticas para a minha saúde e, concomitantemente, para o Sistema Nacional de Saúde. Ora, sem este sistema, provavelmente não teria capacidade financeira para avaliar o meu estado de saúde com maior cuidado. Isto aplica-se, aliás, às pessoas que não usufruem desse sistema de saúde.

Ora, e o que acontece nestas situações? Por regra, as pessoas acabam por aguentar os seus achaques e quando necessitam mesmo de cuidados no habitual Sistema Nacional de Saúde encontram-se num estado que obriga o Estado a suportar custos eventualmente muito mais elevados. Ou seja, em muitos casos, o Estado arrisca-se a gastar mais dinheiro do que se tivesse investido em criar um bom sistema de saúde preventivo. E, claro, nessa situação, perdem todos: os contribuintes em geral, mas sobretudo os doentes.

Onde quero chegar com isto? Julgo que existirá uma razão para que o sistema de saúde dos jornalistas não seja deficitário e isso reside sobretudo em apostar na medicina preventiva (supostamente cara) em detrimento do deixar andar até se cair numa cama de hospital. Deste modo, eu gostaria que o Governo - ou quem de direito - apresentasse um estudo que comparasse a classe dos jornalista com a dos contribuintes em geral em relação a diversos indicadores, designadamente percentagens de dias de doença, de número médio de dias de internamento; em suma, de custos globais directamente relacionados com a saúde e com a produtividade. E fazendo isso, se se chegasse à conclusão de que esses índices são semelhantes (ou mesmo piores, em relação aos jornalistas), acho então bem que se acabe com os benefícios dos jornalistas. Se forem melhores, então será um duplo erro. Primeiro, porque os jornalistas acabarão por ter o mesmo destino dos contribuintes em geral. Segundo, e muito pior, porque se acaba com um modelo que deveria ser aplicado para o país. Isto é, ao invés daqueles que eram injustiçados poderem atingir o nível dos beneficiados, comete-se a maior das injustiças: todos passam a sofrer de um sistema injusto.

Nota: Leio esta notícia no DN: confirma-se que as seguradoras - quase todas pertencentes a instituições bancárias - vão ser as principais beneficiadas com o fim dos (bons) sistemas autónomos de saúde. Claro que isto é uma acaso - o nosso Governo socialista não nos iria fazer uma coisas destas apenas para poder beneficiar os bancos...
A história habitual

O saneamento da Costa do Estoril é projecto que já tem barbas - mal cheirosas, diga-se. Desde os anos 70, sucedem-se os projectos, mais umas quantas décadas de esgotos a drenar para as ribeiras, e destas para o mar. Há cerca de uma década, concluiu-se o exutor submarino que passou a drenar, para o fundo do mar, todo os esgotos de centenas de milhares de pessoas. Todos? Não, porque umas tantas saídas clandestinas continuaram a poluir, razão pela qual, após tantos anos e rios de dinheiros, nem todas as praias da Linha possuem qualidade para receber bandeira azul.

Porém, desde o início da conclusão do exutor que se sabia ser esta uma solução precária, visto que não existe qualquer tratamento, tão-somente uma gradagem e, pimba, tudo para o mar. A União Europeia deu um prazo - e bastante alargado - para que se implantasse um sistema de tratamento biológico. Os anos passaram e nada de construção. O projecto está em fase de aprovação desde, pelo menos, o início desta década. Esta semana, a Comissão Europeia ameaçou meter Portugal no Tribunal Europeu. Agora, vai-se assistir à habitual troca de correspondência do Governo português a tentar justificar o injustificável, tentando ganhar tempo. Mas mesmo que não haja multa alguma, eis um projecto que constitui a habitual vergonha deste país, que no século XXI nem os esgotos urbanos sabe tratar.

12/11/2006

O triste país das emergências

Aquilo que está acontecer na Costa da Caparica, com o mar a avançar pelas dunas, e sobretudo a intervenção de «emergência» do Instituto da Água (porque se andou a dormir nos últimos anos, não aproveitando estudo da Faculdade de Ciências e Tecnologia), custa-nos agora muito dinheiro e não resolve os problemas. E ainda temos de pagar a deslocação do ministro do Ambiente e sua comitiva à zona, onde, na verdade, não foram lá fazer nada - a menos que tenham levado uns baldes para transportar areia...
Incêndios e RTP - dissecar a deliberação da ERC

A polémica deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) sobre as denúncias de Eduardo Cintra Torres (ECT) relativamente à influência directa do gabinete do Primeiro-Ministro na cobertura informativa da RTP aos incêndios florestais já fiz correr muita tinta, tanto na imprensa como na blogoesfera. Não me apetece agora tecer muitas considerações sobre as recomendações que a ERC faz – porque são infelizes e sobretudo por terem fugido à questão essencial: a Informação da RTP foi, neste sector concreto, influenciada por ordens governamentais? E a uma outra suplementar: a Informação da RTP é profissionalmente competente, reflectindo os seus objectivos de serviço público? Atenção que uma resposta negativa à primeira questão, não significaria que a segunda resposta fosse imediatamente positiva. Ou seja, poderíamos ter uma Informação independente, mas incompetente.

Ora, paradoxalmente, a tarefa da ERC à primeira questão era extremamente fácil, porque se sabia, à partida (e como se confirmou), que Eduardo Cintra Torres jamais divulgaria a sua fonte (devo acrescentar alegada, por mais que pense que ele não está a mentir). A menos que, no Governo ou na RTP, houvesse uma (improvável) confissão. Portanto, a ERC deveria ter encerrado essa questão com um simples «não se provou qualquer interferência governamental». Ponto final e os tribunais que resolvessem o resto (como parece vir a acontecer).

Mas a ERC quis ir mais longe. E descarrilou-se, porque pretendeu «provar» que a cobertura noticiosa da RTP aos incêndios foi praticamente semelhante aos dos outros canais, fazendo uma análise comparativa (apresentada em anexo à deliberação e que ocupa mais de 90 páginas), mas cuja metodologia constitui um verdadeiro absurdo. E sobretudo ignorância. Por vários motivos.

Primeiro, não faz qualquer sentido simplesmente comparar apenas os números de notícias, destaques e alinhamentos (ainda mais sem dissecar conteúdos e abordagens) entre órgãos de comunicação social. Pode-se/deve-se fazer isso, mas seria fundamental também comparar com as coberturas dos anos anteriores, ponderando também os factores conjunturais (arder mais ou menos; e a localização dos incêndios). Ou seja, mais importante do que saber se a RTP fez mais ou menos cobertura do que a SIC ou a TVI, teria sido verificar se, proporcionalmente, houve diferenças fundamentais (editoriais, nomeadamente) entre a Informação da RTP e as suas concorrentes neste ano e a Informação da RTP e as suas concorrentes em anos anteriores. De modo diferente estará, na minha opinião, o artigo de ECT que suscitou a polémica: era um artigo de jornal e pegou no exemplo de um dia em que, saiu aos olhos de toda a gente, a RTP de forma escandalosa praticamente ignorou os incêndios - assunto que objectivamente nesse dia era o facto mais marcante do quotidiano nacional.

Em todo o caso, as longuíssimas análises feitas pela ERC parecem, aliás, uma tentativa de esconder as diferenças brutais na cobertura entre a RTP e as suas concorrentes. Aquilo é um amontoado de números e gráficos que somente com um olhar clínico nos apercebemos de algumas diferenças que, na verdade, existiram entre a RTP e as outras televisões, embora não admitidas de uma forma conclusiva pela ERC. Por outro lado, a decisão metodológica da ERC em comparar todas as notícias de Maio a Setembro, as de Agosto e as do período 7 a 13 de Agosto é absurda. Por duas razões. Primeiro, neste ano, embora o tema incêndios tenha estado muito presente na comunicação social, houve uma quantidade significativa de notícias em que o fogo destruidor era o protagonista (por exemplo, foram inumeráveis as reportagens sobre as brigadas da GNR, sobre sapadores, sobre prevenção, etc – temas que têm todo o cabimento serem feitas pelo teor pedagógico, mas que não deveriam ser usadas como dados estatísticos para avaliar a cobertura aos incêndios propriamente ditos). Segundo, este ano tivemos apenas um período crítico de incêndios (primeira quinzena de Agosto; aliás, que serviu de base às denúncias e análises de ECT), em que ardeu cerca de 2/3 da área deste ano. Quanto muito, para além deste período da primeira quinzena, poder-se-ia incluir a abordagem que se fez ao incêndio que matou cinco bombeiros na Guarda em 9 de Julho (e aqui, recordo-me bem, a RTP foi a única televisão que não fez este acontecimento como tema de abertura do seu noticiário).

Por isso, não se compreende que a ERC não tenha escolhido a primeira quinzena de Agosto para uma das suas análises, preferindo um período mais curto que nem sequer coincide, em toda a sua magnitude, com os dias em que oficialmente se registaram os picos de incêndios.

E foi pena também porque assim se poderia confirmar uma percepção que sempre tive ainda no Verão: a maior diferença na cobertura da Informação da RTP nem foi em relação às concorrentes (embora no período 7-13 de Agosto, a diferença foi, de acordo com dados apresentados no relatório da ERC, de menos uma hora na cobertura de incêndios em comparação com as concorrentes, além de menor tempo das peças e menor destaque no alinhamento), mas sim entre a que era feita na RTP ao fim-de-semana e aos dias da semana. Ou seja, teria sido muito, mas mesmo muito importante, que a ERC tivesse confrontado a forma como era feita a cobertura dos incêndios da RTP em função da pessoa que estava a coordenar. E se se confirmassem as diferenças abissais (e eu acho que existiram) entre a coordenação ao fim-de-semana, então ter-se-ia de questionar a Direcção de Informação sobre os motivos (objectivos ou inconfessáveis) para essas estranhas e comprometedoras diferenças.

12/08/2006

Afinal foi «apenas» incompetência

A deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre a polémica levantada por Eduardo Cintra Torres à cobertura noticiosa dos incêndios florestais pela RTP já saiu (ver aqui). São 144 páginas que comecei a ler e quando tentei perceber por que carga de água a RTP no noticiário de 12 de Agosto (alvo de análise de ECT) apenas abordou os incêndios à 18ª notícia não lhe dedicando qualquer directo, ao invés da TVI e SIC (que fizeram abertura e directos), a revelação surgiu: foi apenas incompetência do coordenador do Tejejornal desse dia (ver pg. 46-47), que mandou uma equipa para o Gerês, depois desviou-a para Valpaços, depois o pessoal do carro dos directos foi para casa, depois enviou-se um carro de satélite para o Gerês, depois ele atrasou-se, depois alargou-se o aluguer da transmissão do satélite, depois o servidor não funcionou, e depois não se fez nada. Se não fosse tudo isto, parece que, conforme referiu o coordenador do telejornal da RTP do dia 12 de Agosto, o incêndio do Gerês até poderia ter sido abertura do noticiário. Pois...

Nota: Em relação à metodologia, conclusões e recomendações da deliberação propriamente dita, nem teço comentários. Mas, depois disto, confesso que já temo que a ERC não me dê razão em relação à minha querela com o Diário de Notícias (se bem se recordam, a direcção do DN alegou que eu, por ser jornalista, não posso exercer o direito de resposta consignado pela Lei da Imprensa), cujo parecer da ERC ainda estou a aguardar. Ah, e a minha queixa foi enviada, em correio registado, na primeira quinzena de Setembro. Ou seja, já lá vão três meses.

12/07/2006

Ode à loucura

Parece que a União Europeia se prepara para arquivar a queixa da Liga para a Protecção da Natureza relativamente à construção da barragem de Odelouca, no Algarve, cujo financiamento esteve entretanto suspenso. Segundo os jornais, a Comissão Europeia ficou convencida com os argumentos do Estado português de que a água vai apenas servir para abastecimento doméstico.

Sinceramente, penso que a razão mais óbvia para se autorizar a construção desta barragem é o facto de, na verdade, não existirem impactes ambientais significativos provocados por esta infra-estrutura. Por duas ordens de razão: os incêndios que flagelam aquela região, de tempos em tempos, continuarão a retirar a importância ecológica e paisagística (e, portanto, uma albufeira acaba por ser irrelevante); por outro lado, a espécie que mais poderia ser afectada por uma barragem - o lince ibérico - já não existe por aquelas paragens.

Portanto, acho bem que se construa a barragem, acho bem que Portugal engane a União Europeia e a União Europeia se queira deixar enganar, acho bem que se meta mais betão no Algarve; enfim, acho bem que se continue a aberração algarvia. Odelouca servirá assim como uma ode à loucura.

12/01/2006

E que tal a cabeça no cepo?

O Ministério do Ambiente apresentou, no Tribunal Administrativo de Almada, uma «resolução fundamentada» (jargão jurídico), invocando interesse público, para evitar a suspensão dos testes da co-incineração na cimenteira do Outão (por via de uma providência cautelar interposta pelas autarquias de Sesimbra, Palmela e Setúbal).

É muito triste ver o Ministério do Ambiente - e ainda mais os seus titulares - a arranjar truques jurídicos para não mandar fazer um estudo de impacte ambiental que a legislação obriga, alegando interesse público. E insistir mesmo quando já teve uma derrota em Coimbra. Donde, o ministro do Ambiente, Nunes Correia, e o secretário de Estado, Humberto Rosa, terão de tirar as devidas ilações políticas no caso de mais um desfecho desfavorável nas instâncias judiciais. Porque, nessa hipótese, claramente os tribunais repetem que o conceito de interesse público que eles defendem não interessa ao público. Logo, ao público também não interessará que eles se mantenham a governar...

11/28/2006

Eu sou um imprudente

Ontem, participei num seminário organizado pela Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais para fazer um balanço sobre a época dos incêndios - que foi, na minha opinião, bastante má, tendo em consideração as condições meteorológicas excepcionalmente muitos favoráveis. Não consegui encontrar melhor frase para iniciar a minha palestra do que esta:

«Procede imprudentemente aquele que não se acomoda às coisas presentes, que não obedece aos costumes, que esquece aquela lei dos banquetes: ‘Bebe ou retira-te’; enfim, que quer que a farsa não seja farsa. Pelo contrário, serás verdadeiramente prudente, vendo que és mortal, não querendo saber mais do que os outros, convivendo ou errando de boa vontade com a universidade dos homens. Dirão que isto é estultícia. Não o nego, mas concordai que é essa a maneira de agir na farsa da vida.»
Erasmo de Roterdão, ELOGIO DA LOUCURA (1509)

11/27/2006

Uma lição de democracia para o Governo

A legislação de avaliação de impacte ambiental de projectos foi estabelecida com um único propósito: prevenir impactes sobre o ambiente e a qualidade de vida das populações. Ou seja, defender o interesse público.

Porém, o nosso querido Ministério do Ambiente do primeiro Governo português liderado por um antigo ministro do Ambiente não pensa o mesmo. E vai daí alegou «interesse público» em avançar com a co-incineração em Souselas sem novo estudo de impacte ambiental, confundindo que interesse público com interesse governamental. Donde, esta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra - de decretar que apenas se pode avançar após um estudo de impacte ambiental - coloca o Governo no seu devido sítio. E sobretudo põe um travão no (repetido) abuso deste Governo em alegar interesse público para forçar a sua caprichosa vontade.

11/24/2006

Carmona vs. interesse público

Governantes e autarcas são eleitos, presume-se, para defender o interesse público. Nem sempre assim acontece e, sobretudo no caso da construção civil, sabe-se que a esmagadora maioria dos políticos não só alimenta a especulação como permite imoralmente que empresários do sector imobiliário saquem mais-valias à custa da degradação da qualidade de vida das populações.

Porém, pior ainda é quando ocorrem situações como as da aprovação de um empreendimento imobiliário para a zona de Marvila pela autarquia de Lisboa que provavelmente estará na zona de servidão do TGV e da eventual terceira ponte sobre o Tejo. Carmona Rodrigues e os vereadores do PSD (e até a vereadora do CDS-PP, Maria José Nogueira Pinto, que se absteve, funcionado, na prática, como voto favorável) sabiam que a aprovação deste loteamento arrisca a que o Estado venha a pagar uma indemnização superior a 60 milhões de euros - que, obviamente, serão pagos pelos contribuintes.

Por isso, é legítimo perguntar: que tipo de interesses anda Carmona Rodrigues e os seus vereadores do PSD a defender? Os dos munícipes de Lisboa e dos contribuintes portugueses não serão, certamente...

11/23/2006

Sempre a construir

A partir de umas análises que ando a fazer, o gráfico aqui em cima, mostra a evolução do número de alojamentos (fogos) em Portugal desde 1838 até 2001, com uma periodicidade de 20 anos. Não consegui (ainda) colocar em maior tamanho (espero que seja visível), mas para se ter um termo de comparação, diga-se que a população portuguesa quase triplicou durante este período (passou de 3,56 milhões para 10,36 milhões), enquanto os alojamentos mais que quintuplicaram (5,6 vezes).

Torna-se também notório que os últimos 20 anos foram os do «boom» da construção, curiosamente o período em que alegadamente havia sensibilidade para as questões do ordenamento do território...

A nível regional, alguns distritos apresentam uma evolução ainda maior (por exemplo, o Algarve aumentou mais de oito vezes o número de alojamentos em 163 anos; a população apenas triplicou) , mas isso fica para «segundas núpcias»...

11/20/2006

A pouca vergonha de 350 mil euros queimados

Esta época de incêndios não trouxe apenas nove mortos e mais 75 mil hectares ardidos. Soube-se no sábado, por uma pequena notícia no Correio da Manhã, que o Governo encomendou um estudo à consultora McKinsey & Company para analisar a «coisa e tal». O ministro António Costa, feliz da vida, teve ainda o desplante em destacar a «sintonia de análise» entre o Ministério da Administração e o dito estudo da empresa - ou, por outras palavras, que tudo correu bem, claro -, referindo também que «o mais interessante deste estudo foi a monotorização das medidas tomadas para 2006 e a sistematização das medidas e sua calendarização». Ou seja, concluiu alegremente que os 350 mil euros não serviram para nada, nem sequer para o Governo aprender.

Sinceramente, penso que começa a ser abjecta a encomenda de estudos pagos a peso de ouro com dinheiros públicos (e, por regra de fraquíssima qualidade), ainda mais quando existem recursos na Administração Pública para os elaborar com menores custos (e, às tantas, com melhor qualidade). E mesmo que não houvesse técnicos disponíveis, atentem no montante em causa: 350 mil euros daria para pagar a 10 técnicos a receber 2.500 euros mensais (nada mau) durante um ano inteiro, incluindo subsídio de férias e 13º mês. Além disto tudo, quando uma empresa de consultoria recebe tão elevada maquia, claro que faz aquilo que o cliente gostaria de ouvir. Mais ainda porque , durante todo o Verão, o Governo não parou de clamar que estava tudo a ser um sucesso. Em suma, para encomendar um encómio - que era isso que o ministro António Costa pretendia -, a «coisa» saiu-nos cara: mais 350 mil euros dos nossos impostos derretidos em estupidez...

11/18/2006

Os desvarios da Câmara de Lisboa

Conforme escrevi aqui, entre 2001 e finais de 2005, Lisboa perdeu mais cerca de 45 mil habitantes, a um ritmo de cerca de 10 mil por ano. Entretanto, hoje no Público, surge uma notícia que refere ter a autarquia de Lisboa, no âmbito da revisão do PDM, definido como «desígnio fundamental» a recuperação demográfica da cidade. E vai daí, num dos cenários que «nem é dos mais optimistas» (cf. salienta o jornalista do Público José António Cerejo), aponta-se para 750 mil habitantes em 2013!

Começo a fartar-me de desvarios, mais ainda quando até são feitos por investigadores universitários - neste caso, Rui Oliveira, do Instituto Superior Técnico. De facto, apenas quem não esteja com os pés assentes na terra pode, mesmo em hipótese académica, imaginar que dentro de sete anos Lisboa tenha aquela população. Isso significaria um acréscimo de 230 mil habitantes até aquele ano, dado que em finais de 2005 as estimativas do INE apontavam para uma população alfacinha de um pouco menos de 520 mil habitantes. Ou seja, um acréscimo de mais de 30 mil habitantes por ano - que teriam de vir, em exclusivo, dos fenómenos de migração, dado que o saldo natural em Lisboa é, desde 1980, negativo e actualmente da ordem dos dois mil habitantes.

Ora, não sei se a autarquia sabe muito bem como vai conseguir este milagre. Mas ao ler as afirmações dos responsáveis municipais - que, por exemplo, defendem «'políticas agressivas', nomeadamente ao nível do marketing, que estimulem mudanças culturais, em particular ao nível das classes médias que viraram as costas à cidade» e que «a ideia (...) é 'fazer renascer Lisboa na sua identidade e não na homogeneização da globalização» -, tenho a certeza que eles também não sabem e vivem num mundo imaginário.

Mas há outra questão fundamental neste «desígnio fundamental» que mostra a irresponsabilidade dos autores destes desvarios. Mesmo que, porventura (e por hipótese mais do que absurda), se conseguisse resolver todas as causas estruturais que levaram ao despovoamento progressivo de Lisboa (cerca de 10 mil habitantes por ano, paulatinamente desde os anos 80), uma recuperação galopante da população de Lisboa (aos ritmos propostos) seria calamitoso para os concelhos envolventes. Com efeito, como a Área Metropolitana de Lisboa não tem aumentado de forma relevante em termos demográficos, a recuperação populacional da capital ter-se-ia que fazer à custa da retirada de população dos subúrbios.

Nota 1: Na minha opinião, Lisboa não tem necessariamente que recuperar a população a todo o custo - mais importante é estancar as taxas de perda, e sobretudo rejuvenescer a população e repovoar o centro. Ou seja, se recuperar não deve ser à custa da construção nova (aliás, as freguesias mais afastadas do centro - como Carnide - têm crescimentos populacionais semelhantes aos subúrbios), mas sim de reabilitação das freguesias do centro, que neste momento estão em elevado estado de degradação, sem condições de atractibilidade e a sofrer com a especulação. Aliás, ninguém na autarquia parece compreender que não são os lisboetas que saem de Lisboa que estão a virar as costas à cidade. Eles não vão de boa vontade; são expulsos...

Nota 2: Isto daria muito mais pano para mangas...

11/17/2006

Já agora...

O anterior post, fez-me relembrar a necessidade de colocar uma questão pertinente: nos últimos dois anos, o que beneficiou o país em termos de políticas (e medidas concretas) de ambiente e de ordenamento do território por ter como líder do Governo um antigo ministro do Ambiente? Ou, noutra formulação, o que distingue este Governo (que tem a maior percentagem de membros com experiência política e técnica em áreas ambientais) dos anteriores em relação a essas matérias?

Nota: Não vale a pena responder «energias renováveis». A energia eólica em Portugal representa 5% da produção eléctrica (e a subida que registou no último ano não cobre o aumento absoluto do consumo de electricidade) e uns míseros 1% do consumo total de energia...
And the winner is...

Al Gore, na corrida para o Óscar de documentário, com «Uma Verdade Inconveniente» (vd. aqui).

Nota: Terá sido minha distracção ou não houve sequer um jornal que tenha perguntado ao primeiro-ministro José Sócrates (ex-ministro do Ambiente) e ao ministro do Ambiente, Nunes Correia, se viram este documentário? E o que acharam dele. E o que pensam, enfim, fazer.

11/16/2006

Pescadinha seca de rabo na boca

Leio esta notícia do Público e esboço um sorriso amarelo: destaca-se uma reunião de comissão luso-espanhola dos rios internacionais, referindo que «Portugal e Espanha acordaram, hoje [ontem], criar um grupo de trabalho específico para fixar o caudal mensal mínimo que deverão ter os rios que nascem em Espanha, quando entram em território português».

Ou seja, oito anos depois da mesmíssima coisa ter ficado prevista no convénio assinado em Albufeira em Novembro de 1998 - sem que entretanto nada tenha sido feito, a não ser Espanha secar de quando em vez os rios internacionais -, os dois países... criam um grupo de trabalho! Prevê-se, portanto, que, em Novembro de 2014, esse grupo de trabalho entretanto criado proponha a assinatura de um novo convénio, onde se preveja, mais tarde fixar, um caudal mensal mínimo. E, em seguida, em Novembro de 2022...

Claro que, no meio disto, quem fica a perder é sempre Portugal, que nunca se deu ao respeito em matérias aquosas em relação a Espanha...

11/15/2006

A não perder

Uma série de escândalos urbanísticos em Espanha levaram o El Mundo a fazer um extraordinário trabalho de investigação e de síntese, que pode - e deve - ser consultado aqui, num extenso e multifacetado dossier de extraordinária qualidade jornalística e didáctica. Qualquer semelhança entre o que se passa em Espanha e em Portugal (não) será uma coincidência.

Nota: Já notaram como nos últimos anos os «cambalachos» relacionados com a construção quase saíram das páginas dos jornais? Por que será? Aceitam-se palpites...

11/13/2006

Aviso divino

Estava a digitar o endereço do Estrago da Nação, mas enganei-me e, em vez de www.estragodanacao.blogspot.com, escrevi www.estragodanacao.logspot.com. Bom, na verdade, estou desconfiado de que afinal não foi um engano; foi um aviso divino...

11/12/2006

A faxineira

Ontem, surgiu o ministro do Ambiente, Nunes Correia, a fazer declarações, citadas no Público, que são, no mínimo, de uma irresponsabilidade política, financeira, ambiental e de saúde pública. Disse ele que Portugal espera cumprir o Protocolo de Quioto utilizando mais amplamente os mecanismo de apoio ao "desenvolvimento limpo", previstos pelo protocolo, e que prevêem a execução de projectos respeitadores do ambiente em países terceiros, com a obtenção de créditos nas quotas de emissão de gases de efeito-estufa.

Ora, o que está aqui em síntese é que Portugal vai procurar, em primeiro lugar, reduzir as nossas emissões por via de projectos limpos em países subdesenvolvidos. A questão deve, portanto, colocar-se: o Governo não deveria implementar exactamente os mesmos projectos que está, por certo, a pensar para os outros países, mas em Portugal? Ou Nunes Correia quer que o país se comporte como uma faxineira que faz limpezas nas outras casas, mas vive numa pocilga? Por outro lado, esqueceu-se Nunes Correia também que, associado às emissões de dióxido de carbono lançados para a atmosfera, estão muitos outros poluentes com efeitos negativos para o ambiente e a saúde pública? E estes não precisam também de ser reduzidos?

Nota: Nunes Correia disse mais ainda: que Portugal deverá ao mesmo tempo fazer «um esforço» para melhorar a sua eficiência energética e aproveitar os mecanismos de flexibilização do Protocolo de Quioto que permitem, através da cooperação com outros países, obter créditos de emissão. Acho sinceramente que, pelo andar da carruagem, a segunda hipótese é a que vai ser «escolhida» em massa.

11/11/2006

Qual terá sido a razão para não haver milésimas?

O Governo deve ter andado ontem num corrupio para apurar a taxa de adesão à greve. Mas fez «bom serviço» e saiu com «precisão» quase milimétrica: 14,07%, de acordo com as informações veiculadas. Se alguém lhes tivesse perguntado o valor até às cagagésimas, por certo o Governo também forneceria. Pena que o «rigor» apenas exista aqui. Eu gostaria que fosse, por exemplo, nos custos finais das obras públicas...

Nota 1: Nesta habitual «guerra dos números», o Governo põe-se a jeito. Quem aderiu à greve, deve ter passado a odiar ainda mais o Governo pela forma como este desdramatizou (diria, ridicularizou) a greve. Não haverá problema para o Governo se isso apenas representar 14,07% dos trabalhadores da Função Pública. Mas se forem muitos mais, a coisa fica-lhes mais complicada.

Nota 2: Se me perguntarem se acredito nestes números do Governo, eu direi que não sei. E isso já significa uma avaliação: quando não confiamos, já é mau.

11/10/2006

Travessuras da Menina Má

Entre escritas e preparativos para novo romance, poucas oportunidades tenho tido para ler ficção contemporânea. Este ano, particularmente, tem sido muito pouco «produtivo», nesta matéria.

Mas nos últimos dias, «devorei» o último romance de Mário Vargas Llosa, publicado em Portugal pela Dom Quixote. O romance conta uma história de amor de uma beleza tão trágica e angustiante que me marcou, penso eu, tanto como O Amor em Tempos de Cólera, de Gabriel García Marques (apenas, ou sobretudo, na postura do personagem principal perante o amor da sua vida).

Não é de bom tom revelar o fim da história, mas neste caso deixo aqui as derradeiras frases do romance, na voz da menina má:

«(...) Pelo menos confessa que te dei assunto para um romance. Não foi, menino bom?»

Sim, é muito bom.. e ela horrível e adoravelmente má.
Nem bons ventos, nem bons casamentos, nem boa água

Por falar em Espanha no post anterior, porventura se Portugal fosse uma comunidade autonómica espanhola não teríamos, por certo, inundações tão gravosas na bacia do Tejo. Apesar do convénio luso-espanhol dos rios internacionais prever que os dois países cooperem no sentido de gerirem as barragens para suportar enxurradas, foi por mais evidente que Espanha se esteve borrifando para nós durante a última semana.

Com efeito, apesar das barragens espanholas do Tejo estarem a cerca de metade da sua capacidade de armazenamento - sobretudo a gigante Alcântara -, só na segunda-feira passada (de acordo com o boletim hidrológico espanhol), foi descarregada pela barragem de Cedillo (na fronteira espanhola) mais de 1.200 metros cúbicos por segundo. Isto é muita água: contas feitas, dá mais de 100 hectómetros cúbicos, mais de 10% da nossa albufeira de Castelo de Bode. Como as nossas barragens no Tejo não suportam levar com tanta água em tão pouco tempo, toca a inundar tudo...

Aliás, o convénio luso-espanhol é uma autêntica anedota, por culpa dos portugueses. Quando não chove, Portugal não consegue que Espanha abra as torneiras das barragens; quando chove, não consegue que Espanha as feche...
Patetices

De quando em vez, surgem uns patetas para animar o anedotário nacional. Desta vez, segundo o Público, um grupo de cidadãos, incluindo vários oficiais reformados, entregaram, hoje, uma participação na Procuradoria-Geral da República, contra Mário Lino, ministro das Obras Públicas, por ele se assumir «iberista convicto», considerando também que a «unidade histórica e cultural ibérica é uma realidade que persegue tanto o Governo espanhol como o português».

Os subscritores da dito processo que acusam o ministro - que assim fica «sujeito» a ser penalizado por crime de traição à pátria - devem ter andado a dormir durante as últimas duas décadas. A existir qualquer perigo de «anexação» de Portugal, esse foi quando se assinou a nossa entrada na CEE. E, mais ainda, Espanha nem que lhe pagassem estaria agora disponível para anexar Portugal...

11/05/2006

Comentários activos

Como o calor do Verão já terminou, pode ser que os comentários agora sejam mais ponderados e construtivos. Nova tentativa, portanto, para estabelecer uma sã discussão, embora com moderação. Por isso, se faz favor, insultos apenas devem ser enviados por e-mail. Agradecido...

11/04/2006

O fogo não morreu, invernou

Coloquei no Ambio o meu artigo de opinião que foi hoje publicado no diário Público (não linkável para os textos de opinião) em que apresento a minha perspectiva sobre o «ano de sucesso» no combate aos incêndios.

Nota: Será que o «especialista em incêndios», João Morgado Fernandes, agora sempre tão atento a estas temáticas, me citará no seu French Kissin'? Nah! Eu não dou os parabéns ao Governo...
Lobo com pele de ovelha

Travestida agora de fundação boazinha e filantrópica, a família Champallimaud volta ao ataque e insisite em querer construir no Raso, na zona de Cascais. Segundo a manchete do Público de hoje, a Sociedade do Raso que agora surge integrada na Fundação Champallimaud, apresenta, pois então, uma surpreendente alternativa: uma indemnização do Estado - isto é, de nós, os contribuintes - de 374 milhões de euros! Receio que esta novela, mais ano menos ano, tenha um final infeliz...

Nota: Não deixa de ser curioso que a primeira iniciativa desta Fundação, liderada por Leonor Beleza e que tem Daniel Proença de Carvalho como curador, tenha sido na área do imobiliário. E eu que ia jurar que esta fundação era direccionada apenas para a investigação médica e científica. Ingenuidades...

11/02/2006

O escandaloso desastre demográfico

Pelo menos nas últimas duas décadas, não houve um único autarca de Lisboa que não elegesse como sua prioridade estancar a acelerada perda demográfica da capital portuguesa. Assim, têm-se somado as promessas, os planos de «reabilitação» e de «rejuvenescimento», apresentando-se sempre «exemplos», sempre associados a construção urbanística, de que se está em vias de inverter o despovoamento. Se as palavras decidissem, por certo Lisboa estaria agora cheia de gente. Mas não, infelizmente são os números que ditam as regras.

Estive a consultar os mais recentes dados demográficos do Instituto Nacional de Estatística e fiquei estarrecido. Não surpreendentemente estarrecido, porque «apenas» confirmam a tendência catastrófica de Lisboa (e também do Porto). Nas estimativas anuais do INE (que costumam ser bastante rigorosas) referentes ao final de 2004, Lisboa perdeu mais 35.172 habitantes relativamente aos últimos Censos (feitos em Março de 2001). Ou seja, uma perda de 6,2% em pouco mais de três anos. Significa portanto que a manter-se esta tendência, a presente década terminará com uma redução superior a 100 mil habitantes, repetindo assim o que tem vindo a ocorrer, em cada década, desde os anos 80.

Em relação ao Porto, o cenário é idêntico, mas até com maior dimensão: entre Março de 2001 e Dezembro de 2004, a Cidade Invicta terá perdido 9,2% da sua população, passando de cerca de 263 mil habitantes para um pouco menos de 239 mil.

Em ambos os casos - embora tenha visto com mais detelhe a situação de Lisboa -, estas perdas populacionais estão associadas ao envelhecimento da população e à migração para outros concelhos. No entanto, a segunda causa é a mais importante. De facto, se considerarmos que em Lisboa o saldo natural é negativo na ordem das duas mil pessoas por ano (muitas mortes e poucos nascimentos), significa que o seu contributo para o despovoamento foi da ordem das sete mil pessoas em três anos e meio. Isto implica que a «fuga» de lisboetas para as periferias atingiu cerca de 28 mil indivíduos neste período (uma média de duas pessoas por dia).

E para onde foram? Não fiz ainda uma análise exaustiva, mas um destino óbvio foi, claro, Sintra! Este concelho cresceu «apenas» mais 50.802 habitantes em apenas três anos e meio; um crescimento de 14%! Segundo o INE, no final de 2004 já viviam no concelho de Sintra perto de 410 mil habitantes. Em parte, este crescimento deveu-se às migrações internas na Área Metropolitana de Lisboa, mas também à elevada taxa de fecundidade, algo que em Lisboa se encontra nas ruas da amargura. Daí que, a manter-se esta tendência até ao final da década, quando se fizerem os Censos de 2011, Lisboa perderá, pela primeira vez desde que é capital de Portugal, a liderança populacional. Contas feitas, nessa altura Lisboa terá cerca de 460 mil habitantes e Sintra atingirá os 510 mil!

Haveria muito mais a dizer, mas estes números mostram que a sangria demográfica em Lisboa (e também no Porto) não pára. E que algo está mal, muito mal, quando os autarcas de Lisboa dos últimos anos andaram apenas preocupados em construir um túnel rodoviário e a aprovar projectos imobiliários especulativos. E isto não atrai a população da classe média (a mais numerosa e, portanto, reprodutiva) nem consegue fixar os lisboetas que (ainda) por aqui vivem.

Nota final: Um indicador usado pelo INE é a taxa de crescimento efectivo entre dois anos, que basicamente calcula, em termos percentuais, a diferença entre dois anos em relação à média populacional desse período. Entre 2003 e 2004, o concelho com pior desempenho (-2,5%) foi o Porto, seguindo-se-lhe Alcoutim, e depois Lisboa (com -1,9%). Os concelhos que se seguem são todos do interior decrépito. No entanto, há uma diferença substancial: os outros concelhos perdem agora população sobretudo por via do saldo natural, enquanto que em Lisboa e Porto (embora com saldos naturais também negativos), perdem sobretudo pelo saldo migratório.

11/01/2006

Há 250 anos, um dia de pânico em Lisboa

Não deve ter sido nada agradável, o dia 1 de Novembro de 1756, exactamente um ano após o terramoto que destruiu Lisboa e outras zonas do país e até do estrangeiro. Numa época em que se julgava serem os sismos atribuíveis aos pecados terrenos (são vários os sermões e escritos religiosos que apontavam essa causa), surgiram então várias profecias (uma das quais do padre Gabriel Malagrida) que previam um novo e ainda mais destrutivo terramoto. Tanto era o alarme que Lisboa ameaçou esvaziar-se. Daí que no dia 29 de Outubro sairia uma ordem do então recém-nomeado secretário de Estado do Reino (equivalente a primeiro-ministro), Sebastião José de Carvalho e Melo, a proibir qualquer pessoa a sair de Lisboa até ao fim do dia 1 de Novembro. E o padre Malagrida acabou mesmo sendo deportado para Setúbal, que na altura era uma espécie de cú de Judas do país, devido ao seu isolamento (ainda não havia ponte 25 de Abril nem Vasco da Gama, e a região agora constituída pelo distrito de Setúbal era talvez a menos povoada do Reino).

O sismo, claro, não se repetiu nesse dia...

Nota: Lembram-se da autarquia de Lisboa ter prometido no ano passado fazer um sem-número de iniciativas evocativas do terramoto de 1755, com maquetes disto e daquilo, incluindo um simulador de terramotos? Ou andei bastante distraído ou não se fez absolutamente nada...

10/31/2006

Ignorância blasfémica

João Miranda - que não faço a mínima ideia de quem seja nem o que faz - escreve no Blasfémias, um dos mais populares blogs nacionais, onde também participam duas pessoas que conheço bem (João Gabriel Silva e mais recentemente a Helena Matos). João Miranda escreve bem, no sentido de que expõe as suas ideias com desenvoltura. João Miranda, pelo que por vezes leio, assume-se como um liberal, no sentido economicista do termo. João Miranda também gosta de escrever sobre ambiente. Mas sobre esta temática, Joao Miranda escolhe sempre uma visão «fracturante», caricaturando os seus supostos «adversários», negando tudo, mesmo as evidências. atacando todos, chamando-lhes alarmistas, fundamentalistas e outras coisas que tais.

Hoje, João Miranda «atira-se» aos jornais que divulgaram com destaque o Relatório Stern, que parece ele não ter também lido. E tem depois uma pérola neste post. Escreve ele que «para se chegar a um relatório sobre os impactos económicos das emissões do CO2 é necessário», entre outras coisas, «estimar o impacto no clima de todos os factores naturais e antropogénicos (gases de estufa, uso da terra, radiação solar directa, raios cósmicos, aerosois naturais e de origem antropogénica, efeitos de feedback positivos e negativos etc)». Até aqui tudo bem, mas esborra a pintura - estatela-se mesmo ao comprido - quando acrescenta que «é sobre isto que é suposto haver consenso, mas pelos vistos há quem discorde», adiantando mesmo, mais à frente, que «actualmente a comunidade científica ainda discute se [aquela premissa] está correcta».

Antes de ler isto, pensava que era por tique liberalista que João Miranda escrevia disparates sobre temas ambientais. Agora penso que é por pura ignorância.
Facto inédito

Três dos principais diários portugueses - Público, Diário de Notícias e Jornal de Notícias - com manchetes sobre o Relatório Stern relativo ao aquecimento global em que aponta Portugal como um dos países mais afectados da Europa. É talvez inédito na imprensa portuguesa e, por isso, merece nota de relevo.
Contudo, não deixa de ser curioso que grande parte dos efeitos apontados pelo Relatório Stern já são há muito conhecidos em Portugal, designadamente ao nível dos estudos do SIAM (coordenado pelo Prof. Filipe Duarte Santos), não tendo tido uma cobertura mediática sequer comparável. A única «novidade» deste relatório é ter sido coordenado por um economista que trabalhou no Banco Mundial - e portanto insuspeito de ser ambientalista - e de comparar os efeitos económicos relacionados com as alterações climáticas à depressão económica decorrente de uma guerra mundial. Não é pouco, claro. Mas mostra um pouco que o alarme (desde que não seja alarmista no sentido depreciativo do termo) e as notícias que vêm de fora têm sempre mais impacte do que o que é feito (e sabido) cá em Portugal.
Ai o nosso rico dinheirinho!

Ontem, segunda-feira, fiquei muito satisfeito ao ver a manchete do Correio da Manhã abordar e aprofundar alguns dos aspectos que tinha referido neste meu post de domingo. Ou seja, que mais do que a questão das ligações perigosas entre a empresa que fez o estudo das SCUT e um assessor do Governo, aquilo que mais estava em causa era a forma como, por dá cá esta palha, se encomendam estudos a entidades exteriores quando as entidades públicas detêm os dados e técnicos.

A notícia do Correio da Manhã - que surpreendentemente «arrisca-se» a ser o melhor diário nacional em termos de investigação - também explora muito bem a questão das verbas que estão previstas em Orçamento de Estado para o próximo ano nos diversos ministérios. E aqui surge à cabeça o «minguado» Ministério do Ambiente. Aquele mesmo que não tem dinheiro sequer para pagar contas de telefone em algumas áreas protegidas, mas dispõe de mais de 25 milhões de euros (!!!!) para estudos de não sei bem o quê nem para quê. Aliás, o Ministério do Ambiente parece aquele aluno que adora estuda não para aprender e depois executar, mas sim porque estudando e mais estudando desculpa-se da falta de vontade em trabalhar.

10/30/2006

Um livro de oferta para comemorar

Coloquei o Sitemeter uns meses após a criação do Estrago da Nação em Janeiro de 2004, pelo que desconheço ao certo o número total de visitantes. Porém, para efeitos «históricos», eis que o contador se apresta para chegar às 100.000 visitas (na altura em que escrevo contabiliza 99.864, e neste momento poderá consultar aqui).

Deste modo, para comemorar, estou disposto a oferecer um exemplar do meu livro «Portugal: O Vermelho e o Negro» ao visitante 100.000, desde que me contacte via e-mail (estragodanacao@clix.pt, ou clicar aqui ao lado em CORREIO), fornecendo-me os dados suficientes para eu comprovar tal «façanha» (isto inclui hora aproximada da visita e local de acesso, de modo a eu puder «checkar» através do Sitemeter).

Como, obviamente, poderá acontecer que o visitante 100.000 esteja desatento (ou não queira aceitar a oferta), o livro será endereçado ao visitante que mais se aproximar desta fasquia até ao limite da 100.010ª visita. Deste modo, aqueles que estiverem dentro deste intervalo devem enviar-me também por e-mail, com as mesmas referências para eu puder confirmar.

Nota: Claro que os portes de correio serão por minha conta, depois do vencedor me indicar o endereço postal.

10/29/2006

Nós pagamos tudo, claro... e caro

A manchete do semanário Sol sobre a abjudicação, por ajuste directo, de dois estudos sobre as auto-estradas sem portagem à antiga empresa de um adjunto do secretário de Estado das Obras Públicas não é apenas grave pelo eventual tráfico de influências.

Na verdade, mesmo que tudo tivesse sido feito por total transparência, dever-se-ia questionar as razões de se encomendar os estudos a uma empresa externa, quando a Estradas de Portugal - empresa pública - tem certamente técnicos qualificados ou suficientes para essa tarefa. Pode o Governo alegar que um estudo feito por uma entidade exterior garante uma maior independência. Mentira! Não é o hábito que faz o monge. Um estudo mostra a sua independência no conteúdo e no rigor. E mais ainda: se um estudo é encomendado por ajuste directo (sabe-se lá as razões...) é legítimo pensar que «condiciona» à partida as conclusões finais; neste caso, a manifesta intenção do Governo em acabar com a maioria das SCUT.

Por fim, chocam-me os montantes que estão em causa. Os dois estudos atingiram valores de 275 mil euros, o que é um perfeito exagero. Fui dar uma vista de olhos aos relatórios sobre os tempos de percurso entre as SCUT e as alternativas, e basicamente a esmagadora maioria da informação foi prestada pela Estradas de Portugal, a que se somaram uns «passeios» de automóvel em quatro dias da semana, mais umas quantas contas simples, uns factores de correcção e ponto final. Na parte que diz respeito ao poder de compra, não me parece também se se demore muito tempo em contas e a informação é detida pelo INE. Ou seja, muito dinheiro e não havia necessidade de os contribuintes estarem a pagar um estudo que deveria ter sido feito por entidades públicas. E sem ligações perigosas...

10/27/2006

A culpa celibatária

Jorge Coelho, ministro das Obras Públicas no segundo Governo Guterres demitiu-se, como se sabe, em Março de 2001 a seguir à queda da ponte de Entre-os-Rios. A decisão política foi louvada, mas na verdade era o mínimo que poderia então fazer. Do ponto de vista político, ele era um dos responsáveis por ter tornado possível uma ponte num país dito desenvido cair no século XXI por falta de inspecções que evitasse o colapso durante um caudal mais forte (mas não anormal) do que o habitual num rio. Os louvores à atitude de Jorge Coelho - que não foram assumidos por outros seus colegas do Governo, com similares responsabilidades políticas - não deveriam um apagar das suas responsabilidades como uma das caras desse ser abstracto chamado Estado.

Mas, estamos em Portugal, claro. E como se viu, sentaram-se no banco dos réus, as pessoas erradas, porque não eram as caras que representam o Estado. Por isso, foram absolvidas. Agora, surgiu Jorge Coelho com uma capa de dignidade a mostrar-se surpreendido e lastimado com o fim deste processo judicial, afirmando mesmo que «não é possível que 59 pessoas tenham morrido a atravessar um equipamento cuja manutenção é da responsabilidade do Estado e, feita a investigação, ninguém seja responsabilizado». Enfim, Jorge Coelho deve estar, no íntimo, a pensar para os seus botões: ainda bem, neste caso, que a culpa morreu solteira....

10/26/2006

E os impostos vão diminuir?

O princípio do utilizador-pagador para custear um sistema pré-existente é todo muito bonito, mas apenas quando, após a sua aplicação, o princípio do contribuidor-pagador, que o suportava anteriormente, se modifica - a favor do contribuinte, claro.

Por isso, o mais engraçado nesta discussão das SCUT (e de tudo o que seja despesa do Estado que este Governo quer endossar para o consumidor) é que ninguém questiona o Governo sobre se os impostos vão diminuir. É que diminuindo as despesas do Estado - as poupanças vêm apenas do lado da redução das despesas -, não existe justificação plausível para que as receitas do Estado (ou seja, os impostos que pagamos que, por exemplo, iam para suportar as despesas das SCUT) mantenham os mesmos níveis.

Se se mantiverem, quem andar a partir de agora nas SCUT paga então o dobro: como contribuinte e como utilizador. E quem não andar nas SCUT não se livra de continuar a pagar como contribuinte.

10/25/2006

O ambiente na imprensa, hoje n'a Dois

Hoje, na RTP 2 (ou n'a Dois), a partir das 23:30 horas, o programa «Clube de Jornalista» será dedicado às abordagens dos assuntos de ambiente na imprensa portuguesa. Estarei presente nesse debate (aliás, na verdade, já estive... foi gravado), na companhia da Luísa Schmidt (Expresso) e do Ricardo Garcia (Público). O debate conta também com depoimentos de Carlos Pimenta e Eugénio Sequeira.
Vindo do Governo, não me admira... mas do IKEA, já é outra história

Na segunda metade do século XVIII, o Marquês de Pombal conseguiu expulsar os jesuítas de Portugal e procurou, durante anos, que os outros países europeus o seguissem na medida. O então embaixador francês escreveu mesmo que o dito Sebastião José até entregaria uma província portuguesa a Espanha se aquele país também «extirpasse» a Companhia de Jesus. E conseguiu... pagando até subornos ao papa.

Dois século depois, noutro contexto, a obsessão do Governo em atrair investimento estrangeiro leva a que não olhe a meios, nem a soberanias, nem a direito nem a moral. Ele seria até capaz de vender as nossas avós e os periquitos, gaiolas incluídas, para atingir os seus objectivos. Por isso, não me admira que o Governo ofereça, desta feita, uma zona de Reserva Ecológica Nacional, com sobreiros (não há muitos naquela região), para o IKEA construir uma fábrica em Paços de Ferreira, mesmo havendo alternativas (por certo um bocadito mais caras em termos de preço dos terrrenos) noutras zonas.

Na verdade, o que já me admira neste processo é que a multinacional IKEA, que se arroga de empresa com preocupações ambientais, aceite este presente. E que mostre, assim, que talvez não construisse a fábrica em Portugal se o Governo não permitisse edificar em Reserva Ecológica Nacional.

Perante isto, como pequeno consumidor, IKEA está riscada do mapa, por falta de coerência e por publicidade enganosa. A uma empresa que usa o ambiente como marketing exige-se que seja como a mulher de César.
Diabruras e desprimores

Deliciosa a leitura do caso exposto num parecer, ontem inserido na página da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, sobre um recurso de uma junta de freguesia do Porto à recusa do Jornal de Notícias à publicação de um texto de direito de resposta por este incluir a palavra «diabruras». Será diabruras uma «expressão desprimorosa», como defendia a direcção do JN? Saiba aqui, na Deliberação 30-R/2006, qual foi a decisão da ERC, que meteu ao barulho os dicionários da Lello & Irmãos , de 1980, e o da Academia das Ciências de Lisboa, de 2001...
Uma questão de justiça

Por lapso, ontem tinha-me faltado referir este bom artigo da Rita Carvalho, no Diário de Notícias, que releva a redução de 50% do orçamento do Instituto de Conservação da Natureza entre 2002 e 2007, tendo passado de 55 milhões para 28 milhões.

Acrescento, porém, que a redução ainda será maior a preços reais, se considerarmos a taxa de inflação. Mas, em todo o caso, contas feitas - e tendo em consideração que o ICN «gere» áreas protegidas e Rede Natura; portanto, 1/5 do território nacional -, no próximo ano pingará cerca de 15 euros (3 contos na moeda antiga) por cada hectare de área sujeita a intervenções de conservação da Natureza em Portugal durante todos os 365 dias. Uma esmola, portanto. Obrigado, engenheiro José Sócrates - o que seria da conservação da Natureza em Portugal se o senhor, sendo agora primeiro-ministro, não tivesse imbuído de uma extraordinária sensibilidade ambiental por já ter tutelado este sector.

10/24/2006

Quem com ferros mata, com ferros morre... (com adenda)

... ou como o João Morgado Fernandes se mostra aqui um paladino da defesa da sua honra na blogosfera, mas no seu papel de director-adjunto do Diário de Notícias se comporta de forma completamente diferente. Ou seja, ele critica Pacheco Pereira por o autor do Abrupto não lhe permitir a defesa da honra de jornalista, mas fora da blogosfera, como director-adjunto do Diário de Notícias, recusou-me a defesa da minha credibilidade jornalística. Enfim, incoerências. Talvez lhe faça bem saborear esta amargura, mesmo se a posição de Pacheco Pereira (de lhe recusar a defesa) seja, sempre, criticável.

Nota 1: O título deste post também poderia ser: quem semeia textos opinativos sem estudar a matéria colhe tempestades.

Nota 2: Depois deste post, JMF no seu French Kissin' (ver aqui), vitimiza-se. E eu fico compungido do seu sofrimento. Escreve ele que na última semana já o insultaram por três vezes - chamando-lhe Luís Delgado, Daniel Oliveira e Duarte Moral - supostamente, segundo ele, devido «à falta de melhores argumentos» para o atacarem. Admito que em relação ao Duarte Moral, fiz uma referência neste post. Mas longe de mim, primeiro, de considerar isso como um insulto (sobretudo ao Duarte Moral, que é assessor de imprensa e que, portanto para a sua função, tem feito o trabalho que deve fazer). O que escrevi, para que conste, foi que JMF com os seus argumentos em matéria de fogos «ainda vai tirar o lugar ao seu ex-colega Duarte Moral». Nada mais disse do que isso. Quanto à minha falta de argumentos, enfim, é escusado relembrar o que fui escrevendo ao longo dos últimos meses, numa tentativa (parece que frustrada) de ver se JMF acabava por admitir a sua evidente ignorância... e se calava. Aliás, chamar-lhe ignorante (nestas matérias) não é um insulto; é apenas um qualificativo daquilo que ele é.

Desconfio que me andam a ler o livro...

Olhem, afinal parece que o meu livro dos incêndios está a servir para alguma coisa. Segundo o Jornal de Notícias de ontem, o «Governo quer controlar verbas e serviços feitos por bombeiros». Não deixa de ser curioso um aspecto na notícia: se o Governo quer controlar, significa que não controlava. Era o que eu desconfiava; ou melhor, tinha fortes suspietas; ou melhor ainda, tinha certeza.

Nota: E por falar em bombeiros, quando é que eles param de se zangar uns com os outros - como em menos de um mês aconteceu em Matosinhos e agora em Braga?

Acabem com a conservação da Natureza, se faz favor...

Portugal tem cerca de 8% do seu território classificado como áreas protegidas, a que acresce mais 12% se considerarmos o estatuto comunitário de sítio da Rede Natura. Ou seja, um quinto do país deveria beneficiar de investimentos que os distinguissem das outras áreas. Esses investimentos deveriam ser feitos em conservação da Natureza, nas suas diversas valências: biodiversidade, paisagem e população local. Sem apostas integradas e credíveis nestes três vectores não faz sentido exitirem áreas protegidas, parece algo de bom senso.

Gerir e conservar bem as áreas protegidas - ao contrário do que pensam, na sua ignorância, os detractores na aposta em investimentos de conservação da natureza -, tem enormes vantagens económicas, porque um país sem preocupações em biodiversidade, perde a sua paisagem, perde mesmo o seu interesse turístico. E eu já nem me queria referir o aspecto integeracional. Porém, nada disto se tem visto nos últimos anos em Portugal; diria mesmo nas últimas duas décadas.

Actualmente, as áreas protegidas não apenas estão ao abandono. São mais maltratadas do que as restantes áreas do país não protegidas - e estou a falar das pessoas ou daquilo que interessa às pessoas. Se não vejamos. Onde há mais atrasos no saneamento básico? Onde se bebe a pior água canalizada? Onde faltam mais escolas? Onde há mais falta de médicos? Onde há mais falta de actividades culturais? Onde a economia está mais depauperada? E, helas, onde são mais frequentes os incêndios florestais? Vejam e hão-de reparar que onde há menos de tudo isto é nas localidades situadas nas áreas protegidas.

E, claro, neste aspecto, os sucessivos Governos têm sido coerentes. Se não apoiam as populações humanas, seria criminoso apoiar os animais. De forma muito democrática, não apoiam nenhuns.

Por isso, já não me surpreende que o Orçamento para o próximo ano do Instituto de Conservação da Natureza diminua ainda 18% em relação a 2006. Por mim, reduzia-se 100%. Desse modo, acabava a palhaçada da pseudo-conversação da Natureza e o Governo português ,liderado por um antigo ministro do Ambiente, assumia claramente que se está borrifando para a conservação da Natureza, para a biodiversidade, para a paisagem, para as pessoas que ali vivem (e pela ordem inversa do que aqui escrito...).

10/22/2006

As nuances da electricidade

Na minha opinião, continua sem ser bem explicada, pela generalidade da comunicação social, as verdadeiras razões dos preços da electricidade dispararem este ano. Na verdade, o que está em causa não é bem a revogação de um diploma que impedia que a evolução do preço da electricidade ultrapassasse a taxa de inflação, decorrente da liberalização do sector eléctrico. Ou melhor, as coisas estão relacionadas, embora o que efectivamente aconteceu é que o Estado (ou seja, o dinheiro dos contribuintes) deixou de financiar a produção de electricidade. E, portanto, antes era o contribuinte a financiar os preços baixos; agora é o consumidor a pagar os preços. Parece confuso, não é?

No entanto, é de uma grande simplicidade - e eu ainda vou tentar simplificar mais. Até ao ano passado, as centrais de produção termoeléctrica funcionavam como uma espécie de padaria em que o Estado assegurava a matéria-prima. Ou seja, o Estado assumia as flutuações dos preços dos combustíveis primários, pelo que as empresas acabavam apenas por receber uma margem de lucro pela transformação de combustível primário em electricidade. Significava isso que o Estado é que estava a arcar com os aumentos do petróleo (e do resto dos combustíveis, por tabela), mas isso não era reflectido nos preços ao consumidor.

Ora, como esses contratos expiraram, as empresas têm agora que incorporar os custos
directamente aos consumidores, já que o Estado deixou de lhes dar a «almofada» para suportar os custos dos combustíveis. Daí que o aumento directo de cerca de 15% proposto pela ERSE. Ou seja, o Estado poupa dinheiro, mas os consumidores gastam mais dinheiro. Até aqui tudo justo, mas fica a questão pertinente: para onde irá agora o dinheiro que o Estado recebia antes dos contribuintes para que a electricidade não aumentasse?

10/19/2006

E ele, com mais um beijo, volta a atacar... (com adenda)

A ignorância não tem limites, mas em casos concretos pode ter uma cara. O João Morgado Fernandes que há um par de anos confessava que «nada percebo de política florestal, muito menos de combate a fogos», lançou-se este ano a dizer, militantemente, disparates sobre estas matérias. Insiste e volta a insistir nas suas peregrinas teses, diz e desdiz-se, mete os pés pelas mãos e a cabeça pelo umbigo, não olha para o ridículo das suas opiniões. Ele consegue ser até mais exultante do que o ministro António Costa e o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. Ainda vai tirar o lugar ao seu ex-colega Duarte Moral.

Nem a sua viagem a Nova Iorque lhe fez cessar as estultas dissertações. Regressado às terras lusas, ataca de novo, com este post de ontem. É mais um must. Parece que ele agora ficou surpreendido por Viana do Castelo ser dos distritos que mais arde(u) em Portugal, embora seja das regiões menos secas (ou mais húmidas, como se queira) no Verão. Mas, pronto, ele também confessa que não sabe fazer contas. Mas mesmo esta sua carência não justifica que a sua cabecinha jamais consiga enxergar que exactamente por situações como as de Viana do Castelo (e também Braga e Évora), o Governo não pode estar de parabéns. Se o distrito de Viana do Castelo foi «lavrado» pelas chamas em 48% do seu território entre 2000 e 2006 (o que dá 8% ao ano, 16 vezes superior à taxa de deflorestação da Amazónia), somente por inépcia poderia arder, como ardeu, mais 7% no presente ano, mesmo chovendo o que choveu. Imaginemos, portanto, o que seria se não chovesse.

De resto, já nem me vou dar ao trabalho de lhe tentar explicar pela enésima vez como os mais de 900 mil hectares que destruíram as zonas de maior risco entre 2003 e 2005, bem como a precipitação intercalada e intensa que marcou este Verão, tiveram um efeito condicionador da formação de incêndios de grandes dimensões. Nem por que motivo o Alentejo, mesmo sendo mais quente e seco, arde menos do que a generalidade das regiões (embora a tendência de agravamento seja preocupanente). Somente lamento ter-lhe oferecido o livro que escrevi, pois parece que, além de não saber fazer contas, ele também não gosta de ler.

Nota 1: Além disso, João Morgado Fernandes parece que leu uma edição diferente do Público. Não consegui encontrar nenhuma parte do artigo de opinião do eng. José Pinto Casquilho em que expressamente dê os parabéns ao Governo. A única referência ao Governo apenas se encontra nesta frase: «Baixando drasticamente as áreas ardidas por ano, reconvertendo interesses e mentalidades na perspectiva do bem comum - o que aliás me parece ser o eixo do conjunto de medidas que o Governo tem estado a anunciar neste domínio -, consegue-se automaticamente aumentar muito o sequestro de carbono e assim compensar parte do excesso das emissões, nalguns milhões de toneladas de carbono por ano, de acordo com os meus cálculos». Interpretar que esta frase significa dar os parabéns ao Governo, é algo um bocadinho enviesado. Mas, enfim...
Nota 2: Cometi um lapso quando procurava o texto do eng. José Pinto Casquilho e, de facto, quem leu a edição errada do Público fui eu, pelo que a nota 1, que escrevi, não faz sentido. A citação que coloquei foi de um artigo do mesmo autor publicado no dia 16 de Agosto, e esse engano deve-se ao facto de ter acesso a todas as edições e ter feito a pesquisa pelo nome e veio-me logo aquele texto. E, portanto, não li o texto do dia 17 de Outubro onde ele escreve que «Está o Governo - e todos os agentes de boa vontade, do terreno e dos gabinetes - de parabéns, com o esforço e o resultado, ajudado pela bondade das chuvas de Agosto» (e eu acrescentaria de Julho e de Setembro). O artigo comete, porém, um erro, na minha perspectiva: faz uma análise muito simplificada em termos estatísticos não considerando que a floresta e os matos não são nenhuma fénix renascida. Ou seja, o que ardeu nos últimos 3-4 anos não poderia arder este ano e funcionava como tampão à progressão dos incêndios.
Nota 3: Isto não invalida que mantenha absolutamente tudo o que escrevi no post propriamente dito.

10/18/2006

Os novelos das poupanças

Nem por acaso, as duas primeiras notícias que surgem neste preciso momento no Público Online destacam supostas poupanças do Estado. A primeira intitiula-se «Mário Lino: as portagens em três Scut poupam ao Estado cem milhões por ano»; a segunda «Estado poupou 36 milhões de euros em medicamentos entre Janeiro e Setembro».

Um rápido raciocínio pode levar a supor que, poupando o Estado esse dinheiro, que os contribuintes beneficiam imediata e directamente. Mas, na verdade, essa poupança acaba por não ser evidente: no primeiro caso, serão os os utilizadores das Scuts que pagam aquilo que o Estado passará a poupar; no segundo, a poupança derivada do acréscimo do uso dos genéricos (mais baratos) acaba por ser compensado pelo aumento do preço dos não genéricos, pelo que o Estado poupa, mas alguém terá de pagar esse valor às farmacêuticas.

A questão essencial não é, porém, a justeza em que os serviços sejam pagos por quem os utiliza - e no actual modelo económico caminha-se a passos largos para a plenitude do consumidor-pagador. Mas se assim é, não é pertinente questionar se eu deverei pagar os mesmos impostos que pagava antes destas «poupanças» do Governo se não uso as Scuts nem compro medicamentos?

10/17/2006

Os perigos do triunfalismo

Já aqui referi que, apesar de muitos bombeiros voluntários me verem como um diabo (nem imaginam o teor de alguns emails que me chegam), tenho a melhor das opiniões sobre o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Duarte Caldeira. Mais uma vez concordo, quase na sua totalidade, com as suas recentes declarações contra os «triunfalismos» do ministro António Costa em relação à área ardida este ano.

De facto, os Grupos de Primeira Intervenção da GNR terão contribuído, por certo, para uma melhoria na eficácia da extinção nos fogos nascentes, embora a pouca credibilidade nas estatísticas dos fogachos não permitam uma avaliação muito rigorosa. Porém, o maior problema nos incêndios em Portugal nunca foi tanto a primeira intervenção (cujos índices sempre foram melhores do que em Espanha, apesar do país vizinho ter áreas ardidas de menor dimensão). O problema está nos fogos que, não sendo extintos numa fase inicial (e é utópico julgar possível ter taxas de 100%), continuam a arder tornando-se gigantescos. Mesmo num ano «calmo» como o de 2006 existirem 25 incêndios com mais de 500 hectares é muito. Diria mais: é perigosíssimo, tendo em conta o factor cíclico dos incêndios. Por outro lado, como já referi, a taxa de incêndios (mais de um hectare) que superaram os 100 hectares é superior à generalidade dos anos da última década (com excepção dos «anormais» anos de 2003 e 2005), o que é demonstrativo das deficiências estruturais no combate estendido.

Não perceber isto - e o ministro António Costa parece não querer perceber - e privilegiar apenas a primeira intervenção é meio caminho andado para perpetuar o drama dos incêndios. E neste cenário, o que não ardeu este ano, por ajuda do São Pedro, irá acrescer ao que arderá nos próximos anos. O fogo não dorme, apenas descansa...
Ora, tomem lá...

Protestar, enfim um direito que a liberdade democrática nos concede, tem apesar de tudo alguns riscos. Por regra, o poder não gosta. Daí que se sofra represálias, mais ou menos sublimes. Ou seja, para exercer um direito de cidadania tem de existir algum espírito de sacrifício.

Daí que o presidente da autarquia do Porto tenha «ajudado» os «protestantes» contra a entrega do Rivoli a uma gestão privada e, vai daí, corta-lhes a luz e mete o ar condicionado na temperatura mínima. E não se queixem. Se isto faz escola, prevê-se que, proximamente, depois da chegada a casa vindo de uma qualquer manifestação contra o Governo, os «protestantes» serão presenteados com cortes na electricidade, água, gás e telefone...

10/14/2006

Elogio da loucura segundo Pinho

Manuel Pinho, ministro da Economia, quer que sejamos felizes. E por isso, certamente, segue a máxima de Sofócles: quanto maior for a sabedoria, menos feliz a vida. Durante anos, tive a vã esperança de ser feliz sendo sabedor. Acho agora que tenho mais hipóteses, mesmo que remotas, em ser sabedor. A menos que para ser feliz me veja obrigado a ser estulto (Erasmo explica isso bem no Elogio da Loucura), como Manuel Pinho pretende que eu e todos sejamos.

Isto vem a propósito do anúncio, na semana que passou, do fim da crise, anunciada pelo nosso optimista governante, que acenou com «dados» económicos, onde se destacava a subida das exportações - tanto assim que, ele, insistia em referir sermos o terceiro país comunitário com maior crescimento ao longo deste ano (percentual, diga-se).

Apenas quem não conhece as «manhas» da estatísticas pode acreditar que estamos perante qualquer evidente recuperação económica. Pelo contrário, a tendência de desequilíbrio da balança comercial agravou-se e permitem evidenciar perdas de produtividade. De facto, apenas não conhecendo - e analisando com algum detalhe - os dados económicos dos primeiros sete meses deste ano se poderá acreditar no ministro. E ficar satisfeito. Mas infelizmente, as loas de Manuel Pinho são apenas isso: loas e ainda por cima parolas - lérias, em vulgata. Com efeito, vejamos o que está, por exemplo, por detrás de um aumento de 32,1% nas exportações portuguesas nos primeiros sete meses do ano.

Primeiro verifica-se que uma parte considerável das exportações nos primeiros sete meses deste ano deveu-se aos combustíveis: Portugal exportou 1.067 milhões de euros, quase o dobro do período homólogo do ano anterior. Mas o «problema» é que este aumento deveu-se quase em exclusivo ao crescimento substancial das importações de produtos petrolíferos primários (que passaram de 2.439 milhões de euros para 3.509 milhões). Ou seja, Portugal além de consumir mais combustíveis, serve agora como simples «plataforma» de transformação de petróleo nos seus diferentes derivados. Ganha-se alguma coisa com isto? É certo que sim, mas quase apenas as refinarias. E um país não se desenvolve quando um monopólio (como é o da refinaria) concentra uma fatia considerável das exportações.

Mas o mais curioso é que o aumento da produção de produtos refinados - que permitiu uma quase duplicação das exportações de combustíveis no período em análise - não significou que Portugal deixou de importar menos produtos refinados. Pelo contrário, o valor das importações no segmento produtos transformados (gasolinas e gasóleo, entre outros) foi 279 milhões de euros superior às exportações durante os primeiros sete meses deste ano.

Além disto, a categoria económica dos combustíveis e lubrificantes foi a que registou uma variação da balança comercial mais desfavorável: era negativa em 3.040 mihões de euros nos primeiros sete meses de 2005; atingiu os 3.787 milhões nos primeiros sete meses de 2006! Portanto, estamos perante um evidente caso de dumping ambiental. Aliás, veremos quanto aumentarão as emissões de emissões de dióxido de carbono apenas por esta via...

De resto, em termos económicos para os sete primeiros meses de 2006, não existe qualquer categoria relevante em que a balança comercial seja favorável às exportações - é claramente desfavorável -, como se pode verificar na lista abaixo, fazendo umas simples contas com os dados do INE:

Produtos alimentares e bebidas - saldo negativo de 1.654 MEuros
Fornecimentos industriais - saldo negativo de 1.874
MEuros
Combustíveis e lubrificantes - saldo negativo de 3.787 MEuros
Máquinas e outros bens comerciais - saldo negativo de 2.508 MEuros
Material de transporte e acessórios - saldo negativo de 426 Meuros
Bens de consumo - saldo negativo de 105 Meuros

Além disso, comparando os dois períodos em análise, a balança comercial na categoria produtos alimentares e bebidas, bem como de combustíveis e lubrificantes, registou mesmo um agravamento significativo em termos absolutos. Por outro lado, os dados do INE indiciam uma estagnação na produção agrícola e também na produção automóvel nacional, um dos sectores mais importantes da indústria portuguesa. Aliás, nesta última categoria, a balança comercial somente não foi mais desfavorável neste ano porque se verificou uma acentuada retracção na importação na categoria material de transporte e acessórios, que registou uma quebra de 324 milhões de euros (embora afectando sobretudo material de transporte que não de automóveis de passageiros).

Por tudo isto, ou o ministro da Economia anda a brincar connosco ou então está mesmo convencido de que a crise económica acabou. Se estiveramos perante a primeira hipótese, é lamentável, pois está a gozar-nos; se for a segunda hipótese, está então no sítio errado, por incompetência, e deveria ser demitido, obviamente.

10/13/2006

Depois queixem-se da perda de leitores

Na edição de Lisboa do Público de hoje surge uma noticia que é reveladora do actual estado do jornalismo: aguarda-se que a informação caia no regaço do(a) jornalista e não se faz qualquer análise crítica. Transmite-se simplesmente a informação. Todos parecem ficar assim satisfeitos: as fontes, geralmente oficiais , por canalizarem tudo o que lhes interessa, o jornal por rapidamente «produzir» uma notícia. Quem perde é, obviamente, o leitor.

A notícia a que me refiro - intitulada «Área ardida baixa 84 por cento no distrito de Santarém», da autoria do jornalista Jorge Talixa - aproveita uma conferência de imprensa do governador civil de Santarém que destaca esta redução quando se compara a área queimada este ano (cerca de 3.280 hectares) com a média dos seis anos anteriores. Claro que aproveitou isto para dizer que «estou convencido que o reforço quantitativo e qualitativo de meios que conseguimos organizar não será alheio a esta redução da área ardida».

Ora, mas uma pequena análise daquele período, mostraria que essa descida deve-se sobretudo ao simples facto de em 2003 e 2005 ter ardido, respectivamente, 66.929 e 28.871 hectares - ou seja, valores escandalosamente anormais. Porque se se excluir esses dois anos (2003 e 2005), a média anual da última década é de 3.988 hectares - ou seja, pouco superior ao valor deste ano.
Aliás, pegando na última década de meia (15 anos), o ano de 2006 foi apenas o 6º melhor. Por isso, nada de extraordinário. Em suma, com um pouco de trabalho, chegar-se-ia à conclusão de que se estava perante um embuste: a melhoria propalada pelo governador civil de Santarém era fruto das degraças de 2003 e 2005, que foram responsáveis por 83% da área queimada neste distrito no período 2000-2005!

Sinceramente, gostaria de ver na imprensa - e provavelmente não serei o único (ou sou?) - uma análise mais exaustiva sobre este ano de incêndios, cuja «máquina governamental» conseguiu «transformar» num sucesso. Os valores com que este ano deverá terminar (um pouco acima dos 80 mil hectares) será o dobro daquilo que o então Governo de António Guterres em 1999 prometeu que teríamos em média por ano durante o período de 2003-2008 (para mais esclarecimentos, ver aqui). A área ardida este ano está acima daquilo que se considera admissível para tornar a floresta sustentável. E, mais grave do que isso, apesar de o desempenho de alguns distritos ter dado indicações de melhoria evidente (casos sobretudo de Castelo Branco e Guarda), noutros a situação foi péssima (casos de Viana do Castelo, Évora e Braga) ou sofrível (casos de Aveiro e Leiria), mesmo quando comparamos com os anos de 2003 e 2005

Aqui em baixo, para uma melhor percepção do que destaco, coloco, por distrito, a área ardida neste ano e a respectiva classificação tendo em conta os últimos 10 anos (1997-2006). Ver-se-á que mantêm-se os motivos para recear o futuro.

Aveiro - 2.312 hectares (4º pior ano)
Braga - 9.925 hectares (3º) este valor é substancialmente superior à média 1996-2005 (cerca de 5.600 hectares por ano)
Lisboa - 684 hectares (10º)
Porto - 6.096 hectares (6º)
Beja - 1.240 hectares (6º)
Bragança - 2.847 hectares (9º)
Castelo Branco - 1.626 hectares (9º)
Coimbra - 905 hectares (9º) curiosamente, o ano em que menos ardeu foi o de 2004 (524 hectares) e o que ardeu mais foi o de 2005 (50.803 hectares); este caso mostra só por si que jamais se pode fazer uma festa quando se tem um valor baixo num determinado ano.
Évora - 6.346 hectares (2º) este valor é o triplo da média 1996-2005 (cerca de 2.170 hectares por ano)
Faro - 139 hectares (10º)
Guarda - 5.251 hectares (10º)
Leiria - 4.096 hectares (3º)
Portalegre - 624 hectares (6º)
Santarém - 2.847 hectares (valor da DGRF, 8º)
Setúbal - 898 hectares (7º)
Viana do Castelo - 16.211 hectares (2º) este valor é o quase o dobro da média 1996-2005 (cerca de 8.470 hectares por ano)
Vila Real - 3.913 hectares (8º)
Viseu - 6.405 hectares (8º)
PORTUGAL - 72.364 hectares (valor provisório, 8º)

Nota: Ao longo dos próximos tempos procurarei apresentar aqui no blog mais umas quantas análises sobre esta época dos incêndios em que «o Governo está de parabéns».
Adeus, crise, até amanhã...

É oficial: a crise acabou, nas palavras do ministro Manuel Pinho. Aguarda-se apenas a publicação da morte da crise em decreto-lei...

10/12/2006

Águas turvas

Não sei se pelo meu afastamento da imprensa, mas certo é que cada vez estou mais irritado com a superficialidade das abordagens das notícias e, mais grave ainda, quando feito por jornalistas que, conhecendo-os, sei que têm traquejo para as questões ambientais. Ontem, no Público, Ricardo Garcia escreveu um pequeno texto sobre o relatório da qualidade da água, elaborado pelo IRAR, relativamente ao ano passado, que é intitulado «Milhares de portugueses ainda bebem água imprópria». A primeira frase é a seguinte: «Milhares de portugueses continuam expostos a água poluída, apesar da progressiva melhoria dos mecanismos de controlo da qualidade.

O primeiro erro começa logo nessa frase. Melhorar o controlo da qualidade da água não significa obrigatoriamente que a água seja de melhor qualidade. O controlo da qualidade da água «apenas» detecta os problemas; não os resolve. E por isso mesmo a notícia deveria questionar sobretudo a manutenção dos problemas apesar dos investimentos em saneamento básico nas últimas décadas e de se saber que paulatinamente a qualidade da água continua más em muitas regiões (sobretudo interior e de pequenos sistemas de abastecimento de água). Aliás, como o próprio relatório do IRAR destaca, verificou-se um agravamento dos maus resultados nos parâmetros de rotina do grupo 1 (que integra sobretudo parâmetros bacteriológicos) entre 2004 e 2005 (passou de 4,23% para 4,56%).

O segundo erro reside na deficiente análise dos dados do IRAR. Na verdade, este relatório vem confirmar que os problemas de qualidade da água são crónicos, não se verificando qualquer melhoria relevante ao longo dos anos. Senão vejamos a evolução anual da percentagem de violações no total das análises em todo o país:
  • 2001 - 2,47%
  • 2002 - 2,37%
  • 2003 - 2,10%
  • 2004 - 2,72%
  • 2005 - 2,53%
Dir-se-á que são valores residuais. Apenas são para quem vive no litoral, bebendo água de qualidade. Mas nem sou apenas eu que considera estes valores inadmissíveis num país europeu. No ano passado, a União Europeia condenou Portugal por causa da qualidade de água distribuída nos anos de 1999 e 2000, cujos resultados eram similares aos que continuamos a apresentar. Isto é, Portugal vai levar mais uns puxões de orelha quando a União Europeia confirmar esta falta de evolução positiva. E isto porque este problema é crónico, sobretudo por ser quase exclusivo de concelhos do interior do país. Ou seja, de zonas que ficaram fora dos grandes investimentos dos últimos anos. Em suma, também a má qualidade da água é mais um factor de «marginalização» dos pequenos aglomerados populacionais. E isto é admissível.

Nota: Nos próximos dias tentarei publicar um ou dois textos que abordarão a ideia governamental de estabelecer um preço único para a água canalizada e sobre a ausência de apresentação dos resultados da qualidade da água nas facturas.