11/28/2006

Eu sou um imprudente

Ontem, participei num seminário organizado pela Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais para fazer um balanço sobre a época dos incêndios - que foi, na minha opinião, bastante má, tendo em consideração as condições meteorológicas excepcionalmente muitos favoráveis. Não consegui encontrar melhor frase para iniciar a minha palestra do que esta:

«Procede imprudentemente aquele que não se acomoda às coisas presentes, que não obedece aos costumes, que esquece aquela lei dos banquetes: ‘Bebe ou retira-te’; enfim, que quer que a farsa não seja farsa. Pelo contrário, serás verdadeiramente prudente, vendo que és mortal, não querendo saber mais do que os outros, convivendo ou errando de boa vontade com a universidade dos homens. Dirão que isto é estultícia. Não o nego, mas concordai que é essa a maneira de agir na farsa da vida.»
Erasmo de Roterdão, ELOGIO DA LOUCURA (1509)

11/27/2006

Uma lição de democracia para o Governo

A legislação de avaliação de impacte ambiental de projectos foi estabelecida com um único propósito: prevenir impactes sobre o ambiente e a qualidade de vida das populações. Ou seja, defender o interesse público.

Porém, o nosso querido Ministério do Ambiente do primeiro Governo português liderado por um antigo ministro do Ambiente não pensa o mesmo. E vai daí alegou «interesse público» em avançar com a co-incineração em Souselas sem novo estudo de impacte ambiental, confundindo que interesse público com interesse governamental. Donde, esta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra - de decretar que apenas se pode avançar após um estudo de impacte ambiental - coloca o Governo no seu devido sítio. E sobretudo põe um travão no (repetido) abuso deste Governo em alegar interesse público para forçar a sua caprichosa vontade.

11/24/2006

Carmona vs. interesse público

Governantes e autarcas são eleitos, presume-se, para defender o interesse público. Nem sempre assim acontece e, sobretudo no caso da construção civil, sabe-se que a esmagadora maioria dos políticos não só alimenta a especulação como permite imoralmente que empresários do sector imobiliário saquem mais-valias à custa da degradação da qualidade de vida das populações.

Porém, pior ainda é quando ocorrem situações como as da aprovação de um empreendimento imobiliário para a zona de Marvila pela autarquia de Lisboa que provavelmente estará na zona de servidão do TGV e da eventual terceira ponte sobre o Tejo. Carmona Rodrigues e os vereadores do PSD (e até a vereadora do CDS-PP, Maria José Nogueira Pinto, que se absteve, funcionado, na prática, como voto favorável) sabiam que a aprovação deste loteamento arrisca a que o Estado venha a pagar uma indemnização superior a 60 milhões de euros - que, obviamente, serão pagos pelos contribuintes.

Por isso, é legítimo perguntar: que tipo de interesses anda Carmona Rodrigues e os seus vereadores do PSD a defender? Os dos munícipes de Lisboa e dos contribuintes portugueses não serão, certamente...

11/23/2006

Sempre a construir

A partir de umas análises que ando a fazer, o gráfico aqui em cima, mostra a evolução do número de alojamentos (fogos) em Portugal desde 1838 até 2001, com uma periodicidade de 20 anos. Não consegui (ainda) colocar em maior tamanho (espero que seja visível), mas para se ter um termo de comparação, diga-se que a população portuguesa quase triplicou durante este período (passou de 3,56 milhões para 10,36 milhões), enquanto os alojamentos mais que quintuplicaram (5,6 vezes).

Torna-se também notório que os últimos 20 anos foram os do «boom» da construção, curiosamente o período em que alegadamente havia sensibilidade para as questões do ordenamento do território...

A nível regional, alguns distritos apresentam uma evolução ainda maior (por exemplo, o Algarve aumentou mais de oito vezes o número de alojamentos em 163 anos; a população apenas triplicou) , mas isso fica para «segundas núpcias»...

11/20/2006

A pouca vergonha de 350 mil euros queimados

Esta época de incêndios não trouxe apenas nove mortos e mais 75 mil hectares ardidos. Soube-se no sábado, por uma pequena notícia no Correio da Manhã, que o Governo encomendou um estudo à consultora McKinsey & Company para analisar a «coisa e tal». O ministro António Costa, feliz da vida, teve ainda o desplante em destacar a «sintonia de análise» entre o Ministério da Administração e o dito estudo da empresa - ou, por outras palavras, que tudo correu bem, claro -, referindo também que «o mais interessante deste estudo foi a monotorização das medidas tomadas para 2006 e a sistematização das medidas e sua calendarização». Ou seja, concluiu alegremente que os 350 mil euros não serviram para nada, nem sequer para o Governo aprender.

Sinceramente, penso que começa a ser abjecta a encomenda de estudos pagos a peso de ouro com dinheiros públicos (e, por regra de fraquíssima qualidade), ainda mais quando existem recursos na Administração Pública para os elaborar com menores custos (e, às tantas, com melhor qualidade). E mesmo que não houvesse técnicos disponíveis, atentem no montante em causa: 350 mil euros daria para pagar a 10 técnicos a receber 2.500 euros mensais (nada mau) durante um ano inteiro, incluindo subsídio de férias e 13º mês. Além disto tudo, quando uma empresa de consultoria recebe tão elevada maquia, claro que faz aquilo que o cliente gostaria de ouvir. Mais ainda porque , durante todo o Verão, o Governo não parou de clamar que estava tudo a ser um sucesso. Em suma, para encomendar um encómio - que era isso que o ministro António Costa pretendia -, a «coisa» saiu-nos cara: mais 350 mil euros dos nossos impostos derretidos em estupidez...

11/18/2006

Os desvarios da Câmara de Lisboa

Conforme escrevi aqui, entre 2001 e finais de 2005, Lisboa perdeu mais cerca de 45 mil habitantes, a um ritmo de cerca de 10 mil por ano. Entretanto, hoje no Público, surge uma notícia que refere ter a autarquia de Lisboa, no âmbito da revisão do PDM, definido como «desígnio fundamental» a recuperação demográfica da cidade. E vai daí, num dos cenários que «nem é dos mais optimistas» (cf. salienta o jornalista do Público José António Cerejo), aponta-se para 750 mil habitantes em 2013!

Começo a fartar-me de desvarios, mais ainda quando até são feitos por investigadores universitários - neste caso, Rui Oliveira, do Instituto Superior Técnico. De facto, apenas quem não esteja com os pés assentes na terra pode, mesmo em hipótese académica, imaginar que dentro de sete anos Lisboa tenha aquela população. Isso significaria um acréscimo de 230 mil habitantes até aquele ano, dado que em finais de 2005 as estimativas do INE apontavam para uma população alfacinha de um pouco menos de 520 mil habitantes. Ou seja, um acréscimo de mais de 30 mil habitantes por ano - que teriam de vir, em exclusivo, dos fenómenos de migração, dado que o saldo natural em Lisboa é, desde 1980, negativo e actualmente da ordem dos dois mil habitantes.

Ora, não sei se a autarquia sabe muito bem como vai conseguir este milagre. Mas ao ler as afirmações dos responsáveis municipais - que, por exemplo, defendem «'políticas agressivas', nomeadamente ao nível do marketing, que estimulem mudanças culturais, em particular ao nível das classes médias que viraram as costas à cidade» e que «a ideia (...) é 'fazer renascer Lisboa na sua identidade e não na homogeneização da globalização» -, tenho a certeza que eles também não sabem e vivem num mundo imaginário.

Mas há outra questão fundamental neste «desígnio fundamental» que mostra a irresponsabilidade dos autores destes desvarios. Mesmo que, porventura (e por hipótese mais do que absurda), se conseguisse resolver todas as causas estruturais que levaram ao despovoamento progressivo de Lisboa (cerca de 10 mil habitantes por ano, paulatinamente desde os anos 80), uma recuperação galopante da população de Lisboa (aos ritmos propostos) seria calamitoso para os concelhos envolventes. Com efeito, como a Área Metropolitana de Lisboa não tem aumentado de forma relevante em termos demográficos, a recuperação populacional da capital ter-se-ia que fazer à custa da retirada de população dos subúrbios.

Nota 1: Na minha opinião, Lisboa não tem necessariamente que recuperar a população a todo o custo - mais importante é estancar as taxas de perda, e sobretudo rejuvenescer a população e repovoar o centro. Ou seja, se recuperar não deve ser à custa da construção nova (aliás, as freguesias mais afastadas do centro - como Carnide - têm crescimentos populacionais semelhantes aos subúrbios), mas sim de reabilitação das freguesias do centro, que neste momento estão em elevado estado de degradação, sem condições de atractibilidade e a sofrer com a especulação. Aliás, ninguém na autarquia parece compreender que não são os lisboetas que saem de Lisboa que estão a virar as costas à cidade. Eles não vão de boa vontade; são expulsos...

Nota 2: Isto daria muito mais pano para mangas...

11/17/2006

Já agora...

O anterior post, fez-me relembrar a necessidade de colocar uma questão pertinente: nos últimos dois anos, o que beneficiou o país em termos de políticas (e medidas concretas) de ambiente e de ordenamento do território por ter como líder do Governo um antigo ministro do Ambiente? Ou, noutra formulação, o que distingue este Governo (que tem a maior percentagem de membros com experiência política e técnica em áreas ambientais) dos anteriores em relação a essas matérias?

Nota: Não vale a pena responder «energias renováveis». A energia eólica em Portugal representa 5% da produção eléctrica (e a subida que registou no último ano não cobre o aumento absoluto do consumo de electricidade) e uns míseros 1% do consumo total de energia...
And the winner is...

Al Gore, na corrida para o Óscar de documentário, com «Uma Verdade Inconveniente» (vd. aqui).

Nota: Terá sido minha distracção ou não houve sequer um jornal que tenha perguntado ao primeiro-ministro José Sócrates (ex-ministro do Ambiente) e ao ministro do Ambiente, Nunes Correia, se viram este documentário? E o que acharam dele. E o que pensam, enfim, fazer.

11/16/2006

Pescadinha seca de rabo na boca

Leio esta notícia do Público e esboço um sorriso amarelo: destaca-se uma reunião de comissão luso-espanhola dos rios internacionais, referindo que «Portugal e Espanha acordaram, hoje [ontem], criar um grupo de trabalho específico para fixar o caudal mensal mínimo que deverão ter os rios que nascem em Espanha, quando entram em território português».

Ou seja, oito anos depois da mesmíssima coisa ter ficado prevista no convénio assinado em Albufeira em Novembro de 1998 - sem que entretanto nada tenha sido feito, a não ser Espanha secar de quando em vez os rios internacionais -, os dois países... criam um grupo de trabalho! Prevê-se, portanto, que, em Novembro de 2014, esse grupo de trabalho entretanto criado proponha a assinatura de um novo convénio, onde se preveja, mais tarde fixar, um caudal mensal mínimo. E, em seguida, em Novembro de 2022...

Claro que, no meio disto, quem fica a perder é sempre Portugal, que nunca se deu ao respeito em matérias aquosas em relação a Espanha...

11/15/2006

A não perder

Uma série de escândalos urbanísticos em Espanha levaram o El Mundo a fazer um extraordinário trabalho de investigação e de síntese, que pode - e deve - ser consultado aqui, num extenso e multifacetado dossier de extraordinária qualidade jornalística e didáctica. Qualquer semelhança entre o que se passa em Espanha e em Portugal (não) será uma coincidência.

Nota: Já notaram como nos últimos anos os «cambalachos» relacionados com a construção quase saíram das páginas dos jornais? Por que será? Aceitam-se palpites...

11/13/2006

Aviso divino

Estava a digitar o endereço do Estrago da Nação, mas enganei-me e, em vez de www.estragodanacao.blogspot.com, escrevi www.estragodanacao.logspot.com. Bom, na verdade, estou desconfiado de que afinal não foi um engano; foi um aviso divino...

11/12/2006

A faxineira

Ontem, surgiu o ministro do Ambiente, Nunes Correia, a fazer declarações, citadas no Público, que são, no mínimo, de uma irresponsabilidade política, financeira, ambiental e de saúde pública. Disse ele que Portugal espera cumprir o Protocolo de Quioto utilizando mais amplamente os mecanismo de apoio ao "desenvolvimento limpo", previstos pelo protocolo, e que prevêem a execução de projectos respeitadores do ambiente em países terceiros, com a obtenção de créditos nas quotas de emissão de gases de efeito-estufa.

Ora, o que está aqui em síntese é que Portugal vai procurar, em primeiro lugar, reduzir as nossas emissões por via de projectos limpos em países subdesenvolvidos. A questão deve, portanto, colocar-se: o Governo não deveria implementar exactamente os mesmos projectos que está, por certo, a pensar para os outros países, mas em Portugal? Ou Nunes Correia quer que o país se comporte como uma faxineira que faz limpezas nas outras casas, mas vive numa pocilga? Por outro lado, esqueceu-se Nunes Correia também que, associado às emissões de dióxido de carbono lançados para a atmosfera, estão muitos outros poluentes com efeitos negativos para o ambiente e a saúde pública? E estes não precisam também de ser reduzidos?

Nota: Nunes Correia disse mais ainda: que Portugal deverá ao mesmo tempo fazer «um esforço» para melhorar a sua eficiência energética e aproveitar os mecanismos de flexibilização do Protocolo de Quioto que permitem, através da cooperação com outros países, obter créditos de emissão. Acho sinceramente que, pelo andar da carruagem, a segunda hipótese é a que vai ser «escolhida» em massa.

11/11/2006

Qual terá sido a razão para não haver milésimas?

O Governo deve ter andado ontem num corrupio para apurar a taxa de adesão à greve. Mas fez «bom serviço» e saiu com «precisão» quase milimétrica: 14,07%, de acordo com as informações veiculadas. Se alguém lhes tivesse perguntado o valor até às cagagésimas, por certo o Governo também forneceria. Pena que o «rigor» apenas exista aqui. Eu gostaria que fosse, por exemplo, nos custos finais das obras públicas...

Nota 1: Nesta habitual «guerra dos números», o Governo põe-se a jeito. Quem aderiu à greve, deve ter passado a odiar ainda mais o Governo pela forma como este desdramatizou (diria, ridicularizou) a greve. Não haverá problema para o Governo se isso apenas representar 14,07% dos trabalhadores da Função Pública. Mas se forem muitos mais, a coisa fica-lhes mais complicada.

Nota 2: Se me perguntarem se acredito nestes números do Governo, eu direi que não sei. E isso já significa uma avaliação: quando não confiamos, já é mau.

11/10/2006

Travessuras da Menina Má

Entre escritas e preparativos para novo romance, poucas oportunidades tenho tido para ler ficção contemporânea. Este ano, particularmente, tem sido muito pouco «produtivo», nesta matéria.

Mas nos últimos dias, «devorei» o último romance de Mário Vargas Llosa, publicado em Portugal pela Dom Quixote. O romance conta uma história de amor de uma beleza tão trágica e angustiante que me marcou, penso eu, tanto como O Amor em Tempos de Cólera, de Gabriel García Marques (apenas, ou sobretudo, na postura do personagem principal perante o amor da sua vida).

Não é de bom tom revelar o fim da história, mas neste caso deixo aqui as derradeiras frases do romance, na voz da menina má:

«(...) Pelo menos confessa que te dei assunto para um romance. Não foi, menino bom?»

Sim, é muito bom.. e ela horrível e adoravelmente má.
Nem bons ventos, nem bons casamentos, nem boa água

Por falar em Espanha no post anterior, porventura se Portugal fosse uma comunidade autonómica espanhola não teríamos, por certo, inundações tão gravosas na bacia do Tejo. Apesar do convénio luso-espanhol dos rios internacionais prever que os dois países cooperem no sentido de gerirem as barragens para suportar enxurradas, foi por mais evidente que Espanha se esteve borrifando para nós durante a última semana.

Com efeito, apesar das barragens espanholas do Tejo estarem a cerca de metade da sua capacidade de armazenamento - sobretudo a gigante Alcântara -, só na segunda-feira passada (de acordo com o boletim hidrológico espanhol), foi descarregada pela barragem de Cedillo (na fronteira espanhola) mais de 1.200 metros cúbicos por segundo. Isto é muita água: contas feitas, dá mais de 100 hectómetros cúbicos, mais de 10% da nossa albufeira de Castelo de Bode. Como as nossas barragens no Tejo não suportam levar com tanta água em tão pouco tempo, toca a inundar tudo...

Aliás, o convénio luso-espanhol é uma autêntica anedota, por culpa dos portugueses. Quando não chove, Portugal não consegue que Espanha abra as torneiras das barragens; quando chove, não consegue que Espanha as feche...
Patetices

De quando em vez, surgem uns patetas para animar o anedotário nacional. Desta vez, segundo o Público, um grupo de cidadãos, incluindo vários oficiais reformados, entregaram, hoje, uma participação na Procuradoria-Geral da República, contra Mário Lino, ministro das Obras Públicas, por ele se assumir «iberista convicto», considerando também que a «unidade histórica e cultural ibérica é uma realidade que persegue tanto o Governo espanhol como o português».

Os subscritores da dito processo que acusam o ministro - que assim fica «sujeito» a ser penalizado por crime de traição à pátria - devem ter andado a dormir durante as últimas duas décadas. A existir qualquer perigo de «anexação» de Portugal, esse foi quando se assinou a nossa entrada na CEE. E, mais ainda, Espanha nem que lhe pagassem estaria agora disponível para anexar Portugal...

11/05/2006

Comentários activos

Como o calor do Verão já terminou, pode ser que os comentários agora sejam mais ponderados e construtivos. Nova tentativa, portanto, para estabelecer uma sã discussão, embora com moderação. Por isso, se faz favor, insultos apenas devem ser enviados por e-mail. Agradecido...

11/04/2006

O fogo não morreu, invernou

Coloquei no Ambio o meu artigo de opinião que foi hoje publicado no diário Público (não linkável para os textos de opinião) em que apresento a minha perspectiva sobre o «ano de sucesso» no combate aos incêndios.

Nota: Será que o «especialista em incêndios», João Morgado Fernandes, agora sempre tão atento a estas temáticas, me citará no seu French Kissin'? Nah! Eu não dou os parabéns ao Governo...
Lobo com pele de ovelha

Travestida agora de fundação boazinha e filantrópica, a família Champallimaud volta ao ataque e insisite em querer construir no Raso, na zona de Cascais. Segundo a manchete do Público de hoje, a Sociedade do Raso que agora surge integrada na Fundação Champallimaud, apresenta, pois então, uma surpreendente alternativa: uma indemnização do Estado - isto é, de nós, os contribuintes - de 374 milhões de euros! Receio que esta novela, mais ano menos ano, tenha um final infeliz...

Nota: Não deixa de ser curioso que a primeira iniciativa desta Fundação, liderada por Leonor Beleza e que tem Daniel Proença de Carvalho como curador, tenha sido na área do imobiliário. E eu que ia jurar que esta fundação era direccionada apenas para a investigação médica e científica. Ingenuidades...

11/02/2006

O escandaloso desastre demográfico

Pelo menos nas últimas duas décadas, não houve um único autarca de Lisboa que não elegesse como sua prioridade estancar a acelerada perda demográfica da capital portuguesa. Assim, têm-se somado as promessas, os planos de «reabilitação» e de «rejuvenescimento», apresentando-se sempre «exemplos», sempre associados a construção urbanística, de que se está em vias de inverter o despovoamento. Se as palavras decidissem, por certo Lisboa estaria agora cheia de gente. Mas não, infelizmente são os números que ditam as regras.

Estive a consultar os mais recentes dados demográficos do Instituto Nacional de Estatística e fiquei estarrecido. Não surpreendentemente estarrecido, porque «apenas» confirmam a tendência catastrófica de Lisboa (e também do Porto). Nas estimativas anuais do INE (que costumam ser bastante rigorosas) referentes ao final de 2004, Lisboa perdeu mais 35.172 habitantes relativamente aos últimos Censos (feitos em Março de 2001). Ou seja, uma perda de 6,2% em pouco mais de três anos. Significa portanto que a manter-se esta tendência, a presente década terminará com uma redução superior a 100 mil habitantes, repetindo assim o que tem vindo a ocorrer, em cada década, desde os anos 80.

Em relação ao Porto, o cenário é idêntico, mas até com maior dimensão: entre Março de 2001 e Dezembro de 2004, a Cidade Invicta terá perdido 9,2% da sua população, passando de cerca de 263 mil habitantes para um pouco menos de 239 mil.

Em ambos os casos - embora tenha visto com mais detelhe a situação de Lisboa -, estas perdas populacionais estão associadas ao envelhecimento da população e à migração para outros concelhos. No entanto, a segunda causa é a mais importante. De facto, se considerarmos que em Lisboa o saldo natural é negativo na ordem das duas mil pessoas por ano (muitas mortes e poucos nascimentos), significa que o seu contributo para o despovoamento foi da ordem das sete mil pessoas em três anos e meio. Isto implica que a «fuga» de lisboetas para as periferias atingiu cerca de 28 mil indivíduos neste período (uma média de duas pessoas por dia).

E para onde foram? Não fiz ainda uma análise exaustiva, mas um destino óbvio foi, claro, Sintra! Este concelho cresceu «apenas» mais 50.802 habitantes em apenas três anos e meio; um crescimento de 14%! Segundo o INE, no final de 2004 já viviam no concelho de Sintra perto de 410 mil habitantes. Em parte, este crescimento deveu-se às migrações internas na Área Metropolitana de Lisboa, mas também à elevada taxa de fecundidade, algo que em Lisboa se encontra nas ruas da amargura. Daí que, a manter-se esta tendência até ao final da década, quando se fizerem os Censos de 2011, Lisboa perderá, pela primeira vez desde que é capital de Portugal, a liderança populacional. Contas feitas, nessa altura Lisboa terá cerca de 460 mil habitantes e Sintra atingirá os 510 mil!

Haveria muito mais a dizer, mas estes números mostram que a sangria demográfica em Lisboa (e também no Porto) não pára. E que algo está mal, muito mal, quando os autarcas de Lisboa dos últimos anos andaram apenas preocupados em construir um túnel rodoviário e a aprovar projectos imobiliários especulativos. E isto não atrai a população da classe média (a mais numerosa e, portanto, reprodutiva) nem consegue fixar os lisboetas que (ainda) por aqui vivem.

Nota final: Um indicador usado pelo INE é a taxa de crescimento efectivo entre dois anos, que basicamente calcula, em termos percentuais, a diferença entre dois anos em relação à média populacional desse período. Entre 2003 e 2004, o concelho com pior desempenho (-2,5%) foi o Porto, seguindo-se-lhe Alcoutim, e depois Lisboa (com -1,9%). Os concelhos que se seguem são todos do interior decrépito. No entanto, há uma diferença substancial: os outros concelhos perdem agora população sobretudo por via do saldo natural, enquanto que em Lisboa e Porto (embora com saldos naturais também negativos), perdem sobretudo pelo saldo migratório.

11/01/2006

Há 250 anos, um dia de pânico em Lisboa

Não deve ter sido nada agradável, o dia 1 de Novembro de 1756, exactamente um ano após o terramoto que destruiu Lisboa e outras zonas do país e até do estrangeiro. Numa época em que se julgava serem os sismos atribuíveis aos pecados terrenos (são vários os sermões e escritos religiosos que apontavam essa causa), surgiram então várias profecias (uma das quais do padre Gabriel Malagrida) que previam um novo e ainda mais destrutivo terramoto. Tanto era o alarme que Lisboa ameaçou esvaziar-se. Daí que no dia 29 de Outubro sairia uma ordem do então recém-nomeado secretário de Estado do Reino (equivalente a primeiro-ministro), Sebastião José de Carvalho e Melo, a proibir qualquer pessoa a sair de Lisboa até ao fim do dia 1 de Novembro. E o padre Malagrida acabou mesmo sendo deportado para Setúbal, que na altura era uma espécie de cú de Judas do país, devido ao seu isolamento (ainda não havia ponte 25 de Abril nem Vasco da Gama, e a região agora constituída pelo distrito de Setúbal era talvez a menos povoada do Reino).

O sismo, claro, não se repetiu nesse dia...

Nota: Lembram-se da autarquia de Lisboa ter prometido no ano passado fazer um sem-número de iniciativas evocativas do terramoto de 1755, com maquetes disto e daquilo, incluindo um simulador de terramotos? Ou andei bastante distraído ou não se fez absolutamente nada...