11/24/2005

Farpas Verdes CDXXXII

Apesar da chuva das últimas semanas, Portugal ainda está longe de garantir um ano hidrológico que permita que, no próximo Verão, não haja carência de água. Este Verão houve muitos «apelos» do Estado para se poupar água. Aprendeu-se a lição para se poupar água? Claro que sim! Ainda este noite, ao chegar a casa confirmei, por exemplo, que a autarquia de Lisboa aprendeu a lição: a minha rua estava a ser regada a jactos de água da albufeira de Castelo de Bode... parecia uma enxurrada...

11/23/2005

Derivações Ambientais XXXV

Por vezes, no Sitemeter procuro conhecer o perfil dos meus visitantes e, quase sempre, me surgem divertidas descobertas. Há uma hora atrás, tive 6 visitas no espaço de um minuto que procuravam saber em que navio tinha Charles Darwin viajado até às ilhas Galápagos. A resposta - que não estava no blog - era Beagle e valeria 50 mil euros no concurso «O Cofre» da RTP.

No entanto, o mais engraçado foi ver a forma como as pessoas pesquisam no Google: todos os seis visitantes colocaram, com pequenas variantes, a pergunta literal que foi feita no concurso. A variante, contudo, que me deu vontade de rir rezava assim, textualmente: «barco k levou darwin as ilhas galapagos». O Google, se um dia for ainda mais «inteligente» deveria recusar dar respostas a pessoas que escrevem assim.

11/22/2005

Farpas Verdes CDXXXI

Não me tenho debruçado muito sobre a questão do aeroporto da Ota, porque gosto de opinar somente após uma análise aprofundada sobre os temas. Contudo, em Outubro de 1998 elaborei uma reportagem que foi capa da revista (então) mensal Grande Reportagem a pretexto da discussão, à época, das alternativas Ota e Rio Frio. Abordei também a questão da suposta saturação do aeroporto da Portela.

Infelizmente, apenas tenho a revista - o texto em computador, infelizmente perdeu-se - e fui agora rememorá-lo. E há uma frase interessantíssima do então presidente do NAER, Sérgio Pessoa, que explica a vontade as razões de vermos os principais empresários nacionais a torcerem o nariz ao empreendimento e o Governo a ser «ajudado» por especialistas estrangeiros no sentido de nos convencerem de que esta obra era importante. Sérgio Pessoa dizia então o seguinte: «Temos consciência dos lobbies nacionai, mas o novo aeroporto de Lisboa despereta interesses em sindicatos financeiros internacionais que tornam essas pressões nacionais insignificantes».

11/20/2005

Farpas Verdes CDXXX

Em 1987, quando entrei na Universidade de Évora, as minhas viagens para casa dos meus pais , em Anadia, eram quase épicas., sobretudo de fosse de comboio. Havia duas alternativas: entrava na Curia e seguia pela Linha do Norte até Lisboa ou então saía num estação chamada Setil. No primeiro caso, chegado a Santa Apolónia, seguia a pé (o dinheiro não abundava) até ao Terreiro do Paço, apanhava o barco para o Barreiro, daí o comboio até Casa Branca e seguia noutro para Évora. No segundo caso, apanhava-se uma automora que, já não me recordo bem, parava também em Casa Branca e depois seguia-se em comboio para Évora. Eram uma viagem que demorava horas infindáveis.

Recordei-me destas viagens, por duas razões: a primeira, por causa do TGV. A segunda porque hoje irei para Évora e, como tinha alguma dispononibilidade horária, estava disposto a ir de comboio, numa espécie de viagem nostálgica. Pois bem, de Lisboa a Évora, as coisas nada mudaram em duas décadas. As duas cidades distam cerca de 140 quilómetros, mas dos quatro comboios, o trajecto mais «rápido» demora 3 horas e 10 minutos, enquanto que o menos «rápido» 4 horas e 9 minutos. Ou seja, no mais «rápido» faz-se 46 km/h e no menos «rápido» 36 km/h. A «culpa» disto não é apenas da travessia do Tejo, mas sobretudo da espera na ligação em Porto Alto ou, em alguns casos, em Casa Branca, em que se «desespera» quase uma hora.

Claro está que, assim, não admira que as pessoas optem pelo veículo privado ou então de camioneta (que, aliás, na minha última viagem a Évora usei). Só a Rodoviária Nacional tem hoje 18 autocarros para Évora e demora 1 hora e 45 minutos. E a um preço 0,5 euros superior!

Conclusão: num país que jamais apostou no transporte ferroviário - e quando o fez, fez mal, desperdiçando recursos para parcos benefícios (vd. remodelação da Linha do Norte) - e que afasta os cidadãos do seu uso, a construção da TGV só se justifica por uma razão: criar emprego a todo o custo e dar dinheiro aos empreiteiros. A factura, essa, será paga pelos contribuintes que, na sua grandessíssima maioria, pouco irão beneficiar desse investimento. Mas que muito beneficiariam (e o ambiente também) com uam eficaz rede ferroviária interna.

11/19/2005

Derivações Ambientais XXXIV

O que será mais grave: a violação do segredo de justiça ou as conversas telefónicas «apanhadas» pela PJ sobre as pressões de políticos do PS e PP para demitirem o Procurador-Geral da República, de modo a abafar o caso Portucale?

Por mim, esta tentativa de «diabolozar» as violações do segredo de justiça não augura nada de bom para uma democracia, se em paralelo os nossos políticos continuarem em atitudes corporativistas e a ingerirem-se nas investigações policiais. Mas receio que ainda surja o dia em que violar o segredo de justiça seja mais penalizado criminalmente do que o próprio crime cujos contornos foram revelados pela comunicação social.

11/16/2005

Farpas Verdes CDXXIX

O Governo fez aquilo que deveria ter, há muitos anos, feito com o Metro do Porto: retirar o poder de decisão aos autarcas. Embora esta seja uma obra essencial para a região do Porto, desde o início que torci o nariz, logo que a empresa Metro do Porto, ainda as obras do metropolitano ainda não se tinham iniciado, estavam já a suportar os custos da ponte do Infante, mesmo sabendo-se que o estudo de impacte ambiente desaconselhava essa nova travessia exactamente por ir competir com os transportes públicos.

Depois, foram os projectos de expansão - como os do Estádio do Dragão ou a linha para Gondomar - que tinham como único fito a especulação imobiliária (ou seja, servir zonas urbanizáveis e não zonas urbanas consolidadas, para propiciar mais-valias urbanísticas). E claro, as derrapagens habituais: 119%. E também a corrida aos «tachos» dos autarcas, sobre os quais escrevi em meados de 2001 no semanário Expresso.
Farpas Verdes CDXXVIII

O tempo fresco e húmido parece ter feito bem ao ministro da Administração Interna e ao presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. No Verão, para eles, tudo tinha corrido bem, com eficácia, no combate aos fogos florestais. Agora, já dizem cobras e lagartos e anteontem o próprio presidente do SNBPC quase disse sobre a organização da sua instituição aquilo que Maomé nem sequer diria sobre o toucinho... E depois ainda querem que os levemos a sério!

11/14/2005

À Margem Ambiental LXXXV

Permitam-me a imodéstia de colocar aqui a recensão feita pelo crítico literário Miguel Real, publicada na última edição do Jornal de Letras, sobre o meu novo romance. É certo que alimenta o ego, mas serve sobretudo para melhor divulgar um projecto que me ocupou muito do meu tempo no último ano. Mas mais do que um elogio, este tipo de críticas acaba por ser uma enorme responsabilidade futura, porque, afinal, é muito fácil escrever... um mau livro.


«Com a publicação do seu segundo romance, O Profeta do Castigo Divino, A venturosa vida de Gabriel Malagrida, o jesuíta que tentou salvar Lisboa do terramoto de 1755, Pedro Almeida Vieira (PAV) estatui-se, no todo actual do romance português, como o mais fiel continuador de Fernando Campos e João Aguiar, o que significa, devido à relativa juventude do autor (n. 1969), que se estatui como a grande revelação do romance histórico português à entrada do século XXI.

PAV mostra-se exímio na narração de ambientes, com um admirável domínio vocabular setecentista, reflectindo uma notória capacidade investigativa, capaz de fazer inveja a não poucos historiadores, sustentando a narrativa num excelente conjunto de fontes coevas, que lhe alimentam a capacidade de efabulação a partir de problematizações histórico-sociais da época. Neste seu segundo romance, PAV apresenta o padre Malagrida como um misto de iluminado, de escolhido de Deus, militante eclesiástico, visionário, profeta do mal, socialmente excêntrico face aos próprios companheiros jesuítas, missionário obstinado, tão fanaticamente crente na missão divina da sua vida que não hesita em usar estratagemas ardilosos (como o das bolas de cera no mar) para exaltação de uma maior santidade pessoal e divina. Acresce um lado milagreiro, que espanta o próprio Diabo, e uam beatice supersticiosa, que atrai o mulherio crédulo de Lisboa e São Luís do Maranhão. Padre Malagrida é assim figurado, na visão ficcional de PAV, como o máximo exemplo da mentalidade evangélica dominante no Portugal de D. João V, em absoluto contraste com a nova mentalidade moderna e europeia elevada a figura de Estado de D. José I (excessivamente caricaturizado no romance, seguindo a tradição positivista oitocentista que identificava D. José com um rei tolo) e Marquês de Pombal, este denominado por Malagrida de Diábolos.

Diferentemente do romance de Luís Rosa, O Profeta do Castigo Divino constitui-se como o romance português que melhor descreve a tensão social entre estes dois «Portugais», finalizando com o auto-de-fé em que padre Malagrida é queimado, em 1761, anunciando a vitória (provisória) do Portugal iluminista.»
Miguel Real, JL nº 916 (9-22 de Novembro de 2005)
Farpas Verdes CDXXVII

«Não temos o hábito de estar a rever decisões dos anteriores governos», disse ao Público, na passada sexta-feira, o secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, sobre a insistência em avançar com a construção da barragem do Sabor, cuja aprovação foi dada no ano passado pelo Governo PSD-PP. E acrescentava mais ainda: «Se fôssemos nós (a aprovar pela primeira vez), não sei qual seria o resultado».

Estas afirmações de Humberto Rosa - «acossado» por um processo aberto pela Comissão Europeia por a área em causa integrar sítios da Rede Natura - são espantosas. E diria mais, não fosse o caso de lhe ter estima. No entanto, «limitado» por isso, gostaria contudo de (lhe) recordar que o projecto Baixo Sabor surgiu exactamente por via de uma revisão da decisão de um anterior Governo em 1995, quando então o novo primeiro-ministro António Guterres - de que Humebrto Rosa era assessor para o Ambiente - ter abandonado o projecto Foz Côa. Mal estaríamos se em política não houvesse revisões de más decisões. Mais grave ainda é Humberto Rosa acrescentar que a decisão poderia ser outra - deduz-se que a não aprovação - se o processo tivesse sido liderado sempre por um Governo socialista. Assentir num erro, em consciência, é mais grave. É a diferença entre negligência e dolo...

Ao longo dos anos ficou patente que o interesse do Baixo Sabor é irrelevante para a economia nacional e mesmo para a produção hidroeléctrica. E sinal disso é que a EDP apenas avançará se tiver garantia de financiamento. A EDP já assumiu que precisa de 50% de comparticipação pública para os 322 milhões de euros que custará a barragem.

Ora, sacrificar uma zona ambientalmente bem preservada - de um dos últimos rios «selvagens» do país - e ainda ter que injectar 161 milhões de euros é um custo demasiado elevado para um projecto que tem pouco interesse até económico - excepção feita para as empresas de construção civil. Mesmo as mais valias com que agora se acenam são menores, ridículas na sua dimensão, como seja a regularização do caudal da já artificial bacia do Douro e a alegada diminuição das emissões de gases de estufa.

Humberto Rosa diz que o Ministério do Ambiente está a fazer uma análise da situação«de modo a produzir uma argumentação convincente» junto da União Europeia. Ou seja, temo o pior: o Ministério do Ambiente a argumentar para justificar um projecto lesivo do ambiente. A última esperança - do ponto de vista ambiental e económico - é que Bruxelas não se deixe enganar com a tal «argumentação convincente».

11/11/2005

À Margem Ambiental LXXXVII

Serve este post apenas para informar que, desde o início desta semana, reactivei a minha recolha selectiva. Por uma acaso - acredito de foi por acaso - reparei que na Rua do Poço dos Negros - a cerca de 100 metros da minha casa - encontra-se um ecoponto, que «roubou» (justamente) dois lugares de estacionamento da EMEL. É provável que ele já por lá estivesse há uns tempos, pois a autarquia certamente não anda a ler o meu blog.

Já agora, aconselho a leitura de um artigo de opinião do jornalista de cultura do Expresso, Francisco Belard, sobre ecopontos...

11/09/2005

Farpas Verdes CDXXVI

Outra boa notícia foi o Ministério da Agricultura ter aplicado multas pelo abate ilegal de mais de mil sobreiros na Quinta da Princesa, no concelho do Seixal, bem como a interdição durante 25 anos de alteração do uso do solo para onde estava previsto um hipermercado Carrefour e um empreendimento com 400 fogos.

A «culpa», obviamente, recaiu sobre as empresas, mas a autarquia do Seixal deveria levar por tabela, pois é a «mentora» do projecto, pois estava interessadíssima nos acessibilidades pagas pelo promotor. e nos «trocos» de mais construção.

Por fim, este caso mostra também os sinais dos tempos. A empresa detentora dos terrenos chama-se Sociedade Agrícola Quinta da Princesa. O caso de empresas alegadamente agrícolas a especularem com fins urbanísticos não é inédito e leva-me a temer (e a tremer) quando surgem em espaços urbanos. ..
Derivações Ambientais XXXIII

Esta sim, uma boa notícia. O regresso às origens do bom rock progressivo, a reunião dos Genesis dos velhos tempos.

11/08/2005

Farpas Verdes CDXXV

Jorge Sampaio insurgiu-se, este fim-de-semana, no Algarve contra os direitos adquiridos e a especualação imobiliária, salientando que «é preciso avaliar em que medida uma decisão tomada há 20 anos sob a pressão urbanística pode ter, hoje, a mesma validade». Sinceramente, começo-me a fartar deste tipo de declarações insossas e sem qualquer efeito prático. Eu sei que um presidente da República pouco pode fazer - a não ser magistratura de influência -, mas também sei como Jorge Sampaio, quando foi presidente da auatrquia de Lisboa, tratou casos de alegados direitos adquiridos: deixou construir, como se pode ver na zona do El Corte Inglés e Sete Rios...

E já agora: por que será que não se vê nada da prometida batalha contra os direitos adquiridos que José Sócrates anunciou quando chegou a ministro do Ambiente em finais de 1999?
À Margem Ambiental LXXXVI

Um caso a seguir na literatura: o último romance de José Saramago - As Intermitências da Morte - foi impresso em papel ecológico Munken Print Extra 15, produzido pela empresa sueca ArticPaper, por acordo do autor, da Editoral Caminho e do Greenpeace. Estive a pesquisar e verifiquei que esta celulose, além de ter as suas indústrias a funcionar de acordo com as normas EMAS e possuir as certificações ISO 14001 (ambiental), 9001 (qualidade) e 18001 (saúde ocupacional), tem alguns dos seus produtos certificados pelo Forest Stewardship Council (FSC), que garante uma gestão sustentável das florestas.

Prometo que irei perguntar à minha editora, Dom Quixote, se este papel é assim tão mais caro do que o papel habitual que se usa (por exemplo, nos meus livros). Mas se outra vantagem não tivesse, este gesto de Saramago veio, pelo menos, alertar-me para uma possibilidade a seguir no mercado livreiro. Até porque as folhas do seu romance nada se distinguem do papel normal...



11/07/2005

Farpas Verdes CDXXIV

O mês de Outubro foi chuvoso, mas o espectro da seca está muito longe de se ter esfumado, apesar da imprensa, por via das informações vindas do Ministério do Ambiente, parecem dizer o contrário.

Já várias vezes aqui alertei para o risco de fazer uma «gestão» das disponibilidades hídricas baseadas na capacidade máxima de armazenamento (como faz o Instituto da Água), não tendo assim em conta o volume morto (que apenas se poderá usar através de bombagem, com custos incomprtáveis). Na minha opinião, torna-se mais prudente, quando o objectivo é a gestão dos recursos hídricos com vista a evitar situações de seca, considerar a capacidade útil máxima (ou seja, o volume que pode ser efectivamente utilizado, que é a capacidade máxima de armazenamento menos o volume morto). Com efeito, numa situação de seca, apenas devemos contar com a água que está acessível, sendo que o volume morto apenas se deveria considerar como uma reserva de emergência, mas com custos económicos bastante significativa em caso de necessidade premente (e mesmo contraproducente/impossível para, por exemplo, produção hidroeléctrica)

Vejam, a este respeito, as diferenças entre a perspectiva de gestão que defendo e a do Instituto da Água para duas grandes albufeiras:

Alqueva (Guadiana)
Capacidade máxima de armazenamento (CMA): 4.150.000 hm3
Volume morto (VM): 1.033.000 hm3
Capacidade útil máxima (CUM = CMA - VM): 3.117.000 hm3
Volume de armazenamento (VA) em Outubro de 2005: 2.754.713 hm3
VA actual (em Outubro de 2005 em relação ao CMA): 66,4% (cf. dados no site do Instituto da Água)
Volume de armazenamento útil (VA - VM): 1.721.713 hm3
VA útil (em Outubro de 2005 em relação à CUM): 55,2% (cf. minha proposta)

Aguieira (Mondego)
Capacidade máxima de armazenamento (CMA): 423.030 hm3
Volume morto (VM): 207.000 hm3
Capacidade útil máxima (CUM = CMA - VM): 216.030 hm3
Volume de armazenamento (VA) em Outubro de 2005: 278.290 hm3
VA actual (em Outubro de 2005 em relação ao CMA): 65,8% (cf. dados no site do Instituto da Água)
Volume de armazenamento útil (VA - VM): 71.290 hm3
VA útil (em Outubro de 2005 em relação à CUM): 33,0% (cf. minha proposta)

Ora, como podem verificar, as diferenças são significativas. E mostra, acima de tudo, que as chuvas de Outubro são bastante insuficientes para pensarmos que estamos livres de uma seca extrema para o próximo ano.

P.S. Eu até faria este exercício para muitas outras barragens se o site do Instituto da Água não fosse tão confuso e moroso de consultar...

11/06/2005

À Margem Ambiental LXXXV

Coloquei no Reportagens Ambientais um artigo publicado no sábado passado na revista Grande Reportagem sobre parques eólicos.

11/02/2005

Farpas Verdes CDXXIII

Desde domingo já foram detectados uma dezena de deslizamentos de terra no vale glaciar do Zêzere. Causa secundária: erosão. Causa principal: fogos florestais deste Verão. Não se poderia ter feito nada, entretanto? Claro que se podia, mas o Governo nada fez para minorar estas previsíveis situações, como técnicas de correcção torrencial (p. ex., pequenas obras de engenharia biofísica). Ficavam, de certeza, mais baratas do que agora os encargos na remediação de estradas. Já sem falar nos riscos de acidentes mais graves, do assoreamento das albufeiras e da degradação da qualidade das águas. Das águas que, por sinal, abastecem a esmagadora maioria dos concelhos da Grande Lisboa e região do Oeste.

11/01/2005

Derivações Ambientais XXXII

250 anos após o terramoto de 1755, deixo aqui dois pequenos trechos de textos sobre a visão da Igreja Católica sobre os terramotos, que nos deveria merecer reflexão quando acusamos agora as outras religiões de fundamentalismo. Um deles é do padre jesuíta Gabriel Malagrida no seu Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto (já agora, ao contrário daquilo que já ouvi na comunicação social, este opúsculo foi aprovado pela censura eclesiática da época, quando foi publicado em 1756, e só mais tarde, por razões políticas, viria a ser proibido e mesmo queimado em praça pública, em 1772). Reza assim:

«(...)porém como ha de entrar neste cuidados, e empenho o povo mais duro, e rude nos seus vicios, e ouvirem os que dizem, asseguraõ, que estas calamidades saõ puros effeitos das causas naturaes, e não vinganças de hum Deos indignado, e ferido no mais vivo da sua honra, pela obstinada perfidia dos peccadores? Pareceme, que o mesmo demonio não podia excogitar doutrina mais conducente á nossa irreparavel ruina, do que ensinar esta naturalidade tão innatural, assignando serem pelos symptomas das causas segundas, e naturaes, estes flagellos, que experimentámos, ficando nós com estes sistemas mais impedernidos nas injurias, e desprezos da causa primeira; preservando nós como dantes no nosso practico atheismo. (...)»

O segundo trecho está no poema épico Lisboa Destruída, publicado em 1803 pelo padre oratoriano Teodoro de Almeida. Nas notas surge a seguinte passagem:

«(...) ficando Lisboa destruída, Deos conseguio dois grandes fins, que intentara, hum de se fazer temido, e respeitado dos prevaricadores daquele tempo, outro de prevenir com este aviso os Atheos, Deistas, e Materialistas Portugueses, que o Senhor pela sua presciencia divina sabia, que poucos annos depois, corrompidas das ímpias doutrinas das nações estrangeiras, se rebellariaõ contra a Religiaõ; para que se lembrassenm que Elle sabe soffrer, porque he eterno, e tambem zombar dos seus zombadoresm porque he honrado e Santo. (...)»