9/30/2006

Digam-me, por favor, que isto é uma montagem

Vi esta fotografia no Cântaro Zangado, tirada na Serra da Estrela, e tremi: parece que estamos numa espécie de Quarteira à moda da montanha.

Arranjem-me uma notícia para este título

Que haja milhares de sites que incitam ao suicídio, sabemos bem; que haja milhares de sites que incitam à pedofilia, idem; que haja milhares de sites que incitam ao terrorismo, idem; que haja milhares de sites que «incitam» à vida, sabemos que também há; que haja milhares de sites que «incitam» ao amor, idem; que haja milhares de sites que «incitam» à protecção das criaças, idem. Ou seja, há milhares de sites que incitam a tudo e a nada.

No entanto, esta notícia do DN anda às voltas com a relação entre os supostos ensinamentos na Internet e um alegado aumento da taxa de suicídios em Portugal que terá, supostamente, duplicado em relação aos anos 90. Isto mesmo se os valores apresentados, na própria notícia, para os anos de 2002 e 2003 mostrem até uma ligeira diminução (passou de 1200 para 1100, ou seja, uma descida de quase menos 9% entre estes dois anos).

Mas o mais engraçado é que a maior parte da notícia do DN é gasta com esta (tentativa de) tese da relação causa-efeito Internet-suicídio - dando até exemplos de bloggers suicidas -, e depois quase no final os dois jornalistas escrevem o seguinte: «Os especialistas vão dizendo que não se podem tirar grandes conclusões dos números e do facto de a taxa ter duplicado na era da Internet. Querem esperar pelos dados de 2004 e 2005 'para apurar se, do ponto de vista epidemiológico e sociológico, estamos numa fase de crescendo'». Mas, pergunta o leitor, afinal que acrescenta a notícia ao título? Afinal, tudo espremido, descontando as especulações sem sentido, a notícia poderia ser apenas o título - «Milhares de sites da Net incitam ao suicídio» - e não valia a pena escrever mais nada, porque é pura especulação bacoca (tipo discutir sexo dos anjos) encontrar, nas actuais circunstâncias, qualquer relação causa-efeito entre sites sobre suicídios na Internet e suicídios (ou tentativas de) consumados.

Enfim, esta notícia do DN faz-me, aliás, lembrar a anedota que correlaciona a prostituição com a Igreja: de facto, se se for a ver, há mais prostitutas nos locais onde há mais padres... Ou então a rábula do Herman José, de há muitos anos: «Arranjem-me uma notícia para este título!», clamava então um chefe de redacção.

Nota: Além disso, acrescento eu, é importante que se tenha em consideração que as estatísticas em relação aos suicídios devem sempre ser vistas com alguma precaução, sobretudo em relação ao passado. De facto, até aos anos 90 - e até ainda hoje, em certa medida -, o suicídio era um acto «escondido» como causa de morte por razões de «decoro» familiar e, sobretudo em regiões rurais, por razões religiosas. Ora, como uma parte considerável dos óbitos não implicam a realização de autópsia - e recordo-me que há cerca de cinco anos, pegando em dados oficiais, as causas desconhecidas para a morte rondavam mais de 30% -, qualquer análise rigorosa e, em especial, comparativa é enganadora. Por outro lado, nestas coisas, os estudos não são assim tão simples, mesmo que os anos de 2004 e 2005 apresentassem um aumento de suicídios seria uma estupidez apontar o dedo à Internet. Até porque, na verdade, uma significativa parte dos suicidas eram idosos... que nunca souberam o que era a Internet...

9/29/2006

Novidades

De modo a permitir um melhor acompanhamento dos meus leitores habituais ou fortuitos, coloquei aqui ao lado a possibilidade de aviso automático, por e-mail, sempre que for publicado um novo post. Para isso, basta introduzir o e-mail correspondente; o FeedBurner faz depois o trabalho sozinho.

Nota: Entretanto, ontem ultrapassaram-se, pela primeira vez desde a criação do Estrago da Nação em Janeiro de 2004, as 300 visitas num só dia. E o mês de Setembro será também o recorde mensal, devendo superar as 5.500 visitas. Obrigado a todos pelo estímulo em continuar.
Despachar ou despachá-lo?, eis a questão...

João Menezes, presidente do Instituto de Conservação da Natureza - entidade que agrega as áreas conhecidas por mais arderem neste país queimado - está em afanosa operação de reestruturação da entidade que presidente há um par de anos (vd. aqui). Confesso que não me recordo de qualquer rasgo dele e apenas surge de quando em vez a falar na necessidade de reestruturar não sei bem para quê e por quê?

Em suma, é um burocrata. E como se sabe, um burocrata é um homem atarefado, não pode perder tempo com tantos subordinados, mesmo que sejam directores de áreas protegidas. Daí que defenda que «tem de haver um nível intermédio entre a presidência e os directores das áreas protegidas», dado que lhe «não é eficaz despachar com 25 directores espalhados por todo o país».

Não seria uma boa ideia despachá-lo?

Nota: Para quem não saiba, a destruição causada pelos fogos deste ano nas áreas protegidas foi, em termos percentuais, o dobro da que se registou nas áreas não protegidas...

9/28/2006

Este relatório deveria ser censurado, carago

O Governo, que «está de parabéns» por causa da época dos fogos, agradece que não leiam este relatório do Instituto de Meteorologia, pois ele diz ou mostra, entre outras coisas, que:

a) choveu bastante neste Verão (meses de Junho a Agosto): mais 20% do que a média do período 1961-90 - e, acrescento eu, quase o dobro (+95%) do que a média registada nos últimos cinco anos e quatro vezes mais do que no Verão do ano passado.

b) tanta pluviosidade (e intensidade) num Verão como o de 2006 somente tem uma probabilidade de ocorrência de uma vez em cada cinco anos;

c) apesar de o Verão de 2006 ter registado temperaturas superiores à média de 1961-90, foi afinal mais «fresco» do que os Verões de 2003, 2004 e 2005 (em que ardeu quase um milhão de hectares);

d) afinal, nenhuma região do país teve este Verão mais do que três ondas de calor (o Governo e o SNBPC insistiram que houve cinco) e nenhuma região teve mais do que uma por mês.

e) duas das regiões (Braga e Penhas Douradas) que bateram o recorde de número de dias sob efeito de ondas de calor tiveram, afinal, temperaturas muito mais baixas do que, por exemplo, outras regiões (mais do centro e sul do país) que tiveram muito menos dias com ondas de calor.
Um faz, outro vê - ou como Espanha é diferente de Portugal

Julgo que o rei espanhol Juan Carlos não foi à Galiza, mas o presidente da República português, Cavaco Silva, foi ao Parque Nacional da Peneda-Gêres. Ou seja, o espanhol não se deu ao incómodo de se deslocar às zonas afectadas por incêndios, o português foi em peregrinação às zonas dizimadas.

Porém, o espanhol assinou no dia 28 de Agosto este decreto-real para apoio financeiro à Galiza, enquanto o português não mexeu uma palha para que os pastores do PNPG tenham sequer dinheiro para comprar palha para o gado, preferindo fazer um discurso delicodoce. Diferenças ibéricas, portanto...

Nota: A propósito, o decreto-real espanhol para a Galiza estipula apoios - bastante vastos e estabelecendo montantes precisos, que foram logo «escalpelizados» por ser seis diplomas do Governo da Galiza (ver aqui) - em qualquer uma das seguintes circunstâncias:
  • áreas afectadas superiores a 5.000 hectares
  • áreas afectadas superiores a 1.000 hectares, desde que mais de 70% da área fosse constituída por floresta
  • áreas afectadas superiores a 500 hectares que estejam em Rede Natura, desde que os munícipios tenham mais de 50% do seu território integrados nestas áreas protegidas com estatuto europeu.
Será que em Portugal, neste ano em que «o Governo está de parabéns» não há zonas afectadas que cumpram aqueles requisitos? Claro que sim! Olhando para o relatório da DGRF, identifica-se logo oitos zonas em que se cumpre um dos dois primeiros critérios. E o Governo que «está de parabéns» vai dar algum apoio? Claro que não!

9/27/2006

A Bíblia, expressamente para si

São mesmo insondáveis, os desígnios do Senhor...
Aprende-se História lendo romances históricos? - tertúlia na Casa Pessoa

Como a minha vida não é só fogos, ambiente e «chatear» o João Morgado Fernandes, aviso que na próxima quinta-feira, dia 28 pelas 21h30, vou participar na tertúlia Livros em Desassossego, organizado pela Casa Pessoa (Rua Coelho da Rocha, 16, no bairro lisboeta de Campo de Ourique), que terá por tema Aprende-se História lendo romances históricos?.

Além da minha presença (honrosa, por se dever ao facto de ter escrito dois romances históricos), estarão Miguel Real (escritor e crítico literário), Rui Tavares (historiador e ensaísta) e Mega Ferreira (escritor e presidente do CCB; e que, diz a organização, não gosta de romances históricos), bem como Zeferino Coelho, editor da Caminho. O debate será moderado pelo jornalista da TSF, Carlos Vaz Marques (mais informações aqui).

P.S. Aliás, por razões que já aqui falei e por outras (de que não vale a pena referir), os meus próximos meses serão dedicados a descansar do jornalismo e a dedicar-me à escrita de um novo romance; desta vez uma viagem aos primórdios da Inquisição portuguesa, com passagens pela espanhola...
A habituação da catástrofe

«Melhorias no combate poderão ajudar a explicar o facto de se ter estado, este ano, longe da dimensão dos grandes incêndios dos últimos três anos, que chegaram a antigir os 30 mil hectares. Este ano, o maior registado - a 8 de Agosto, em Arcos de Valdevez - ficou-se nos 5.690» - esta estas frases da notícia do JN de ontem revelam bem como já nos habituámos à catástrofe.

O «ficou-se nos 5.690» hectares transmite, subrepticiamente, que esta área é perfeitamente aceitável e que, por isso, estamos no bom caminho. Contudo, para que se saiba, 5.690 hectares é uma área superior à cidade do Porto (que tem 4.166 hectares) e um fogo desta dimensão a ocorrer nos anos 90 teria sido o sexto mais destrutivo da década.
JMF insiste e volta a insistir

Pode já ser fixação minha, mas João Morgado Fernandes, aqui no French Kissin', denota mais uma vez, na minha opinião, uma doentia desonestidade intelectual (e nem quero ir à questão jornalística). Vejam como ele sintetiza os aspectos mais importantes do artigo de ontem no Jornal de Notícias: no seu post, ele releva APENAS - e repito, APENAS - uma pequena parte das opiniões de três investigadores contactados pelo JN que se referem aos alegados «sinais de melhorias de organização, traduzidas em factores como melhor articulação entre entidades, gestão racionalizada de recursos e utilização de técnicas como o contra-fogo», bem como ao «efeito dissuasor de uma maior presença de efectivos da GNR no terreno e de acções massivas de sensibilização».

Contudo, na verdade, o artigo diz muito, mas muitíssimo mais. Os aspectos mais importantes - que constituem o fundamental da notícia do JN, olimpicamente ignorados por JMF, são os seguintes (cf. se pode confirmar lendo o original:

1 - Xavier Viegas, investigador da Universidade de Coimbra, acentua (...) que tem havido «uma tendência de reduzir áreas nos sucessivos relatórios» da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, salientando ser «pertinente a dúvida» sobre os números reais.

2 - A ajuda da meteorologia é considerada essencial por Xavier Viegas, que destaca o facto de ter havido vários períodos de precipitação, «extremamente importantes para a redução do risco».

3 - Hermínio Botelho, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Minho diz que «não tivemos ventos de Leste tão frequentes e fortes como em anos anteriores e eu diria que isso pode ter sido decisivo».

4 - Cardoso Pereira, do Instituto Superior de Agronomia, diz ainda que «não devemos esquecer, embora não me admire que os políticos tentem ignorar, que nos últimos cinco anos arderam um milhão e 100 mil hectares de floresta» e que essas áreas «além de não arderem, funcionam como barreiras".

(entre aspas estão as citações dos investigadores)

Só a seguir é que a jornalista do JN escreve - sem usar citações - que os três investigadores concordam que «parece haver sinais de melhorias (...)» - ou seja, o «parece haver» é uma formulação que mostra a necessidade de se fazer uma avaliação mais rigorosa e que, portantos, os investigadores não põem, para já, as mãos no fogo. Até porque, sobre estas matérias, eles são bastante prudentes em relação ao futuro.

Mas essas coisas são para o João Morgado Fernandes pouco relevantes: ele ignora tudo o que é taxativo e destaca apenas o que são percepções. E ignora também os «momentos muito pontuais em que se notou que a máquina não está bem oleada», como destacou Hermínio Botelho - e que foi particularmente visível em incêndios no Minho (que teve o segundo pior ano de sempre).

Nota: João Morgado Fernandes ainda tem a desfaçatez de terminar o seu post referindo que «os media, quando investigam a sério, chegam geralmente a conclusões que contradizem a lenga-lenga de que está tudo na mesma, é sempre a mesma desgraça, bla-bla-bla...». O problema é que os media - e mais concretamente o DN - pouco investigam; e no caso específico dos fogos deste Verão o DN nunca esteve muito interessado em investigar...

9/26/2006

E eu que queria ter razão sozinho...

Ora bolas!, afinal parece que já não estou sozinho! Os professores Cardoso Pereira (Instituto Superior de Agronomia), Xavier Viegas (Universidade de Coimbra) e Hermínio Botelho (Universidade de Trás-os-Montes) também acham (ver aqui no Jornal de Notícias) que o São Pedro e as áreas queimadas nos anos anteriores (que criaram áreas de «pousio» e «tampão» para a progressão dos incêndios) devem merecer uma quota-parte dos parabéns pelo sucesso deste ano no combate às chamas do ministro António Costa & Ca.

Só falta o Instituto de Meteorologia vir dizer que este foi o Verão mais chuvoso da última década para estragar o ramalhete do Governo. E, já agora, a Direcção-Geral dos Recursos Florestais ganhar um bocadinho de independência e apresentar os valores reais, daquilo que efectivamente já ardeu este ano.

9/25/2006

Os gigantescos incêndios não existem em Portugal, claro, claro!

Para quem há três anos afirmava aqui: «nada percebo de política florestal, muito menos de combate a fogos», convenhamos que o João Morgado Fernandes (JMF), no French Kissin' (e também no DN, como se viu recentemente) farta-se agora de falar de incêndios. Hoje, muito a propósito e em tom jocoso, refere aqui os «incêndios gigantescos na Austrália e Estados Unidos» que viu na televisão. De facto, estamos sem dúvida perante «incêndios gigantescos», mas apenas lamento que a visão do JMF seja selectiva: quem o leu ficou sempre com a sensação de que em Portugal não tivemos, este ano, «incêndios gigantescos». Só há no estrangeiro, não aqui onde «o Governo está de parabéns».

Porém, vamos ver melhor os «incêndios ginantescos», por exemplo, na Califórnia, o Estado norte-americano mais afectado, tanto mais que o clima é mediterrânico. Ora, será que os tais «incêndios gigantescos» são ou não mais «gigantescos» do que os de Portugal neste ano em que «o Governo está de parabéns». Pois bem, olhando para os dados da Califórnia constantes na página do Incident Information System dos Estados Unidos (que tem a grande virtude de possuir uma actualização detalhada, com a área que já ardeu, mesmo quando os incêndios ainda se encontram activos - portanto, com um rigor de informação que está a milhas do pobre site do nosso SNBPC), verifica-se que desde o início do ano arderam neste Estado (incluindo os «incêndios gigantescos» de hoje) qualquer coisa como 141 mil hectares (o valor surge em acres, pelo que fiz a conversão). Ou seja, de facto, ardeu mais do que em Portugal este ano! Mas muito menos do que em 2003 ou 2005; e muito semelhantes a outros anos da última década.

Mas 141 mil hectares na Califórnia (que é 4,5 vezes o tamanho de Portugal) representa quanto em termos territoriais? Resposta: 0,3% (o que é, de qualquer modo, uma taxa bastante preocupante para um só ano). E em Portugal, quanto representam os 70 mil hectares (dados provisórios) ardidos neste ano em que «o Governo está de parabéns»? Resposta: 0,8%!

Moral da história 1: segundo JMF, Portugal não teve «incêndios gigantescos», mas vai-se a ver e ardeu proporcionalmente muito mais território lusitano (acima do dobro) do que num Estado norte-americano onde, segundo ele (e muito bem), existiram «incêndios gigantescos».

Moral da história 2: pode ser que JMF tenha aprendido, nos últimos anos, muita coisa sobre política florestal e combate aos fogos, mas se lhe fizessemos um exame, chumbava.

Nota 1: Suponho que não vale a pena argumentar que as condições meteorológicas que atingiram a Califórnia não se comparam às que apanhamos este ano. Os californianos tiveram ventos secos com 40 milhas por hora (cerca de 64 km/h) e raramente os ventos em Portugal ultrapassam, durante o Verão, os 30 km/h quando são de leste (os mais secos).

Nota 2: Curiosamente, JMF critica também hoje, num post, a «associação dos espectadores de televisão que todos os meses manda bitaites». Pela boca morre o peixe, lá diz o adágio.

9/24/2006

Sai uma cacha pró Expresso

Afinal, a divulgação do relatório dos fogos da DGRF ao fim-de-semana (coisa inédita, na Função Pública) não teve apenas como objectivo «secar» e «condicionar» a visita do Presidente da República ao Gerês, numa região (Minho: Viana do Castelo e Braga) onde este ano foi segundo pior de sempre. Foi também para permitir que o Expresso tivesse uma cacha e fizesse uma análise abonatória da época dos incêndios. A assessoria de imprensa do Governo - admito - tem feito um excelente trabalho de «informação».

Entretanto, esta sim é uma boa, excelente notícia - provavelmente a melhor: as brigadas helitransportadas da GNR de primeira intervenção (profissionalizadas e bem treinadas, portanto) vão duplicar no próximo ano, abrangendo praticamente todo o país (no entanto, julgo ser um erro não incluir o Alentejo). As corporações de bombeiros voluntários é que não vão gostar muito da ideia. Azar, o deles; sorte, a nossa...
A solução para a crise

Portugal vai receber 6,2 milhões de euros de indemnização pelo roubo de jóias que emprestou para uma exposição na Holanda (vd aqui). A ministra da Cultura diz que esse valor reverterá, num primeiro momento, para os cofres do Estado, «sendo natural que o Ministério da Cultura o receba numa fase posterior». Mesmo que assim seja (e daqui a uns tempos, convirá confirmar), julgo que o Governo deveria insistir em emprestar, por exemplo, o espólio completo do Museu de Arte Antiga para todas as exposições internacionais. Com sorte, seria roubado. E sairíamos da crise, à conta das indemnizações...
Acredita quem quer...

E se alguém dissesse que este ano está a ser o segundo mais devastador da última década (1997-2006) nos distritos de Braga e Évora, o terceiro mais devastador nos distritos de Viana do Castelo e Leiria e o quarto mais devastador no distrito de Setúbal, vocês acreditavam?

Pois, eu também não acreditaria se apenas ouvisse as teses do Governo ou lesse somente certos comentadores que não gostam de números...

Nota: E isto tendo em conta os dados (incompletos) da DGRF que apontam um valor de 70 mil hectares para todo o país, que como aqui apontei deverá significar, na realidade, entre 80 mil e 85 mil hectares.

9/23/2006

Um dia de Sol

Hoje comprei pela primeira vez o Sol, o de papel. Pareceu-me como uma madrugada que se anuncia risonha: as primeiras 10 páginas até se lêem-se com interesse. Mas em seguida, começam-se a formar nuvens negras, com uma série de notícias sem qualquer rasgo. E depois ainda o dia fica ainda mais cinzento, com uma confusa repartição temática das notícias. Quando chegamos à revista Tabu, já nem nos importamos que a noite chegue depressa. Acho, sinceramente, que o Expresso - mesmo em fase de lua nova - pode dormir descansado.
Fiem-se na Virgem e depois queixem-se...

Alguns dos senhores que dão as suas sentenças aqui, já andam na política há muitos e longos anos, pelo que já deveriam ter aprendido que não convém festejar nestas coisas. Mas decidiram «decretar» que este ano foi extraordinário por terem ardido menos de 100 mil hectares. E que os incêndios acabaram. O presidente da República até já «vaticinou que será possível antecipar a previsão para 2018 de apenas 25 mil hectares anuais queimados», conforme noticia o Público.

Se acham que eles têm razão, vão ler então os jornais do Verão de 1996 e 1997 - os dois anos em que ardeu muito menos do que agora , e que sucederam a um (1995) que ardeu 170 mil hectares - ou os do Verão de 1999, em que ardeu 70 mil, quando no ano anterior tinha ardido mais de 230 mil hectares (nesse ano de 1998, o então Governo socialista manipulou tanto os números que oficialmente não se ultrapassou os 160 mil; convém referir que agora já não se consegue manipular com tamanha ordem de grandeza, mas que se manipula, ai isso sim). Repararão que as declarações de então são semelhantes: elogiava-se os novos métodos de prevenção e combate a incêndios e gitava-se hossanas à eficácia de todo o sistema. Os fogos tinham sido condenados à extinção. Depois, viu-se...
A miragem do Dia Europeu Sem Carros

Ontem foi o Dia Europeu sem Carros e , confesso que no final da tarde, andei de carro: de Entrecampos até à Portela e daí até à zona do Bairro Alto.

Mas durante a tarde fiz um percurso politicamente correcto: de metro do Chiado até Alto dos Moinhos - para comprar bilhetes para os jogos do Glorioso (que ontem à noite perdeu, mais uma vez, a glória), depois fui a pé até à biblioteca da Universidade Católica (ufa ufa) e, em seguida, de novo a pé até à zona de Entrecampos. E tanto andei que nem reparei que era Dia Europeu sem Carros. Carros foi o que mais vi nestes trajectos pedonais. Para o ano há mais palhaçada.
Novo balanço, mesmos problemas

Muito oportunamente, a Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) divulgou o seu relatório dos fogos no mesmo dia em que o presidente da República visita o Parque Nacional da Peneda-Gerês. O relatório, é certo, já deveria ter saído há alguns dias, mas esta divulgação num fim-de-seman (ah, rica Função Pública) não é um acaso.

Como seria de esperar, mais uma vez o relatório da DGRF prima por insistir que este Verão foi de alto risco para os incêndios. Diz, a páginas tantas, que «o índice de severidade meteorológico apresentou até 15 de Setembro valores (...) muito coincidentes com os valores de 2003» (ano em que ardeu 425 mil hectares. Das duas uma, ou a DGRF anda por cima das nuvens ou não viu chover este Verão em Portugal, como há muito não acontecia. Mas enfim, este índice de severidade meteorológica está assumidamente desadequado ou está a ser manipulável. Aliás, já não sou a única pessoa a defender que as estatísticas dos incêndios deveriam ser tratadas por uma entidade independente e com maior rigor e profundidade de análise.

Tanto mais que se continua a fazer uma subestimação da área ardida, para inglês ver e comunicação social comer. É certo que o valor agora apontado pela DGRF já é, ao contrário dos anteriores relatórios, ligeiramente superior aos valores apontados pelo satélite Modis (70 mil contra 68 mil), mas continua a pecar por defeito. E continuam «esquecidos» alguns incêndios. Por exemplo, se repararem os valores da área ardida no Parque Natural do Vale do Guadiana, apontados pelo ICN, são sensivelmente duas vezes superiores ao que a DGRF regista para a distrito de Beja...

Ora, por que digo que pecam por defeito? Porque fazendo uma estimativa, usando dois métodos distintos, eu considero que a área efectivamente ardida atingirá, pelo menos, valores entre 80 mil e 85 mil hectares. A primeira estimativa tem em conta o «erro» do satélite Modis (por apenas medir área ardidas superiores a 50 hectares). Deste modo, como o erro por defeito se aproxima dos 20% em relação ao valor real, então teremos uma área ardida total de quase 82 mil hectares. A segunda estimativa tem em conta as áreas ardidas por fogos que consomem menos de 100 hectares, que não estão discriminadas ainda no relatório da DGRF. Pegando no histórico dos anos anteriores, os fogos entre 10 e 100 hectares rondam uma área total de 20 mil hectares (esse valor tem pouquíssimas variações interanuais); os fogos com área entre um e 10 hectares rondam uma área média total 14 mil hectares, raramente sendo inferior a 10 mil hectares; e os fogos com menos de um hectare (os fogachos) queimam uma área total de cerca de 2 mil hectares. Ora, como os fogos com mais de 100 hectares, de acordo com a DGRF, queimaram 50,5 mil hectares, significa então que lhe se somarmos os fogos com menos de 100 hectares (cerca de 35 mil hectares) teremos uma área total que rondará os 85 mil hectares. Contas feitas, isto mostra que este é «apenas» o terceiro ano menos devastador da última década e o sexto menos lesivo desde 1990.

Claro que este ano será, em todo o caso, o melhor dos últimos cinco anos e o primeiro da presente dácada que ficará abaixo da «psicológica» fasquia de 100 mil hectares, o que acabará por ser o aspecto que o Governo realçará e a comunicação social «adoptará». Mas, cabe aqui a pergunta sacramental? Este é um bom resultado? Eu continuo a defender que é um péssimo resultado, dadas as circunstâncias de termos tido um Verão anormalmente húmido (que tem uma frequência baixa de ocorrência) e o passado recente de desvastação, que deixou em «pousio» as zonas de maior risco. Em suma, este ano «beneficia» da destruição sentida no último triénio (900 mil hectares ardidos que, este ano, não poderiam arder e funcionaram como «tampão» para a progressão dos incêndios).

Em post anteriores já fiz referências sobre alguns indicadores que mostram que este ano não apresenta grandes melhorias no combate estendido e aponta mesmo situações muito graves em algumas regiões.

Aquilo que distingue este ano dos outros (retiro os de 2003 e de 2005, porque jamais podem ser referência para se apontar uma melhoria sustentável) acaba por ser a quase inexistência de «incêndios-vulcano» (mais de 5.000 hectares), pois apenas houve um (o que atingiu o Parque Nacional da Peneda-Gerês). Mas esta situação não pode ser vista como resultado de uma melhoria consistente no combate, pois continuámos a ter demasidados fogos com mais de 100 hectares. Este ano foram já contabilizados 112 (0,5% do total), um valor que é sensivelmente o dobro daquilo que eu aponto como desejável (máximo de 0,25%). Também os fogos com mais de 500 hectares foram muito elevados: até agora estão contabilizados 21, sendo que o desejável era ter não mais de cinco (ou seja, um valor proporcionalmente equivalente a Espanha).

Em suma, na minha opinião, a principal razão para que um número tão elevado de fogos que ultrapassaram os 100 hectares não se tenham transformado em incêndios devastadores (que destruíam em outros anos, e para alguns casos, mais de 10 mil hectares) radica sobretudo na «rarefacção» de zonas contínuas que possam agora «aguentar» tamanha destruição.

Mas para o ano há mais. E se as «coisas» voltarem a esturricar, não fiquem surpreendidos, nem se queixem do tempo quente e seco e de não sei mais o quê.

9/21/2006

A involução dos relatórios da DGRF

Até ao ano de 2004, inclusive, a Direcção-Geral dos Recursos Florestais costumava divulgar um relatório semanal durante o Verão com o balanço dos incêndios. Por vezes, começava mais cedo do que noutros, mas quando o primeiro era feito seguiam-se, «religiosamente», com uma periodicidade semanal. Daí que em 2002 e 2003 tenhamos tido 13 relatórios; e em 2004 - porque a «época» se iniciou mais cedo - até houve 16 relatórios.

Chegado o actual Governo, tudo mudou. Os relatórios passaram a quinzenais. Por isso, no ano passado (2005) já só houve 11 relatórios.

Este ano, ainda se piorou. Já não há periodicidade alguma; faz-se quando se apetece e dá jeito. De facto, se o primeiro relatório saiu no dia 2 de Junho significaria que, numa periodicidade semanal, amanhã deveria sair o 17º relatório. Numa periodicidade quinzenal, então teríamos amanhão o 9º relatório.

Mas, contudo, até agora só saíram 7 relatórios, o último dos quais no dia 5 de Setembro. Isto seria um pequeno pormenor se este incompreensível aumento da periodicidade correspondesse um maior rigor na informação. Mas assim não acontece. Como já referi, o relatório de 5 de Setembro acaba por confessar que os fogos da primeira quinzena tinham sido hiper-inflacionados. E nesse relatório continuavam também a atribuir-se uma área queimada nos levantamentos da DGRF inferior aos levantamentos do satélite Modis. Ora, neste último método, a avaliação é mais rápida, mas peca sempre por defeito, porque apenas mede as áreas queimadas superiores a 50 hectares. Por norma, os incêndios só até aos 10 hectares correspondem a cerca de 15 mil hectares ardidos por ano.

Ou seja, não é admissível que o levantamento da DGRF possa apontar uma área inferior à do Modis. Por isso, se amanhã - ou quando lhes calhar -, a DGRF apresentar um valor inferior ao valor apontado pelo satélite Modis, não acreditem. Façam sim o favor de acrescentar mais uns 15 mil hectares ao valor Modis para terem uma ideia mais precisa daquilo que verdadeiramente ardeu este ano.

E já agora reparem se já constam pelo menos três incêndios importantes em Julho que estranhamente nunca apareceram na lista dos últimos relatórios, quer de Agosto quer de Setembro: um em Vale de Cambra, outro em Serpa (que queimou 700 hectares do Parque Natural do Vale do Guadiana) e outro ainda em Castro Verde.
Coesão rima com estupidez?
Alguém se recorda de uma medida estrutural efectiva deste Governo (ou mesmo dos anteriores) que tenha invertido as assimentrias regionais, a desertificação do interior, a morte do mundo rural e das aldeias? Eu, que devo andar esquecido (ou então com a memória selecta), apenas me recordo do fecho de escolas, de maternidades e as intenções de encurtar os tempos de abertura dos centros de saúde no interior. Recordo-me também que é no interior do país que se verificam os maiores atrasos no saneamento básico e se bebe a pior água canalizada do país. E recordo-me também que é o interior do país que mais fustigado tem sido pelos incêndios dos últimos anos, sem que haja qualquer alternativa económica, tanto mais que a agricultura em muitos casos «já foi».
Porém, o secretário de Estado-adjunto da Administração Local, Eduardo Cabrita, diz que o Governo anda a fazer «justiça e coesão territorial». E como? Mandando fechar mais de 1400 escolas do 1º ciclo em todo o país - mas sobretudo no interior - e prometendo gastar entre cinco e seis milhões de euros por ano para andar a transportar crianças das aldeias para as sedes de concelho. É de génio, de facto...

9/19/2006

O jornalista é um cidadão menor? (com acrescento)

Um jornalista terá menos direitos civis que um cidadão? Para o director do Diário de Notícias (DN), sim. Eu acho que não. Foi para «desempatar» que hoje enviei um recurso à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) relativamente à recusa do DN em publicar o meu direito de resposta. Ou seja, pedindo que esta entidade decida se o DN tem ou não a obrigação de publicar o meu direito de resposta. A deliberação da ERC é vinculativa. Darei depois novidades. Até lá, em princípio, a abordagem deste caso fica em «stand-by».

NOTA IMPORTANTE - Por ter recebido, há pouco, um mail de João Morgado Fernandes, tenho obrigação de clarificar um aspecto importante, embora não essencial: quando ontem escrevi que propus ao director-adunto do Diário de Notícias «a publicação de um esclarecimento da minha autoria, mas devendo ser dado o mesmo destaque ao direito de resposta do Instituto da Água» e acrescentei, mais à frente, que «o João Morgado Fernandes (director-adjunto do DN) não aceitou estas duas premissas e o Diário de Notícias nada publicou», não significa que o DN tenha recusado as duas premissas. Recusou «apenas» uma: o esclarecimento não ter o mesmo destaque do direito de resposta do Instituto da Água. Para mim, quando existem duas premissas e essas duas não são aceites, significa que não houve aceitação.

A questão do destaque semelhante ao do direito de resposta do Instituto da Água pode ser vista como uma condição caprichosa. Não é assim. Publicar envergonhadamente um esclarecimento corria o elevadíssimo risco de ser menos lido do que o texto do presidente do Instituto da Água. Aliás, isto nem deveria ser uma «exigência» minha, mas um interesse do Diário de Notícias. Afinal, julgo que o interesse esclarecer os leitores com destaque (e eu até cheguei a propor que a chamada de primeira página fosse feita sob a forma de pequena nota) era duplo: defender a minha credibilidade e a do próprio jornal. A menos que o jornal esteja convencido da falsidade dos meus artigos. Mas se assim é, já deveria ter pedido desculpas aos leitores...

Convém, já agora, aqui referir outro aspecto omitido no meu post anterior, mas neste caso que também não abona a favor da postura do Diário de Notícias. Quando o direito de resposta do Instituto da Água foi publicado, sem que previamente eu tenha sido avisado, telefonei logo nessa manhã para o DN, deixando mensagem urgente para que me contactassem. Não me ligaram nesse dia, nem no dia seguinte. E somente ao terceiro dia, com novo telefonema meu, lá consegui falar com o João Morgado Fernandes. O resto já se sabe.
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9/18/2006

O pântano em folhas de papel

Na vida cometem-se erros. Por vezes, mesmo quando não se quer admitir, arrependemo-nos. E eu aqui estou a arrepender-me de vários «erros» cometidos em curto espaço de tempo. O primeiro «erro»: ter olhado no dia 30 de Setembro passado para o boletim hidrológico semanal do Ministério do Ambiente de Espanha e ter reparado que o caudal do Guadiana em Badajoz estava a zero. E, não satisfeito com este meu «erro», ainda fui olhar para as afluências à albufeira de Alqueva, constante no site do Instituto da Água, e ter reparado em muitos dias sem chegada de água.

Mas, pior ainda, nesta sucessão de «erros», o maior foi propor à Direcção do Diário de Notícias a publicação de um artigo, baseando-me em dados documentais e nos meus conhecimentos técnicos em hidráulica e hidrologia. Não imaginava em que «pântano» me ia meter.

De facto, a notícia até foi publicada (vd. aqui) e com manchete. Mas mereceu logo um direito de resposta do Instituto da Água no dia seguinte. Nova notícia publiquei no dia 1 de Agosto (vd aqui), mas o Instituto da Água já nem quis saber das minhas perguntas, que sem resposta ficaram. Nem o Diário de Notícias quis saber da minha credibilidade e rigor.

Dois dias depois veio o «resultado»: em 3 de Setembro, a Direcção do Diário de Notícias, sem me avisar, autoriza a publicação de um novo - e mais extenso - direito de resposta do presidente do Instituto da Água, que teve assim a liberdade de escrever, entre outras coisas, que o conteúdo das minhas notícias era «incorrecto, destituído de qualquert fundamento e por isso totalmente falso» e de conter «um conjunto de aspectos que enfermam de incorrecções de índole técnica». Além disso, deturpava o sentido de várias frases dos meus artigo e nem sequer referia, obviamente, que se recusara a responder às questões que lhe tinham sido colocadas para a elaboração das notícias.

Ainda admiti que a publicação daquele direito de resposta do Instituto da Água se poderia atribuir a um lapso da Direcção do Diário de Notícias. E que poderia ser corrigido. Por isso, propus ao director-adjunto do DN, João Morgado Fernandes, a publicação de um esclarecimento da minha autoria, mas devendo ser dado o mesmo destaque ao direito de resposta do Instituto da Água. Insisti em demonstrar - para além dos dados que o Diário de Notícias já possuía - que a informação que transmitira nas notícias era correcta e baseada em dados oficiais, que estavam consultáveis mesmo na Internet. O João Morgado Fernandes não aceitou estas duas premissas e o Diário de Notícias nada publicou.

Recorri, portanto, como recurso, à legislação para que o texto fosse publicado, ao abrigo da Lei de Imprensa - que abrange, presumi, todos os cidadãos. Novo «erro». Hoje recebo uma carta do director do DN, António José Teixeira, que refere que «em nosso entender, a invocação do Direito de Resposta por um jornalista, nessa qualidade, não se enquadra na letra e no espírito da Lei de Imprensa», recusando a publicação do meu texto ao abrigo da Lei da Imprensa.

Como jornalista não tenho palavras para descrever esta atitude. Como cidadão não quero acreditar que um jornalista perca os seus direitos de cidadania por via da sua profissão. Como jornalista e cidadão não posso acreditar que outros jornalistas - circunstancialmente ocupando cargos de direcção - tenham atitudes déspotas, não se importando com a credibilidade dos outros jornalistas, nem como a credibilidade do próprio jornal perante os leitores (afinal, as notícias que publiquei são falsas ou verdadeiras?) e fazendo interpretações legais que, no mínimo, são perigosas para todos os profissionais da imprensa.

Em suma, certos jornais, mesmo tendo (ainda) bons profissionais, tornaram-se sítos cada vez menos recomendáveis. Aliás, longe vão os tempos em que via esta como uma das profissões mais nobres. Esse foi, aliás, o meu maior «erro». A rectidão e a seriedade acabam, neste mundo pantanoso, por ser sinónimo de ingenuidade. E a ingenuidade, em Portugal, paga-se bem cara.

P.S. A minha carreira de jornalista quase de certeza acaba com este episódio (no DN, a minha colaboração, que era pontual, cessou por minha vontade logo que foi publicado o direito de resposta do presidente do Instituto da Água). Mas não vou desistir dos meus direitos como cidadão: se a lei existe neste país, o meu direito de resposta será publicado. É uma questão de princípio.

9/17/2006

Caça coerciva

A pretexto da abertura da caça ao coelho e à lebre, lembrei-me de ter visto, há umas semanas, a referência a uma ordem régia de 1777 ao Senado da Câmara de Lisboa para que «cada um dos lavradores e seareiros de todos os Julgados dessa cidade mate uma dúzia de Pardais, e isto desde o primeiro de Janeiro de 1778 até ao último de Março do mesmo ano, e as Cabeças das ditas dúzias de Pardais sejam entregues ao Escrivão da Câmara, caso contrário incorrerá na pena de dois mil réis».
Na mouche

Eduardo Cintra Torres, na sua crónica habitual de domingo no Público, consegue aprofundar e clarificar de uma forma indesmentível o seu polémico artigo onde denunciava a censura e as pressões governamentais sobre a RTP em relação à cobertura noticiosa dos incêndios.

Eu tinha apontado aqui que via um erro na primeira crónica de ECT: analisara apenas a cobertura num dia (12 de Agosto). Ora, hoje ele apresenta uma análise mais detalhada de um período mais longo e, sem dúvida, fez muitíssimo bem, porque confirma com números que a RTP menorizou claramente esta questão. Mas ele introduz também uma comprometedora actuação da Direcção de Informação da RTP quando pretendeu mostrar o «serviço» do Governo. Passo a citar:

«No dia 15 os incêndios já tinham abrandado. O alerta passara de laranja a amarelo no domingo, 13, e a azul na terça, 15. Nesse dia, o Telejornal como que resumia a sua política editorial na semana em que, segundo esse mesmo noticiário, tinha ocorrido um terço dos incêndios do ano. Foi o dia em que o ministro António Costa foi a Carnaxide receber os bombeiros que estiveram na Galiza. Os três canais fizeram directos ao local. A entrevista da SIC em directo ao ministro teve uma duração de 2m23s. A da TVI durou 2m34s. O Telejornal deu ao ministro em directo 6m36s. Depois de quase duas semanas dedicando aos incêndios menos ou muito menos atenção que os privados, o Telejornal (da RTP) deu 2,5 vezes mais tempo ao representante do Governo».

Ou seja, houve uma clara intenção da RTP em fazer «desaparecer» os fogos em Portugal e mostrar que tanto assim seria que o nosso Governo até tinha tido um papel de bom samaritano por ajudar os «desgraçados» galegos. E não deixa de ser curioso que, como já referi, em termos proporcionais, os fogos deste Verão foram mais destrutivos no Minho do que na Galiza (5% contra 3% da área afectada).

Este artigo de ECT deveria, portanto, merecer um esclarecimento da Direcção de Informação da RTP. Mas duvido que isso aconteça. Afinal, estamos em Portugal.
Lisboa à venda

Nos últimos anos, a autarquia de Lisboa meteu-se em alguns projectos faraónicos e ruinosos, de utilidade inútil para os lisboetas. Elencá-los seria agora fastidioso - mas se algum leitor assim o desejar, farei, pois então, a lista principal -, mas o importante são as consequências para os lisboetas e, em suma, para todos os portugueses. Agora, com a corda na garganta, os nossos (ir)responsáveis autárquicos estão com toda a força para alientar património histórico. Desta vez surge a notícia da pretensão em vender o Palácio Pombal, na Rua do Século. Eu, aliás, iria mais longe: dever-se-ia vender os Jerónimos, a Torre de Balém, a Sé; enfim venda-se tudo às peças, de preferência que se possa desmontar, vender e ser montado de novo num país decente.

A alternativa para isto: alienar os autarcas, sem pingo de cultura e sem noção de que circunstancialmente administram uma cidade histórica, que querem fazer esses negócios. O problema, provavelmente, é que ninguém daria um tostão por eles.

9/16/2006

Dia 22 de Setembro conduzam com alfaces no carro

O Dia Europeu Sem Carros e agora a Semana da Mobilidade são, em Portugal, iniciativas tão serôdias que servem apenas para o Governo descansar a sua (má) consciência face à inépcia em matéria de transportes e de alterações climáticas. Um diazito sem pópós - que, recordo-me, custou um milhão de euros em propaganda no ano de 2000 e, desde aí, a «cassete» é sempre a mesma; nada evoluiu - e o resto do ano sem fazer coisíssima alguma.

Se por acaso tivesse o meu carro em Lisboa - há alguns meses está em casa dos meus pais -, esse seria o dia em que mais andaria. Mas não arriscaria uma multa: comprava uma alface e colocava-o no banco do pendura, pois os «veículos que transportem produtos alimentares perecíveis» podem circular nas zonas proibidas, de acordo com a alínea f do artigo 4º da portaria nº 976/2006 de 15 de Janeiro - que, aliás, é um «monumento» à inutilidade.

Nota: Procurei no dita portaria, mas não encontrei nenhum referência a qualquer proibição para que o ministro da Economia, Manuel Pinho, não possa andar, nesse dia, a 212 km/h. E ainda bem: o «interesse público» não pode parar...

9/15/2006

Hoje não me sinto muito patriótico

Há dias assim. Agora vejo esta fotografia no Público Online, durante a Volta à Espanha em bicicleta, que avisa estar a atravessar-se uma zona onde vivem linces. Acho que este sinal de trânsito jamais será visto em Portugal. Ou se o meterem, também devem colocar outro semelhante, com a imagem de um mamute.

Foto: Luis Tejido/EPA
Machadada no nosso patriotismo

Enquanto que, em Portugal, o nosso Governo nem sequer quer pagar uns fardos de palha para os animais dos agricultores afectados pelos incêndios no Parque Nacional da Peneda-Gerês, a Junta da Galiza e o Governo espanhol aprovaram ontem - repito, aprovaram; não é prometeram aprovar - o «Plano de Recuperação Florestal e Ambiental da Galiza», que contempla um investimento de 126 milhões de euros, entre 2006 e 2009. O plano será aplicado de forma integrada numa área de 200.000 hectares, com uma componente de rearborização com espécies autóctones, a criação de franjas de protecção ao longo de 3000 núcleos agrícolas. Os fundos para o plano serão comparticipados pelo Estado (25 milhões de euros), Governo Regional (26 milhões de euros), Administrações locais (13 milhões de euros) e Fundos Europeus (66 milhões de euros).

Por que razão o meu patriotismo está cada vez mais fraco?
São Pedro, o nosso melhor bombeiro

Como se tem reparado, a chuva regressou nos últimos dias. E os incêndios, mais uma vez, pararam. Aliás, se existe algo de anormal neste Verão é a existência de chuva e não tanto de ondas de calor. Aliás, as pretensas cinco ondas de calor que foram referidas há cerca de uma semana no Diário de Notícias (ver aqui) são uma falácia, pois nem sequer se manifestaram em todo o país em simultâneo e, pelo menos uma delas, esteve associada a humidades relativas elevadas (as tais noites tropicais de Julho). Além disso, cinco ondas de calor pode bem ser menos gravoso em termos de risco de incêndio do que apenas uma. A questão da duração, distribuição e intensidade são factores muito mais importantes. Ou seja, uma única onda de calor, prolongada e a nível nacional pode ser mais desastrosa.

No entanto, como tem sido hábito este Verão, houve uma clara tentativa «oficial», seguida por muita imprensa, de fazer esquecer a chuva. O último relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) ignora-a e mantém um índice de severidade meteorológico diário como único indicador de risco de incêndio, o que me parece, dadas as circunstâncias, muito pouco preciso em situações de pluviosidade. E por que razão isto aconteceu? Uma explicação mais bondosa (ou seja, sem qualquer interferência política): em Lisboa chouveu muito pouco - quase nada. E a imprensa julga que Lisboa é, em tudo, o reflexo do país.

Não é, em nada - e muito menos em meteorologia. Ora, eu fui dar uma rápida «olhadela» aos dados de precipitação (ver aqui) das redes de medição do Instituto da Água (os do Instituto de Meteorologia somente têm para as principais cidades) e confirmei a minha percepção: na generalidade do território, os meses de Junho, Julho e Agosto foram anormalmente chuvosos. E com variações muito grandes em relação à média. É certo que algumas zonas choveu abaixo da média no somatório dos três meses (como em Covilhã, menos 32%), mas é uma pequena minoria. E além disso - e muito importante -, os valores deste Verão, mesmo quando abaixo da média, são incomensuravelmente superiores aos registados em 2005 (ano de seca). Por exemplo, nestes três meses, na Covilhã choveu apenas 10 mm no ano passado; este ano chouveu 49 mm, ou seja, quase cinco vezes mais. Se confrontarmos com outras estações, as diferenças entre 2006 e 2005 são ainda maiores.

Mas comparando apenas com as médias, há de factos casos de muita, muita chuva neste presente Verão: por exemlo, temos acréscimos de pluviosidade de 320% em Barcelos, 246% em São Brás de Alportel, 146% em Abrantes, 85% em Vila Viçosa, 91% em Grândola, 61% em Pinhel, 43% em Vila Velha de Ródão, 37% em Castro Daire, etc., etc..

Individualizando os meses em que costuma arder (Julho e Agosto), as precipitações este ano chegaram a ser elevadíssimas em algumas zonas. Por exemplo, em Barcelos choveu 202,3 mm em Julho deste ano (quase 10 vezes a média do mês), um valor praticamente semelhante à média que se regista em Dezembro e Janeiro (os dois meses mais chuvosos do ano). Ou seja, em Agosto choveu 150,4 mm, sensivelmente cinco vezes mais que a média deste mês. Noutras regiões, o mês de Agosto foi também particularmente húmido, de norte a sul: por exemplo em São Brás de Alportel (24 mm este ano vs. 3 mm de média); Castro Daire (64 mm vs. 23 mm), Pinhel (22 mm vs. 11 mm).

Fazer uma análise mais detalhada - comparando todas as estações com o ano passado ou 2003 - seria muito moroso, mas estes exemplos mostram bem que não só não estivemos em seca (como aconteceu em 2003 e 2005), como pelo contrário foi um Verão anormalmente chuvoso, ainda mais com uma concentração em poucos dias (embora distribuídas, por regra, em todos os três meses), que «encharcou» vegetação e solo por muitos e longos dias. E portanto o São Pedro «travou» muito o risco de incêndio.

O Verão de 2006 parece-me, aliás, muito semelhante em termos de pluviosidade com o ano de 1997, em que ardeu apenas 30 mil hectares. Mas um trabalho mais aprofundado, espero, deveria ser feito pelo Instituto de Meteorologia. Fico a agurdar...

Nota: Espero, sinceramente, que o Instituto da Água não venha dizer que os dados não estão validados, como o fez em relação aos caudais afluentes ao Alqueva.
Um pouco de humor

Através do Pedro Macedo, do Bravos do Mindelo, esta pequena nota de humor em torno de «Uma Verdade Inconveniente»

P.S. Não sei como se mete directamente o youtube aqui. Se alguém me souber dar indicações, a gerência agradece.

9/13/2006

Uma verdade inconveniente

A pretexto da estreia em Portugal do documentário «Uma Verdade Inconveniente», coloquei no Reportagens Ambientais um artigo que escrevi na NS, em Julho, sobre Al Gore. Podem consultar aqui.

Voltarei ao tema, entretanto.
Os incendiários de Portugal

Hoje o Público faz manchete com a falta de aplicação de um plano de prevenção contra os fogos no Parque Nacional da Penda-Gerês, a pretexto de uma visita de deputados da Comissão Eventual àquela área protegida. O texto da jornalista Mariana Oliveira acaba assim:

«No encontro, falou-se de negligência, mas foram muitos os elementos da comitiva, desde deputados a representantes do comando distrital de operações de socorro, que se esqueceram de que, neste período, é proibido fumar nas áreas florestais. Houve até um deputado que atirou uma beata ao chão sem a apagar».

Palavras para quê, é o Portugal no seu pior. De facto, os incêndios são causados pelos incendiários. E aqueles senhores são, obviamente, incendiários.

P.S. A jornalista deveria ter divulgados os nomes. Seria serviço público. E já agora convinha saber se, na comitiva, estava algum elemento do SEPNA (GNR) para elaborar os devidos autos de notícia e aplicar as convenientes contra-ordenações. Isso sim seria exemplar.
O Algarve está salvo

Vila Nova de Cancela, no Algarve tinha, em 2001, cerca de 3500 habitantes e quatro mil casas. Admitindo ao Diário de Notícias (vd. aqui) que esta freguesia do concelho de Vila Real de Santo António «tem crescido desordenadamente ao longo dos anos, devido à pressão imobiliária», o presidente da autarquia diz que esta zona «necessita urgentemente de requalificar-se» E como? Pois então, com «três grandes empreendimentos turísticos, num total de 6100 camas e quatro campos de golfe».

Mas fiquemos todos descansados: o autarca assegura que «os erros urbanísticos do passado não voltarão a ser cometidos, já que todas as propostas privilegiam o enquadramento paisagístico e o equilíbrio ambiental», apontando para «índices muitíssimo baixos de construção» e que a qualidade está comprovada pela contratação de «dois conceituados urbanistas». Portanto, com esta melodiosa música de «violino de Chopin», podemos dormir sem percalços...
Uma dúvida

Se isto for verdade, são as raias ou os homens os seres irracionais?
Pinho, o poluidor

Um dia antes de ameaçar a Iberdrola de pedir uma indeminização pelo atraso no concurso de atribuição de potência eólica - alegando que Portugal tem prejuízos entre 2,8 e 3,8 milhões de euros relativos a emissões de CO2 por cada mês de atraso (vd. aqui)-, o ministro da Economia foi apanhado a 212 km/h na auto-estrada. Livrou-se da multa, mas o seu pópó descarregou uma dose suplementar de CO2. De certeza que não ouviu a sugestão do Ministério do Ambiente para andar apenas a 118 km/h...
Um ponto final

Eu prometi e vou cumprir. Estas linhas apenas servem para garantir ao João Morgado Fernandes que se não o considerasse um bom jornalista, nem me daria ao trabalho de rebater as teses que ele apresentou. Apontei os erros e justifiquei-os. Se ele considera os meus argumentos úteis ou inúteis, já não me interessa - nem ele tem de tomar posição sobre isso. Caso encerrado, portanto.

9/12/2006

O que é a eficácia? (com adenda)

Um exemplo de falta de eficácia e estratégia na vigilância, na primeira intervenção e no combate é um fogo eclodir às 13h30 numa região em que no pico da tarde a temperatura não ultrapassou os 22 graus e a humidade relativa foi sempre superior a 70%, e que, apesar da ajuda de dois Canadair, ainda lavra ao fim de mais de seis horas e meia (escrito às 20h00). Local: Arcos de Valdevez, no distrito de Viana do Castelo, a região do país que este ano manifesta o pior desempenho.

P.S. No intervalo do jogo do Sporting-Inter (cerca das 20h30), este fogo ainda estava não circunscrito. Às 22h00 está extinto. Não sei se por ter chovido, mas certo é que pelo que vi num site de meteorologia, às 20h30 estava uma humidade relativa de 100% em Viana do Castelo. Se não estava a chover, é como se estivesse...
O jornalismo do senso comum... e os seus despistamentos (take IV)

A polémica - chamemos-lhe já assim, porque não a vejo em sentido depreciativo -, com mais um novo capítulo, entre mim e o João Morgado Fernandes, do French Kissin', mostra sobretudo dois conceitos distintos de abordagem e análise jornalística, que extravasa a simples discussão em torno da questão da eficácia de combate aos incêndios florestais.

O meu conceito de jornalismo - apelidado, por ele, de «futurologia científica» -, que admito seja minoritário na imprensa portuguesa, baseia-se em análises não conjunturais e não imediatistas, usando tendências e dados objectivos para se chegar a uma conclusão. E se assim for necessário, munindo-me de «catadupas de números, relatórios e estatísticas» - simplificandos-os, claro está, o que aliás julgo ter sempre conseguido nas centenas de artigos que publiquei na imprensa como jornalista. Isto, malgrado eles serem de tão pouco agrado entre os pares e «chatos» de digerir pelas entidades analisadas, por serem objectivos.

É por isso que, contrapondo-me a análise baseadas en comparações simplistas - que aparenta revelar uma melhoria significativa na área ardida (menos 1/5 em relação ao ano passado) -, eu defendo que isso pouco significado tem, porque diversos indicadores objectivos mostram que as deficiências se mantêm. Tal como um ano frio nada inverteria a tendência de aquecimento global, porque sabemos (a comunidade científica, pelo menos) que esse ano nada representa se nada se modificou de estrutural. Ou seja, este ano de incêndios não quebra qualquer tendência (pelas razões de que a floresta não é nenhuma fénix renascida) e, além do mais, nem sequer é um valor excepcional em relação às estatísticas da última década (e nem quero recuar mais anos).

O outro conceito de jornalismo - que me parece ser o do JMF e que acredito ser largamente maioritário na imprensa portuguesa -, baseia-se numa metodologia mais pragmática, não se preocupa «com catadupas de números, relatórios e estatísticas» ou se os usa é com a máxima parcimónia, muitas vezes indicados por conhecidos e sem perder tempo confirmá-los. Por isso, muitas vezes, este jornalismo é «rápido». Num abrir e fechar de olhos faz um artigo, um editorial, o que quer que seja. Em suma, este tipo de jornalismo usa o senso comum - que acredito seja o que tem maior sucesso junto do público, porque facilmente as pessoas chegam à conclusão que os respectivos «sensos comuns», de que são dotadas, até está correcto. Os mitos alimentam-se dessa «massa» - e o jornalismo é, infelizmente, um dos seus principais «restaurantes».

Aliás, JMF acabou por transmitir mais um mito, porque não quis usar «catadupas de números, relatórios e estatísticas». Com efeito, diz ele que «mais precisamente: a Galiza costuma representar cerca de metade do total de área ardida em Espanha». É assim mesmo? Bom, sim, se se considerar que «cerca de metade» é 21,2% (chatice, este é o valor indicado pelas estatísticas disponíveis num site do Ministério do Ambiente de Espanha para o período 2000-2004 - a«coisa» faz-se somando as áreas ardidas na Galiza, divide-se pela área total ardida em Espanha e multiplica-se depois por 100...).*

E, embora eu não perceba bem o que ele quer dizer quando diz «a Galiza, por mais voltas que se dê (temperaturas, humidade...), não é comparável com uma das nossas áreas mais martirizada todos os anos, a zona Centro», imagino que ele queira dizer que a Galiza arde mais do que as zonas mais martirizadas de Portugal. Se é isso que ele pretendia transmitir, transmitiu mais um mito...

Eu que tenho o horrível defeito de, para além de fazer «futurologia científica», usar «catadupas de números, relatórios e estatísticas», fui ver - oh heresia! - a percentagem de território afectado pelos incêndios na Galiza desde os anos 90. Resultado: não chega aos 14% da sua superfície total. E em Portugal, quanto território ardeu nesse período? 25,5%! Ou seja, quase o dobro. E quais os ditritos portugueses que foram menos afectados que a Galiza? Apenas quatro: Évora, Beja, Lisboa e Portalegre (embora este já se aproxime, por causa do desastre de 2003). E como foram afectados os distritos minhotos - Viana do Castelo e Braga - com clima semelhante à Galiza? Pois bem (ou mal), a afectação foi de 48,5% e 28,5%, respectivamente. Aliás, ao contrário do que se pensa, o distrito de Viana do Castelo é um dos mais flagelados do país: em termos territoriais é o segundo, apenas atrás da Guarda. E não estou a entrar com os valores deste ano.

Pois é, quando se usam «catadupas de números, relatórios e estatísticas» descobre-se uma realidade que o jornalismo pragmático não alcança usando o senso comum... O meu jornalismo é «chato» e vai contra o senso comum? Provavelmente sim, mas a verdade por vezes é «chata», por muito que o senso comum não goste dela...

P.S. O jornalismo «pragmático» tem mais uma vantagem suplementar: é sempre mais conciso e não se perde muito tempo. Eu para rebater os erros de JMF gastei mais de meia hora (em consultas e escrita). Ele gastará meio minuto. É outro problema do jornalismo: tudo já se resume a frases curtas, simples. Mesmo que a percentagem de erros seja elevadíssima. Escrever pouco deveria exigir um rigor reforçado.

P.P.S. Por mim, esta discussão termina, se o João Morgado Fernandes também o desejar. Porém, isto não significa que ele não possa responder, se assim o desejar (nem isso seria concebível). Apenas deixo esta nota, porque já não vale a pena perpetuar uma discussão onde, claramente, o que se destaca é a existência de duas perspectivas de jornalismo quase antagónicas. A polémica focou-se nos incêndios, mas aplicar-se-ia em muitos outros assuntos.

* Gostaria de usar os dados definitivos de 2005, mas eles não os têm ainda disponíveis (e por isso, não especulo). Mas é certo que este ano mais de metade da área ardida em Espanha foi na Galiza, sendo porém uma situação anormal . Contudo, mesmo com este ano, para o último decénio, a Galiza terá contribuído com não mais de 1/4 do total de Espanha. Ou seja, muito longe de «cerca de metade».
Todos os dias se aprende (take III)

O João Morgado Fernandes (JMF), no French Kissin', decidiu, e ainda bem, responder ao meu post de ontem. Confesso que me escapa o seu raciocínio da primeira parte do post, porque se estatisticamente é verdade que ardeu 1/5 do ano passado, aquilo que tenho reiteradamente dito é que, mesmo assim, os valores são medíocres, incluindo a eficácia do combate. E que já tivemos anos semelhantes (ou até melhores) antes da catástrofe absoluta de 2003 e 2005. E que, pelas análises que faço, a situação deste ano não augura nada de bom para o futuro.

Porém, em relação à segunda parte do seu post, fiquei a «aprender» algumas coisas. Diz JMF - ressalvando o meu sentido de humor - que confrontando a situação portuguesa com a espanhola, eu comparo o «incomparável», dado que «em Espanha, a única região que é comparável com Portugal é a Galiza - o resto, ora é meseta desértica (floresta, onde?), ora é mediterrânica, ora é zona dos Pirinéus, de características completamente diferentes das nossas».

Ora, depois de ler isto, conclui que andei a ter visões quando visitei a Espanha. Por isso, peguei em alguns livros da área da floresta e... queimei-os à noite, pela fresca e em cimento - para não provocar incêndios florestais. Depois, socorri-me de alguns conhecimentos de informática e tentei «liquidar» as páginas do Eurostat (aqui) e do Ministério do Ambiente de Espanha (aqui) que «insistem» em impingir-nos que a Espanha até tem maior percentagem de área florestal (em relação ao total do seu território e, obviamente, em termos absolutos) do que Portugal. E obriguei-me a escrever 500 vezes «Portugal é o país mais florestado da Europa», apesar dos dados da União Europeia dizerem que ocupamos 2,8% da UE-25, mas a nossa área florestal (que inclui os matos) representa 2,2% do total.

Mas ainda tomei mais medidas ao reflectir nas sábias palavras de JMF, que escreveu que «a Galiza (...) toda ela coberta de floresta de crescimento rápido, em continuo [tem] uma vantagem enorme face a Portugal - o clima: temperaturas mais amenas, humidade mais elevada». De facto, a Galiza tem 66% da sua superfície com floresta (OK, não é toda, mas sempre é mais do que qualquer distrito português*), mas esse é um pormenor... que até vai contra o que JMF defende, pois quanto mais floresta, mais pode arder em termos absolutos, mesmo que em termos relativos arda menos

(Adenda 1: já agora, é bem feita: quem os mandou, aos galegos, ter tanta floresta? Assim têm maior risco de ela arder! Deveriam ter feito como no Minho que, em 1995, tinha cerca de 1/3 do seu território arborizado... assim não pode nunca arder tanto. Agora a sério: se então considerássemos, não a área territorial, mas sim a àrea florestal afectada, então a situação do Minho este ano, em termos percentuais, ainda pioraria mais comparativamente à Galiza... isto é uma questão de saber usar correctamente a estatística)
. (adenda
(Adenda 2: e se comparei Galiza com Minho foi por terem climas idênticos. Eu podia ter comparado Andaluzia com Portugal - quase do mesmo tamanho e com a mesma percentagem de área florestal. Mas, neste caso, estamoa a ser injusto com os andaluzes que têm um clima mais quente e seco do que a média em Portugal. E para Portugal seria uma vergonha, porque arde para aí uma s25 vezes mais...).

Assim, face ao meus «heréticos erros» de climatologia, abjurei e criei uma «Real Mesa Censória», decretando que uma série de livros de climatologia e meteorologia fossem imediatamente, sem apelo nem agravo, para o Index Librorium Proibitorium. Não é que os «sacanas» desses livros mostravam que o clima da Galiza (nas provícnias que arderam: Corunha, Pontevedra e Ourense) e do Minho (distritos de Braga e Viana do Castelo, que se têm fartado de arder, inclusive este ano) é igualzinho?! Ou que entre a Andaluzia (com muita, muita floresta) e o Alentejo e Algarve (quanta floresta tem o Algarve agora?) o clima é também praticamente igualzinho?! E, enfim, poderia continuar...

Ainda estive para «boicotar» informaticamente os dados climatológicas que se encontravam no nosso Instituto de Meteorologia (ver aqui, a figura 4, por exemplo) e no dos espanhóis (ver aqui, carreguem depois na barra da climatologia e pesquisem), que continuam a mostrar essas semelhanças (em média, nos meses de Verão, chove entre 100 e 200 milimetros; durante o ano supera os mil milímetros e há zonas serranas, tanto na Galiza como no Minho, que ultrapassam os dois mil), mas desisti. Fui-me deitar. Que continuem eles a divulgar erros, que o João Morgado Fernandes nos mostrará a verdade. Sem um só número, mas é a verdade...

P.S. A «culpa» do tom deste post é do próprio JMF (que espero tenha fair-play), por ter referido que o «PAV mantém o sentido de humor». Quis mantê-lo...


* - Em 1996 (último inventário florestal), os distritos de Aveiro, Coimbra e Setúbal eram os três mais florestados com 48%, 47% e 51%. Claro que, sobretudo os dois primeiros, têm agora muito menos. De acordo com as minhas estimativas (com base em dados oficiais), Aveiro terá agora entre 35% e 42%, enquanto que Coimbra andará entre 30% e 39%. Setúbal teve um decréscimo mais reduzido: no máximo 3 pontos percentuais.
Entrevista ao Jornal Fórum (da região de Vale do Sousa)

Para quem estiver interessado, clicar aqui e aqui, sobre o livro «Portugal: O Vermelho e o Negro».

9/11/2006

Acabaram-se os comentários... e nova cara

Como nos últimos tempos começaram a aumentar os comentários anónimos e, hoje, surgiram insultos, decidi pura e simplesmente eliminar essa opção.

Quem quiser comentar os posts, ou mesmo insultar-me, esteja à-vontade. Mas faça-o em privado. Assim, basta enviar o dito cujo comentário para a minha caixa de correio, clicando aqui ao lado. Não é opção que particularmente me agrade, porque retira a interactividade ao blog - mas é a vida, como diria o outro.

P.S. Neste processo de eliminação dos comentários, baralhei-me e o blog ficou «marado». Há males que vêm por bem. Criei um novo modelo, que agora permite os «permanent links» (além de possibilitar o envio de posts por e-mail e de elencar os mais recentes), uma das lacunas que o anterior possuía. Nos próximos tempos, se tiver paciência, faço pequenas alterações, pois acho que o modelo colocou os textos muito estreitos.
OK, pronto, estou a polemicar (take II)

Para mim é sempre um acto ingrato reagir ao escrito de alguém que assegura não desejar entrar em polémica comigo. Sobretudo se, por outras razões que não vêm ao caso, arrisco a que essa pessoa pense que existem outros motivos sombrios. Longe de ser este o caso. Mas como jamais tive receio de polemizar, vejo-me obrigado a reagir ao post do João Morgado Fernandes (JMF) no French Kissin'. Até porque tenho a certeza absoluta que, neste caso, a polémica será útil e ele a aceitará de bom grado (não sendo, contudo, necessário responder). Útil para ele (assim espero) e útil para mim, porque poderia dar-se o caso de eu até estar a fazer juízos preconceituosos. Por isso, o editorial do DN do passado dia 7 foi-me útil porque me «obrigou» a proceder a análises ainda mais rigorosas.

Diz JMF que «obviamente, há mil e uma maneiras de fazer contas e todas dão certo». Tem razão. Isso é verdade, se não se errar nos números. E se se fizerem contas adequadas. Com efeito, JMF sustenta a alegada eficácia do Governo apenas com duas contas: compara este ano (que ainda não terminou) com o ano passado e com a média dos cinco anos. Comparar um ano com o anterior é uma aberração estatística em matéria florestal. Comparar com a média dos últimos cinco anos é outra, tanto mais porque qualquer Governo se arricava - perante o desastre do último quinquénio - a ter um valor muito abaixo da média se chovesse durante o Verão, como aconteceu em três períodos distintos (Junho, Julho e Agosto; e parece que vem aí mais nos próximos dias...). O problema é que a média já é um desastre. E metade da média continua a ser um desastre. Se alguém perguntar a um especialista independente quantos hectares «suporta» a nossa floresta para ser rentável, ele diria 40 mil ou 50 mil. O Porter, já uma década, falou em 40 mil - todos já se esqueceram.

Ora, mas o que fiz eu? Uma conta, duas contas? Não, fiz muitas. E nenhuma simplista. E contas «a seu gosto»? Não, pelo contrário, o Governo é que infeizmente se desunha a fazê-las. Lembrarm-se dos mais de 500 fogos por dia na primeira quinzena de Agosto? pois eliam agora o relatório oficial da DGRF: fizeram uma correcção dos números, o que significa que não tivemos 500 fogos coisíssima nenhuma.

Mas eu possso fazer mais contas; usar todos os dados e mais alguns. E todas levarão ao contrário do que JMF defende. E eu até «renegaria» a todas elas se houvesse alguém que me apresentasse uma conta que não fosse enviesada e que demonstrasse de forma inequívoca e sem «malabarismos» estatísticos que a eficácia é boa. Se eu «tenho os livros», como diz JMF, não os escondo; pelo contrário, publico-os...

Mas, mesmo assim, «obrigo-me» a mais um esforço para mostrar a «eficácia» do Governo. E até me ponho a fazer o papel de advogado do diabo. Assim, agora não quero saber dos 900 mil hectares ardidos nos últimos anos que colocaram em «pousio» muitas zonas críticas. Nem quero saber da chuva deste Verão que está a ser um dos mais húmidos das duas últimas décadas. Desconte-se tudo isto: imaginemos que teve sempre um calor de rachar e não caiu uma pinga sequer de água. E que Portugal tem agora 3,3 milhões de hectares que poderiam ter ardido este ano (valores do Inventário Florestal de 1995).

Pois bem, mesmo assim, com 61 mil hectares (e estou a ser bondoso, mais uma vez, porque estimo que já se vá nos 80 mil hectares), objectivamente continuamos a ter uma eficácia muito medíocre no combate aos incêndios. E por que digo isto? Porque se quisermos comparar, por exemplo, com Espanha - cuja imprensa não está propriamente a elogiar o Governo em relação aos incêndios deste Verão -, objectivamente verifica-se que a situação portuguesa é, apesar de tudo, muito pior.

Com efeito, até 3 de Setembro, em Espanha arderam cerca de 136 mil hectares, enquanto em Portugal arderam 61 mil hectares (até 31 de Agosto). Ora, como a Espanha é cerca de 5,6 vezes o tamanho de Portugal, significa que a área ardida no nosso país (61 mil) equivaleria a quase 342 mil hectares em território espanhol. Alguém imagina um editorial do El País, por exemplo, a elogiar a eficácia do combate em Espanha se lhes tivessem ardido 342 mil hectares(mais do dobro do pior ano deles da última década)? Na verdade, se qualquer jornal em Portugal fosse tão crítico como os jornais espanhóis em relação aos resultados deste ano em Espanha, já deveria ter começado a zurzir no nosso Governo há muito tempo (136 mil hectares em Espanha representam 24 mil hectares em Portugal).

Mas para que não se venha com a questão de que uma coisa é o território, outra a área florestal, apresentemos a dita «coisa» noutra perspectiva. Se consideramos que a área florestal (floresta e matos) em Portugal é de 3,3 milhões de hectares (estou a ser bondoso, mais uma vez, usando a área total do último Inventário Florestal, de 1995 - e portanto «meto» as áreas ardidas nos últimos três anos e que agora não podem arder), então 61 mil hectares queimados representam uma afectação de 1,8% do território português. Em Espanha (vd. aqui), eles estão este ano com uma afectação de 0,5% do seu território - grosso modo, uma taxa semelhante à deflorestação da Amazónia.

Ou seja, mesmo com a «eficácia» do Governo português, ardeu três vezes mais do que em Espanha, onde a ineficácia foi particularmente evidente na Galiza. Aliás, neste aspecto, como se pode ficar satisfeito com a «eficácia» em Portugal se nos dois distritos minhotos (Viana do Castelo e Braga) ardeu 5% do seu território, enquanto os fogos da Galiza causaram uma destruição de 3% da área da Comunidade Autonómica?

Enfim, estranho país o nosso em matéria de incêndios: algo que na Espanha é mau, em Portugal transforma-se em bom, mesmo se esse bom português é três vezes pior do que o mau espanhol.

Mas há mais análises a fazer. Este ano, como se sabe, está a ser terrível em Espanha em termos de incêndios de grandes dimensões (superiores a 500 hectares). Por norma, eles tiveram uma média de 22 por ano na última década e este ano já vão em 52. Portanto, a situação em Espanha não pode ser considerada nada boa. Porém, em Portugal houve já 17, o que em termos proporcionais (de território) seria o mesmo que Espanha ter tido 95 incêndios com mais de 500 hectares. Ora, o que diria, por exemplo, um editorial do El País se este ano a Espanha tivesse 95 incêndios daquela dimensão?

Quando também critico o Governo socialista - e apelo à memória dos jornalistas - é porque, em 1999, o então Governo liderado pelo António Guterres (e onde estavam muitos dos actuais governantes) aprovou o Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa. E esse plano tinha metas muito concretas - por exemplo, no período 2003-2008 deveria arder cerca de 40 mil hectares em média por ano -, mas que foram abandonadas quer pelo Governo PSD/PP quer pelo novo do PS. E em seu lugar o Governo actual colocou agora uma meta de 100 mil hectares. Ou seja, há meia dúzia de anos, um Governo socialista consideraria 61 mil hectares mau, agora já considera bom.

P.S. E eu estou aqui a referir que ardeu 61 mil hectares, mas o valor actual deverá atingir os 80 mil, pelas razões que já expliquei em anteriores posts.

Nota: Em abono da verdade, o meu post «Um exercício de memória para avaliar António Costa» foi uma «provocação» para fazer de contraponto aos exagerados elogios ao ministro da Administração Interna. No meu livro não fiz qualquer análise deste tipo, porque não faz qualquer sentido. Não há nenhum Governo que se destaque pela positiva, todos contribuíram para o desastre que se agudizou nos últimos anos. O único Governo que me merecerá elogios será aquele que retirar, em definitivo, o combate aos incêndios florestais aos bombeiros voluntários e partir para uma profissionalização (e responsabilização) deste sector. Porque perante o actual «sistema», um ministro da Administração Interna estará sempre dependente da sorte ou do azar. António Costa é talvez o único ministro que terá compreendido isso, pelo sinais que tem mostrado. Mas de boas intenções está a nossa floresta num constante inferno.

9/09/2006

Uma exemplar reportagem

O Correio da Manhã publicou hoje uma excelente reportagem de quatro páginas sobre o incêndio do Parque Nacional da Peneda-Gerês, com várias abordagens muito interessantes. Para mim, a melhor reportagem do ano sobre esta matéria: lúcida, equilibrada, pertinente e independente. O jornalista Secundino Cunha está de parabéns. E o Correio da Manhã, claro, também.

Deixo aqui uma passagem que sintetiza bem dois problemas crónicos em Portugal: a impreparação no combate e a «menorização» que, por regra, as autoridades oficiais - e muitos biólogos - transmitem em relação ao impactes do fogo nas áreas protegidas, considerando que a regeneração natural tudo irá repor:

«Para o homem que liderou esta freguesia serrana ao longo de 24 anos, 'os comandos cometeram dois erros crassos: em primeiro lugar, depreciaram o incêndio antes de ter entrado no Parque e quando acordaram já era tarde demais; e, em segundo lugar, atiraram para o terreno bombeiros vindos de Lisboa, de Leiria e de outros lados que, naturalmente, não sabiam para onde se haviam de virar'. Numa frase, António Enes Domingues resumiu o que vai na alma deste povo: 'Os nossos olhos já não voltam a ver toda a beleza da serra'».
Um exercício de memória para avaliar António Costa (take I)

No passado dia 7, João Morgado Fernandes (JMF) escreveu no editorial do Diário de Notícias, algo que faz todo o sentido: «(...) em Portugal, a generalidade dos protagonistas do espaço mediático joga permanentemente na falta de memória das pessoas. Não são apenas os políticos a esquecerem-se das promessas que fazem, são igualmente os comentadores e outros frequentadores dos media que, com grande à-vontade e por vezes até algum brilhantismo, dizem e contradizem tudo e mais alguma coisa».

No balanço que ele fez (ainda sem o ano acabar) refere que «os agentes com responsabilidade no combate às chamas estão de parabéns, a começar pelo Governo, que definiu novas estratégias de combate e reorganizou e reequipou o sector». Vejamos se a própria memória não terá traído JMF ou se são os «outros» - no lote dos quais me incluo e que critica a «propaganda» do actual Ministério da Administração Interna - que estão errados.

Por isso, fui fazer um pequeno exercício de rememorização, para ver se o actual ministro da Administração Interna tem assim tantos motivos para sorrir e mais merecer rasgados elogios. Ou seja, mesmo no seio do Partido Socialista, António Costa será um «fora de série», devendo nós prestar-lhe os reverentes agradecimentos por o país arder «tão pouco» este Verão? E se assim é, o povo não estará a ser ingrato, devendo assim, em massa, congratular-se efusivamente pela graça de ser administrado por este Governo que nos livra da desgraça dos fogos?

Fui ver então nos últimos 25 anos, o «desempenho» dos diversos ministros da Administração Interna que, durante o Verão, estiveram em funções num Governo socialista. Atenção, não quis comparar Governos do PS com Governos do PSD. Quis saber apenas se o actual ministro António Costa está a obter melhores resultados do que os seus antecessores também socialistas.
Pois bem, nos 10 Governo formados, desde 1983, pelo Partido Socialista (incluindo os do Bloco Central na primeira metade dos anos 80), houve apenas seis ministros que tiveram que «tratar» dos fogos no Verão: Eduardo Pereira (1983 e 1984), Alberto Costa (1996 e 1997), Jorge Coelho (1998 e 1999), Fernando Gomes (2000), Severiano Teixeira (2001) e António Costa (2005 e 2006).

Convém referir que Eduardo Pereira foi ministro da Administração Interna ainda até 12 de Julho de 1985; a partir dessa data o Governo mudou para o PSD. E Fernando Gomes não terminou todo o Verão de 2000, tendo sido substituído por Severiano Teixeira em 14 de Setembro.

E os resultados são os seguintes, em relação à área ardida para o ano completo (do melhor para o pior)

1º - Alberto Costa (1997) - 30.535 hectares
2º - Eduardo Pereira (1983) - 47.812 hectares
3º - Eduardo Pereira (1984) - 52.713 hectares
4º - António Costa (2006) - 61.000 hectares (valor indicado pela UE até 31 de Agosto; estimo, contudo, que o valor actual atinja já cerca de 80 mil hectares)
5º - Jorge Coelho (1999) - 70.613 hectares
6º - Alberto Costa (1996) - 88.867 hectares
7º - Severiano Teixeira (2001) - 112.158 hectares
8º - Jorge Coelho (1998) - 158.369 hectares
9º - Fernando Gomes (2000) - 159.604 hectares
10º - António Costa (2005) - 325.226 hectares

Ou seja, o ministro António Costa acabará, muito provavelmente, o seu segundo ano de desempenho ministerial na Administração Interna com um «honroso» 5º (este ano, na melhor das hipóteses, tendo em conta as actualizações na área ardida) e um 10º lugar (em 2005, o pior ano dos Governos socialistas). Se ainda comparamos a «perfomance» global apenas dos ministros socialistas que tiveram dois anos na Administração Interna, temos o seguinte balanço:

Eduardo Pereira - 100.525 hectares
Alberto Costa - 119.402 hectares
Jorge Coelho - 228.982 hectares
António Costa - 386.226 hectares (o ano de 2006 apenas com dados até 31 de Agosto)

Os resultados são tão evidentes que nem merecem mais comentários. Mas o seu actual colega da Justiça (Alberto Costa) deve estar a questionar-se por que razão não teve, há uma década (quando era ministro da Administração Interna), tantos elogios como os que tem agora António Costa...

Nota 1: Prometo fazer, quando tiver tempo, um «ranking» de todos os ministros da Administração Interna, incluindo portanto os do PSD...

9/08/2006

Balanço dos fogos II - uma proposta de avaliação

Fazer uma avaliação objectiva do desempenho das operações de combate é sempre uma tarefa complicada em Portugal. Por um lado, porque não existem dados muito fiáveis; por outro, não estão defindidos objectivos que permitam depois saber se esses desempenhos são bons ou maus.

Por isso, vemos o clima de euforia do Governo e até de alguns sectores da comunicação social face aos valores provisórios da área ardida (57.994 hectares). Este valor é bom? Se compararmos com o ano passado, claro: ardeu cinco vezes menos. Mas se compararmos 2004 com 2003 também verificamos que ardeu quatro vezes menos. E se compraramos 2003 com 1997 ardeu ardeu 14 vezes mais. E se compararmos este ano com um qualquer ano anterior da década de 60 ardeu seis vezes mais, pelo menos. Enfim, as estatísticas comparativas são o que são - albarda-se o burro à vontade do dono.

Por isso mesmo, decidi fazer uma fazer uma tentativa para definir critérios simples e objectivos para, de uma forma expedita, avaliar o desempenho distrital do combate ao incêndios.

Os critérios que utilizei foram os seguintes:

A - Área de afectação por distrito em relação ao período 1997-2005

Comparei a área ardida este ano em cada distrito com o de cada ano inteiro do período 1996-2005, hierarquizando de 1º até ao 10º lugar. Se este ano fosse o pior (1º em área ardida) teria 10 pontos, se fosse o segundo pior (2º em área ardida) teria 9 pontos e assim sucessivamente até ao melhor ano (10º em área ardida) em que se atribuiria 1 ponto. Este critério tem um factor de ponderação de 2 no índice total.

B - Percentagem de incêndios (área ardida superior a um hectare) que ultrapassaram os 100 hectares

Calculando este indicador a nível distrital, comparou-se cada valor distrital com a média nacional (3,2%). A pontuação atrbuída a cada distrito foi feita em função do desvio em relação à média, da seguinte forma:

0,0% - 0 pontos
0,1%-2,4% - 1 ponto
2,5%-3,2% - 2 pontos
3,3%-4,0% - 3 pontos
4,1%-4,8% - 4 pontos
> 4,9% - 5 pontos


Este critério tem um factor de ponderação de 2 no índice total.

A percentagem obtida para cada distrito (até 31 de Agosto) foram os seguintes (entre parêntesis estão os valores, respectivamente dos incêndios com mais de 100 hectares e a totalidade dos incêndios):

Aveiro - 2,1% (2/93)
Beja - 5,6% (1/18)
Braga - 3,8% (18/476)
Bragança - 5,1% (5/99)
Castelo Branco - 3,7% (3/81)
Coimbra - 2,2% (2/92)
Évora - 9,3% (4/43)
Faro - 0,0% (0/47)
Guarda - 5,1% (8/157)
Leiria - 3,3% (2/60)
Lisboa - 0,0% (0/166)
Portalegre - 4,3% (1/23)
Porto - 1,5% (7/476)
Santarém - 6,3% (6/95)
Setúbal - 4,8% (4/84)
Viana do Castelo - 5,1% (17/335)
Vila Real - 1,9% (5/269)
Viseu - 2,5% (7/283)


C - Número de incêndios com mais de 500 hectares, até 1.000 hectares

Por cada incêndio desta dimensão atribuiu-se 5 pontos. Os distritos que registaram incêndios (até 31 de Agosto) desta dimensão foram os seguintes:

Braga - 2
Évora - 1
Guarda - 1
Porto - 2
Viana do Castelo 4


Este critério tem um factor de ponderação de 1 no índice total.

D - Número de incêndios com mais de 1.000 hectares

Por cada incêndio atribuiu-se 10 pontos. Os distritos que registaram incêndios desta dimensão (até 31 de Agosto) foram os seguintes:

Braga - 1
Évora - 1
Viseu - 2


Este critério tem um factor de ponderação de 1 no índice total.

Deste modo, o índice total de desempenho é calculado da seguinte forma:

ID = 2A + 2B + 1C + 1D

Abaixo apresenta-se o quadro com os resultados finais até 31 de Agosto:

Distritos A B C D Total
Viana do Castelo 16 10 20 20 66
Évora 18 10 10 5 43
Braga 16 6 10 10 42
Viseu 4 4 20 0 28
Porto 10 2 0 10 22
Setúbal 14 8 0 0 22
Beja 8 10 0 0 18
Portalegre 10 8 0 0 18
Guarda 2 10 0 5 17
Santarém 6 10 0 0 16
Bragança 2 10 0 0 12
Aveiro 8 2 0 0 10
Castelo Branco 4 6 0 0 10
Leiria 4 6 0 0 10
Coimbra 4 2 0 0 6
Faro 2 0 0 0 2
Lisboa 2 0 0 0 2

Esta avaliação parece permitir concluir a existência de profundas diferenças de desempenho a nível distrital, como se constata pelos valores total do índice. Ou seja, há «oitos» e «oitentas». Há distritos com bons resultados e outros que estão numa desgraça.

Com efeito, este ano está a ser um desastre nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Évora. Nos dois primeiros distritos, este ano já será, pelo menos, o terceiro pior da última década e em Évora será, pelo menos, o segundo pior. Acresce que estes distritos são, além de Viseu, os únicos onde se registaram já incêndios com mais de mil hectares. Os dois distritos do Minho têm, aliás, desempenhos piores do que a Galiza. De facto, em território galego, os terríveis incêndios deste Verão afectaram cerca de 3% da sua superfície total. Nos dois distritos minhotos já se vai em 5%. Aliás, os três piores distritos contribuiram em 54% para o total da área ardida do país.

No entanto, não há só más notícias. Em três distritos (Lisboa, Faro e Guarda), o ano de 2005 está a ser o mais calmo da última década. E em 14 dos 18 distritos, este ano nem sequer aparece (por agora, saliente-se) nos cinco piores anos da última década. Porém, Lisboa nunca foi distrito que ardesse muito e os outros dois distritos foram bastante flagelados nos últimos três anos. Em todo o caso, a generalidade dos distritos está a ter um ano calmo, em alguns casos devendo-se às condições meteorológicas, mas também certamente - assim espero - a uma melhoria da eficácia do combate. Porém, como tenho dito, é de elementar prudência não festejar, porque o ano não acabou nem um bom ano significa que os próximos o sejam.

Para mim, esta avaliação serve sobretudo para questionar as razões para que alguns distritos (sobretudo Viana do Castelo, Évora, Braga e, também em certa medida, Viseu) não estão a ter desempenhos idênticos aos outros, pois se assim fosse o ano estaria até a ser muito, muito bom. E esta avaliação (com estes ou outros critérios objectivos) torna-se, além do mais, fundamental para questionar o trabalho dos coordenadores distritais do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. E elogiar os que estão a fazer um bom trabalho. Em suma, separar o trigo do joio.