9/08/2006

Balanço dos fogos II - uma proposta de avaliação

Fazer uma avaliação objectiva do desempenho das operações de combate é sempre uma tarefa complicada em Portugal. Por um lado, porque não existem dados muito fiáveis; por outro, não estão defindidos objectivos que permitam depois saber se esses desempenhos são bons ou maus.

Por isso, vemos o clima de euforia do Governo e até de alguns sectores da comunicação social face aos valores provisórios da área ardida (57.994 hectares). Este valor é bom? Se compararmos com o ano passado, claro: ardeu cinco vezes menos. Mas se compararmos 2004 com 2003 também verificamos que ardeu quatro vezes menos. E se compraramos 2003 com 1997 ardeu ardeu 14 vezes mais. E se compararmos este ano com um qualquer ano anterior da década de 60 ardeu seis vezes mais, pelo menos. Enfim, as estatísticas comparativas são o que são - albarda-se o burro à vontade do dono.

Por isso mesmo, decidi fazer uma fazer uma tentativa para definir critérios simples e objectivos para, de uma forma expedita, avaliar o desempenho distrital do combate ao incêndios.

Os critérios que utilizei foram os seguintes:

A - Área de afectação por distrito em relação ao período 1997-2005

Comparei a área ardida este ano em cada distrito com o de cada ano inteiro do período 1996-2005, hierarquizando de 1º até ao 10º lugar. Se este ano fosse o pior (1º em área ardida) teria 10 pontos, se fosse o segundo pior (2º em área ardida) teria 9 pontos e assim sucessivamente até ao melhor ano (10º em área ardida) em que se atribuiria 1 ponto. Este critério tem um factor de ponderação de 2 no índice total.

B - Percentagem de incêndios (área ardida superior a um hectare) que ultrapassaram os 100 hectares

Calculando este indicador a nível distrital, comparou-se cada valor distrital com a média nacional (3,2%). A pontuação atrbuída a cada distrito foi feita em função do desvio em relação à média, da seguinte forma:

0,0% - 0 pontos
0,1%-2,4% - 1 ponto
2,5%-3,2% - 2 pontos
3,3%-4,0% - 3 pontos
4,1%-4,8% - 4 pontos
> 4,9% - 5 pontos


Este critério tem um factor de ponderação de 2 no índice total.

A percentagem obtida para cada distrito (até 31 de Agosto) foram os seguintes (entre parêntesis estão os valores, respectivamente dos incêndios com mais de 100 hectares e a totalidade dos incêndios):

Aveiro - 2,1% (2/93)
Beja - 5,6% (1/18)
Braga - 3,8% (18/476)
Bragança - 5,1% (5/99)
Castelo Branco - 3,7% (3/81)
Coimbra - 2,2% (2/92)
Évora - 9,3% (4/43)
Faro - 0,0% (0/47)
Guarda - 5,1% (8/157)
Leiria - 3,3% (2/60)
Lisboa - 0,0% (0/166)
Portalegre - 4,3% (1/23)
Porto - 1,5% (7/476)
Santarém - 6,3% (6/95)
Setúbal - 4,8% (4/84)
Viana do Castelo - 5,1% (17/335)
Vila Real - 1,9% (5/269)
Viseu - 2,5% (7/283)


C - Número de incêndios com mais de 500 hectares, até 1.000 hectares

Por cada incêndio desta dimensão atribuiu-se 5 pontos. Os distritos que registaram incêndios (até 31 de Agosto) desta dimensão foram os seguintes:

Braga - 2
Évora - 1
Guarda - 1
Porto - 2
Viana do Castelo 4


Este critério tem um factor de ponderação de 1 no índice total.

D - Número de incêndios com mais de 1.000 hectares

Por cada incêndio atribuiu-se 10 pontos. Os distritos que registaram incêndios desta dimensão (até 31 de Agosto) foram os seguintes:

Braga - 1
Évora - 1
Viseu - 2


Este critério tem um factor de ponderação de 1 no índice total.

Deste modo, o índice total de desempenho é calculado da seguinte forma:

ID = 2A + 2B + 1C + 1D

Abaixo apresenta-se o quadro com os resultados finais até 31 de Agosto:

Distritos A B C D Total
Viana do Castelo 16 10 20 20 66
Évora 18 10 10 5 43
Braga 16 6 10 10 42
Viseu 4 4 20 0 28
Porto 10 2 0 10 22
Setúbal 14 8 0 0 22
Beja 8 10 0 0 18
Portalegre 10 8 0 0 18
Guarda 2 10 0 5 17
Santarém 6 10 0 0 16
Bragança 2 10 0 0 12
Aveiro 8 2 0 0 10
Castelo Branco 4 6 0 0 10
Leiria 4 6 0 0 10
Coimbra 4 2 0 0 6
Faro 2 0 0 0 2
Lisboa 2 0 0 0 2

Esta avaliação parece permitir concluir a existência de profundas diferenças de desempenho a nível distrital, como se constata pelos valores total do índice. Ou seja, há «oitos» e «oitentas». Há distritos com bons resultados e outros que estão numa desgraça.

Com efeito, este ano está a ser um desastre nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Évora. Nos dois primeiros distritos, este ano já será, pelo menos, o terceiro pior da última década e em Évora será, pelo menos, o segundo pior. Acresce que estes distritos são, além de Viseu, os únicos onde se registaram já incêndios com mais de mil hectares. Os dois distritos do Minho têm, aliás, desempenhos piores do que a Galiza. De facto, em território galego, os terríveis incêndios deste Verão afectaram cerca de 3% da sua superfície total. Nos dois distritos minhotos já se vai em 5%. Aliás, os três piores distritos contribuiram em 54% para o total da área ardida do país.

No entanto, não há só más notícias. Em três distritos (Lisboa, Faro e Guarda), o ano de 2005 está a ser o mais calmo da última década. E em 14 dos 18 distritos, este ano nem sequer aparece (por agora, saliente-se) nos cinco piores anos da última década. Porém, Lisboa nunca foi distrito que ardesse muito e os outros dois distritos foram bastante flagelados nos últimos três anos. Em todo o caso, a generalidade dos distritos está a ter um ano calmo, em alguns casos devendo-se às condições meteorológicas, mas também certamente - assim espero - a uma melhoria da eficácia do combate. Porém, como tenho dito, é de elementar prudência não festejar, porque o ano não acabou nem um bom ano significa que os próximos o sejam.

Para mim, esta avaliação serve sobretudo para questionar as razões para que alguns distritos (sobretudo Viana do Castelo, Évora, Braga e, também em certa medida, Viseu) não estão a ter desempenhos idênticos aos outros, pois se assim fosse o ano estaria até a ser muito, muito bom. E esta avaliação (com estes ou outros critérios objectivos) torna-se, além do mais, fundamental para questionar o trabalho dos coordenadores distritais do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. E elogiar os que estão a fazer um bom trabalho. Em suma, separar o trigo do joio.

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