Esta é a primeira parte de um pequeno - mas até exaustivo - balanço sobre os incêndios e a eficácia registada até agora. Esta análise poderia ser mais exaustiva se houvesse mais informação, mas já uma noção, que julgo interessante, sobre alguns aspectos ainda não explorados.
O relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais aponta uma área ardidade 57.994 hectares, mas a visualização do satélite Modis (UE) regista uma área de cerca de 61 mil hectares. O satélite Modis apenas «detecta» os incêndios com mais de 50 hectares de área queimada, pelo que o valor que indica «peca» sempre por defeito. No ano passado, esse erro (que é aceitável, obviamente) foi de 17%. Donde se pode estimar que este ano já terá ardido afinal cerca de 70 mil hectares até 31 de Agosto.
Nota-se, por outro lado, que o número de incêndios (área ardida igual ou superior a um hectare) é até agora bastante reduzido. Embora apenas me seja possível (sem me obrigar a fazer contas mais morosas) comparar o período deste ano até Agosto com os anos inteiros anteriores, certo é que quase garantidamente este será o ano com menor número de incêndios na última década. Contudo, o número de ocorrências (até 31 de Agosto), incluindo fogachos, atingiu oficialmente 18.770 e ultrapassará certamente as 20 mil ocorrências até ao final do ano, ficando-se apenas na expectativa se será ou não o ano com menos ocorrências registadas (até agora é o ano de 2004, com um pouco menos de 20 mil ocorrências). Isto permite, desde já, confirmar que - independentemente da velha questão dos fogos fictícios - manter-se-á a tendência descrecente de ignições verificada ao longo da última década.
No entanto, esta questão do número de ocorrências - e tendo em conta o «modus operandi» que permite manipulações (vd. o meu livro e o post anterior) - torna sempre difícil retirar conclusões seguras. Aliás, isso implica também que os indicadores de primeira intervenção podem (e devem, quase de certeza) estar desvirtuados. De facto, ao longo da década passada, Portugal tinha por regra uma taxa de primeira intervenção da ordem dos 75% (ou seja, conseguia-se extinguir essa percentagem de ocorrências antes de ultrapassarem um hectare). Esse valor pareceu-me sempre exagerado porque em Espanha ronda apenas 2/3. Ora, para este ano, se pegarmos nos dados, incluindo a «chuva» de fogachos, a taxa de primeira intervenção é actualmente de 85%! Eu, sinceramente, mesmo admitindo que a primeira intervenção melhorou, considero quase impossível atingir-se este valores (aliás, no relatório de DGRF de 18 de Agosto, quando se incluiram os falsos alarmes dava uma taxa de sucesso de primeira intervenção ligeiramente superior a 90%, portanto vê-se por aqui o «interesse» em incluir muitos fogachos).
Mas mesmo que a primeira intervenção tenha melhorado, certo é que se mantiveram as deficiências no combate estendido. Senão vejamos as percentagens de incêndios (mais de um hectare) que ultrapassaram os 100 hectares, por ano desde 1996 (com base em dados da DGRF, por mim trabalhados):
1996 - 2,1%
1997 - 0,7%
1998 - 2,7%
1999 - 2,0%
2000 - 3,2%
2001 - 2.5%
2002 - 3,3%
2003 - 4,7%
2004 - 3,3%
2005 - 4,0%
2006 (até 31 de Agosto tivemos 92 incêndios com mais de 100 hectares) - 3,2%
Ou seja, os valores deste ano são maiores ou semelhantes à generalidade dos anos, com excepção dos catastróficos anos de 2003 e 2005. Mas está muito acima dos anos de 1996, 1997 e 1999, os únicos três desta série de anos em que ardeu menos de 100 mil hectares.
Se consideramos, em permilagem, os incêndios (mais de um hectare) que ultrapassaram os 500 hectares, por ano desde 1996 (com base em dados da DGRF, por mim trabalhados), temos os seguintes resultados:
1996 - 2,9 por cada mil incêndios
1997 - 0,4 por mil
1998 - 8,4 por mil
1999 - 4,8 por mil
2000 - 5,7 por mil
2001 - 5,0 por mil
2002 - 6,9 por mil
2003 - 18,8 por mil
2004 - 10,5 por mil
2005 - 12,4 por mil
2006 (até 31 de Agosto tivemos 17 incêndios com mais de 500 hectares) - 5,9 por mil
Ou seja, através deste critérios, o combate estendido está francamente melhor do que nos últimos três anos, mas em níveis sensivelmente semelhantes aos do período 1999-2002. E stá também melhor do que 1998 (que ardeu mais de 200 mil hectares, de acordo com o ISA, embora o valor oficial ande na casa dos 150 mil). No entanto, está muito pior do que de 1996 e 1997 (dois anos em que ardeu menos de 100 mil). Aliás, para mim, o ano de 1997 é uma referência, pois ardeu apenas 30 mil hectares, uma área que deveria ser vista como o valor a atingir para que um determinado ano fosse considerado um sucesso. Além disso, termos já 17 incêndios com mais de 500 hectares é muito mau. Em Espanha, ao longo da última década, ocorrem em média 25 incêndios por ano que ultrapassam esta fasquia. Em termos proporcionais, significa que em Portugal apenas seria admissível ter cinco incêndios desta dimensão por ano. Portanto...
Claro que, mesmo assim, este ano poderá, com alguma probabilidade, ser o terceiro ano com menor área ardida desde 1996 (já será, contudo, pior do que 1997, já deverá ter ultrapassado o de 1999, em que ardeu 70.613 hectares; e o actual terceiro, que é 1996, está com 88.867 hectares). No entanto, tendo em consideração os indicadores que atrás apresentei, esse desempenho deve-se, na minha opinião, sobretudo à destruição dos três últimos anos, que implicaram uma grande redução das maiores manchas contínuas de vegetação. De facto, este ano já tivemos cinco incêndios com mais de mil hectares, mas apenas um ultrapassou os 5.000 hectares. Esse desempenho não se deve a questões de eficácia, porque um incêndio com mil hectares está já «hiper-incontornável» e a sua extinção depende sobretudo da continuidade do coberto vegetal e das condições atmosféricas. É bom recordar que o maior incêndio deste ano (que afectou o Parque Nacional da Peneda-Gerês, queimando 5.690 hectares, extingui-se com uma humidade relativa de 94%). E o incêndio da serra de Ossa (com mais de 4.779 hectares) dizimou quase tudo o que havia de vegetação em contínuo. Acresce a isto que este Verão foi, do ponto de vista meteorológico, muito favorável para a não ocorrência de incêndios, ao contrário das tentativas do Governo de mostrar o contrário. Com efeito, em todos os meses de Verão as precipitações foram muito abundantes. Em algumas regiões chouveu em Julho e Agosto aquilo que costuma chover em meses de Outono e Inverno.
(cont...)
O relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais aponta uma área ardidade 57.994 hectares, mas a visualização do satélite Modis (UE) regista uma área de cerca de 61 mil hectares. O satélite Modis apenas «detecta» os incêndios com mais de 50 hectares de área queimada, pelo que o valor que indica «peca» sempre por defeito. No ano passado, esse erro (que é aceitável, obviamente) foi de 17%. Donde se pode estimar que este ano já terá ardido afinal cerca de 70 mil hectares até 31 de Agosto.
Nota-se, por outro lado, que o número de incêndios (área ardida igual ou superior a um hectare) é até agora bastante reduzido. Embora apenas me seja possível (sem me obrigar a fazer contas mais morosas) comparar o período deste ano até Agosto com os anos inteiros anteriores, certo é que quase garantidamente este será o ano com menor número de incêndios na última década. Contudo, o número de ocorrências (até 31 de Agosto), incluindo fogachos, atingiu oficialmente 18.770 e ultrapassará certamente as 20 mil ocorrências até ao final do ano, ficando-se apenas na expectativa se será ou não o ano com menos ocorrências registadas (até agora é o ano de 2004, com um pouco menos de 20 mil ocorrências). Isto permite, desde já, confirmar que - independentemente da velha questão dos fogos fictícios - manter-se-á a tendência descrecente de ignições verificada ao longo da última década.
No entanto, esta questão do número de ocorrências - e tendo em conta o «modus operandi» que permite manipulações (vd. o meu livro e o post anterior) - torna sempre difícil retirar conclusões seguras. Aliás, isso implica também que os indicadores de primeira intervenção podem (e devem, quase de certeza) estar desvirtuados. De facto, ao longo da década passada, Portugal tinha por regra uma taxa de primeira intervenção da ordem dos 75% (ou seja, conseguia-se extinguir essa percentagem de ocorrências antes de ultrapassarem um hectare). Esse valor pareceu-me sempre exagerado porque em Espanha ronda apenas 2/3. Ora, para este ano, se pegarmos nos dados, incluindo a «chuva» de fogachos, a taxa de primeira intervenção é actualmente de 85%! Eu, sinceramente, mesmo admitindo que a primeira intervenção melhorou, considero quase impossível atingir-se este valores (aliás, no relatório de DGRF de 18 de Agosto, quando se incluiram os falsos alarmes dava uma taxa de sucesso de primeira intervenção ligeiramente superior a 90%, portanto vê-se por aqui o «interesse» em incluir muitos fogachos).
Mas mesmo que a primeira intervenção tenha melhorado, certo é que se mantiveram as deficiências no combate estendido. Senão vejamos as percentagens de incêndios (mais de um hectare) que ultrapassaram os 100 hectares, por ano desde 1996 (com base em dados da DGRF, por mim trabalhados):
1996 - 2,1%
1997 - 0,7%
1998 - 2,7%
1999 - 2,0%
2000 - 3,2%
2001 - 2.5%
2002 - 3,3%
2003 - 4,7%
2004 - 3,3%
2005 - 4,0%
2006 (até 31 de Agosto tivemos 92 incêndios com mais de 100 hectares) - 3,2%
Ou seja, os valores deste ano são maiores ou semelhantes à generalidade dos anos, com excepção dos catastróficos anos de 2003 e 2005. Mas está muito acima dos anos de 1996, 1997 e 1999, os únicos três desta série de anos em que ardeu menos de 100 mil hectares.
Se consideramos, em permilagem, os incêndios (mais de um hectare) que ultrapassaram os 500 hectares, por ano desde 1996 (com base em dados da DGRF, por mim trabalhados), temos os seguintes resultados:
1996 - 2,9 por cada mil incêndios
1997 - 0,4 por mil
1998 - 8,4 por mil
1999 - 4,8 por mil
2000 - 5,7 por mil
2001 - 5,0 por mil
2002 - 6,9 por mil
2003 - 18,8 por mil
2004 - 10,5 por mil
2005 - 12,4 por mil
2006 (até 31 de Agosto tivemos 17 incêndios com mais de 500 hectares) - 5,9 por mil
Ou seja, através deste critérios, o combate estendido está francamente melhor do que nos últimos três anos, mas em níveis sensivelmente semelhantes aos do período 1999-2002. E stá também melhor do que 1998 (que ardeu mais de 200 mil hectares, de acordo com o ISA, embora o valor oficial ande na casa dos 150 mil). No entanto, está muito pior do que de 1996 e 1997 (dois anos em que ardeu menos de 100 mil). Aliás, para mim, o ano de 1997 é uma referência, pois ardeu apenas 30 mil hectares, uma área que deveria ser vista como o valor a atingir para que um determinado ano fosse considerado um sucesso. Além disso, termos já 17 incêndios com mais de 500 hectares é muito mau. Em Espanha, ao longo da última década, ocorrem em média 25 incêndios por ano que ultrapassam esta fasquia. Em termos proporcionais, significa que em Portugal apenas seria admissível ter cinco incêndios desta dimensão por ano. Portanto...
Claro que, mesmo assim, este ano poderá, com alguma probabilidade, ser o terceiro ano com menor área ardida desde 1996 (já será, contudo, pior do que 1997, já deverá ter ultrapassado o de 1999, em que ardeu 70.613 hectares; e o actual terceiro, que é 1996, está com 88.867 hectares). No entanto, tendo em consideração os indicadores que atrás apresentei, esse desempenho deve-se, na minha opinião, sobretudo à destruição dos três últimos anos, que implicaram uma grande redução das maiores manchas contínuas de vegetação. De facto, este ano já tivemos cinco incêndios com mais de mil hectares, mas apenas um ultrapassou os 5.000 hectares. Esse desempenho não se deve a questões de eficácia, porque um incêndio com mil hectares está já «hiper-incontornável» e a sua extinção depende sobretudo da continuidade do coberto vegetal e das condições atmosféricas. É bom recordar que o maior incêndio deste ano (que afectou o Parque Nacional da Peneda-Gerês, queimando 5.690 hectares, extingui-se com uma humidade relativa de 94%). E o incêndio da serra de Ossa (com mais de 4.779 hectares) dizimou quase tudo o que havia de vegetação em contínuo. Acresce a isto que este Verão foi, do ponto de vista meteorológico, muito favorável para a não ocorrência de incêndios, ao contrário das tentativas do Governo de mostrar o contrário. Com efeito, em todos os meses de Verão as precipitações foram muito abundantes. Em algumas regiões chouveu em Julho e Agosto aquilo que costuma chover em meses de Outono e Inverno.
(cont...)
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