Muito oportunamente, a Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) divulgou o seu relatório dos fogos no mesmo dia em que o presidente da República visita o Parque Nacional da Peneda-Gerês. O relatório, é certo, já deveria ter saído há alguns dias, mas esta divulgação num fim-de-seman (ah, rica Função Pública) não é um acaso.
Como seria de esperar, mais uma vez o relatório da DGRF prima por insistir que este Verão foi de alto risco para os incêndios. Diz, a páginas tantas, que «o índice de severidade meteorológico apresentou até 15 de Setembro valores (...) muito coincidentes com os valores de 2003» (ano em que ardeu 425 mil hectares. Das duas uma, ou a DGRF anda por cima das nuvens ou não viu chover este Verão em Portugal, como há muito não acontecia. Mas enfim, este índice de severidade meteorológica está assumidamente desadequado ou está a ser manipulável. Aliás, já não sou a única pessoa a defender que as estatísticas dos incêndios deveriam ser tratadas por uma entidade independente e com maior rigor e profundidade de análise.
Tanto mais que se continua a fazer uma subestimação da área ardida, para inglês ver e comunicação social comer. É certo que o valor agora apontado pela DGRF já é, ao contrário dos anteriores relatórios, ligeiramente superior aos valores apontados pelo satélite Modis (70 mil contra 68 mil), mas continua a pecar por defeito. E continuam «esquecidos» alguns incêndios. Por exemplo, se repararem os valores da área ardida no Parque Natural do Vale do Guadiana, apontados pelo ICN, são sensivelmente duas vezes superiores ao que a DGRF regista para a distrito de Beja...
Ora, por que digo que pecam por defeito? Porque fazendo uma estimativa, usando dois métodos distintos, eu considero que a área efectivamente ardida atingirá, pelo menos, valores entre 80 mil e 85 mil hectares. A primeira estimativa tem em conta o «erro» do satélite Modis (por apenas medir área ardidas superiores a 50 hectares). Deste modo, como o erro por defeito se aproxima dos 20% em relação ao valor real, então teremos uma área ardida total de quase 82 mil hectares. A segunda estimativa tem em conta as áreas ardidas por fogos que consomem menos de 100 hectares, que não estão discriminadas ainda no relatório da DGRF. Pegando no histórico dos anos anteriores, os fogos entre 10 e 100 hectares rondam uma área total de 20 mil hectares (esse valor tem pouquíssimas variações interanuais); os fogos com área entre um e 10 hectares rondam uma área média total 14 mil hectares, raramente sendo inferior a 10 mil hectares; e os fogos com menos de um hectare (os fogachos) queimam uma área total de cerca de 2 mil hectares. Ora, como os fogos com mais de 100 hectares, de acordo com a DGRF, queimaram 50,5 mil hectares, significa então que lhe se somarmos os fogos com menos de 100 hectares (cerca de 35 mil hectares) teremos uma área total que rondará os 85 mil hectares. Contas feitas, isto mostra que este é «apenas» o terceiro ano menos devastador da última década e o sexto menos lesivo desde 1990.
Claro que este ano será, em todo o caso, o melhor dos últimos cinco anos e o primeiro da presente dácada que ficará abaixo da «psicológica» fasquia de 100 mil hectares, o que acabará por ser o aspecto que o Governo realçará e a comunicação social «adoptará». Mas, cabe aqui a pergunta sacramental? Este é um bom resultado? Eu continuo a defender que é um péssimo resultado, dadas as circunstâncias de termos tido um Verão anormalmente húmido (que tem uma frequência baixa de ocorrência) e o passado recente de desvastação, que deixou em «pousio» as zonas de maior risco. Em suma, este ano «beneficia» da destruição sentida no último triénio (900 mil hectares ardidos que, este ano, não poderiam arder e funcionaram como «tampão» para a progressão dos incêndios).
Em post anteriores já fiz referências sobre alguns indicadores que mostram que este ano não apresenta grandes melhorias no combate estendido e aponta mesmo situações muito graves em algumas regiões.
Aquilo que distingue este ano dos outros (retiro os de 2003 e de 2005, porque jamais podem ser referência para se apontar uma melhoria sustentável) acaba por ser a quase inexistência de «incêndios-vulcano» (mais de 5.000 hectares), pois apenas houve um (o que atingiu o Parque Nacional da Peneda-Gerês). Mas esta situação não pode ser vista como resultado de uma melhoria consistente no combate, pois continuámos a ter demasidados fogos com mais de 100 hectares. Este ano foram já contabilizados 112 (0,5% do total), um valor que é sensivelmente o dobro daquilo que eu aponto como desejável (máximo de 0,25%). Também os fogos com mais de 500 hectares foram muito elevados: até agora estão contabilizados 21, sendo que o desejável era ter não mais de cinco (ou seja, um valor proporcionalmente equivalente a Espanha).
Em suma, na minha opinião, a principal razão para que um número tão elevado de fogos que ultrapassaram os 100 hectares não se tenham transformado em incêndios devastadores (que destruíam em outros anos, e para alguns casos, mais de 10 mil hectares) radica sobretudo na «rarefacção» de zonas contínuas que possam agora «aguentar» tamanha destruição.
Mas para o ano há mais. E se as «coisas» voltarem a esturricar, não fiquem surpreendidos, nem se queixem do tempo quente e seco e de não sei mais o quê.
Como seria de esperar, mais uma vez o relatório da DGRF prima por insistir que este Verão foi de alto risco para os incêndios. Diz, a páginas tantas, que «o índice de severidade meteorológico apresentou até 15 de Setembro valores (...) muito coincidentes com os valores de 2003» (ano em que ardeu 425 mil hectares. Das duas uma, ou a DGRF anda por cima das nuvens ou não viu chover este Verão em Portugal, como há muito não acontecia. Mas enfim, este índice de severidade meteorológica está assumidamente desadequado ou está a ser manipulável. Aliás, já não sou a única pessoa a defender que as estatísticas dos incêndios deveriam ser tratadas por uma entidade independente e com maior rigor e profundidade de análise.
Tanto mais que se continua a fazer uma subestimação da área ardida, para inglês ver e comunicação social comer. É certo que o valor agora apontado pela DGRF já é, ao contrário dos anteriores relatórios, ligeiramente superior aos valores apontados pelo satélite Modis (70 mil contra 68 mil), mas continua a pecar por defeito. E continuam «esquecidos» alguns incêndios. Por exemplo, se repararem os valores da área ardida no Parque Natural do Vale do Guadiana, apontados pelo ICN, são sensivelmente duas vezes superiores ao que a DGRF regista para a distrito de Beja...
Ora, por que digo que pecam por defeito? Porque fazendo uma estimativa, usando dois métodos distintos, eu considero que a área efectivamente ardida atingirá, pelo menos, valores entre 80 mil e 85 mil hectares. A primeira estimativa tem em conta o «erro» do satélite Modis (por apenas medir área ardidas superiores a 50 hectares). Deste modo, como o erro por defeito se aproxima dos 20% em relação ao valor real, então teremos uma área ardida total de quase 82 mil hectares. A segunda estimativa tem em conta as áreas ardidas por fogos que consomem menos de 100 hectares, que não estão discriminadas ainda no relatório da DGRF. Pegando no histórico dos anos anteriores, os fogos entre 10 e 100 hectares rondam uma área total de 20 mil hectares (esse valor tem pouquíssimas variações interanuais); os fogos com área entre um e 10 hectares rondam uma área média total 14 mil hectares, raramente sendo inferior a 10 mil hectares; e os fogos com menos de um hectare (os fogachos) queimam uma área total de cerca de 2 mil hectares. Ora, como os fogos com mais de 100 hectares, de acordo com a DGRF, queimaram 50,5 mil hectares, significa então que lhe se somarmos os fogos com menos de 100 hectares (cerca de 35 mil hectares) teremos uma área total que rondará os 85 mil hectares. Contas feitas, isto mostra que este é «apenas» o terceiro ano menos devastador da última década e o sexto menos lesivo desde 1990.
Claro que este ano será, em todo o caso, o melhor dos últimos cinco anos e o primeiro da presente dácada que ficará abaixo da «psicológica» fasquia de 100 mil hectares, o que acabará por ser o aspecto que o Governo realçará e a comunicação social «adoptará». Mas, cabe aqui a pergunta sacramental? Este é um bom resultado? Eu continuo a defender que é um péssimo resultado, dadas as circunstâncias de termos tido um Verão anormalmente húmido (que tem uma frequência baixa de ocorrência) e o passado recente de desvastação, que deixou em «pousio» as zonas de maior risco. Em suma, este ano «beneficia» da destruição sentida no último triénio (900 mil hectares ardidos que, este ano, não poderiam arder e funcionaram como «tampão» para a progressão dos incêndios).
Em post anteriores já fiz referências sobre alguns indicadores que mostram que este ano não apresenta grandes melhorias no combate estendido e aponta mesmo situações muito graves em algumas regiões.
Aquilo que distingue este ano dos outros (retiro os de 2003 e de 2005, porque jamais podem ser referência para se apontar uma melhoria sustentável) acaba por ser a quase inexistência de «incêndios-vulcano» (mais de 5.000 hectares), pois apenas houve um (o que atingiu o Parque Nacional da Peneda-Gerês). Mas esta situação não pode ser vista como resultado de uma melhoria consistente no combate, pois continuámos a ter demasidados fogos com mais de 100 hectares. Este ano foram já contabilizados 112 (0,5% do total), um valor que é sensivelmente o dobro daquilo que eu aponto como desejável (máximo de 0,25%). Também os fogos com mais de 500 hectares foram muito elevados: até agora estão contabilizados 21, sendo que o desejável era ter não mais de cinco (ou seja, um valor proporcionalmente equivalente a Espanha).
Em suma, na minha opinião, a principal razão para que um número tão elevado de fogos que ultrapassaram os 100 hectares não se tenham transformado em incêndios devastadores (que destruíam em outros anos, e para alguns casos, mais de 10 mil hectares) radica sobretudo na «rarefacção» de zonas contínuas que possam agora «aguentar» tamanha destruição.
Mas para o ano há mais. E se as «coisas» voltarem a esturricar, não fiquem surpreendidos, nem se queixem do tempo quente e seco e de não sei mais o quê.
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