11/18/2006

Os desvarios da Câmara de Lisboa

Conforme escrevi aqui, entre 2001 e finais de 2005, Lisboa perdeu mais cerca de 45 mil habitantes, a um ritmo de cerca de 10 mil por ano. Entretanto, hoje no Público, surge uma notícia que refere ter a autarquia de Lisboa, no âmbito da revisão do PDM, definido como «desígnio fundamental» a recuperação demográfica da cidade. E vai daí, num dos cenários que «nem é dos mais optimistas» (cf. salienta o jornalista do Público José António Cerejo), aponta-se para 750 mil habitantes em 2013!

Começo a fartar-me de desvarios, mais ainda quando até são feitos por investigadores universitários - neste caso, Rui Oliveira, do Instituto Superior Técnico. De facto, apenas quem não esteja com os pés assentes na terra pode, mesmo em hipótese académica, imaginar que dentro de sete anos Lisboa tenha aquela população. Isso significaria um acréscimo de 230 mil habitantes até aquele ano, dado que em finais de 2005 as estimativas do INE apontavam para uma população alfacinha de um pouco menos de 520 mil habitantes. Ou seja, um acréscimo de mais de 30 mil habitantes por ano - que teriam de vir, em exclusivo, dos fenómenos de migração, dado que o saldo natural em Lisboa é, desde 1980, negativo e actualmente da ordem dos dois mil habitantes.

Ora, não sei se a autarquia sabe muito bem como vai conseguir este milagre. Mas ao ler as afirmações dos responsáveis municipais - que, por exemplo, defendem «'políticas agressivas', nomeadamente ao nível do marketing, que estimulem mudanças culturais, em particular ao nível das classes médias que viraram as costas à cidade» e que «a ideia (...) é 'fazer renascer Lisboa na sua identidade e não na homogeneização da globalização» -, tenho a certeza que eles também não sabem e vivem num mundo imaginário.

Mas há outra questão fundamental neste «desígnio fundamental» que mostra a irresponsabilidade dos autores destes desvarios. Mesmo que, porventura (e por hipótese mais do que absurda), se conseguisse resolver todas as causas estruturais que levaram ao despovoamento progressivo de Lisboa (cerca de 10 mil habitantes por ano, paulatinamente desde os anos 80), uma recuperação galopante da população de Lisboa (aos ritmos propostos) seria calamitoso para os concelhos envolventes. Com efeito, como a Área Metropolitana de Lisboa não tem aumentado de forma relevante em termos demográficos, a recuperação populacional da capital ter-se-ia que fazer à custa da retirada de população dos subúrbios.

Nota 1: Na minha opinião, Lisboa não tem necessariamente que recuperar a população a todo o custo - mais importante é estancar as taxas de perda, e sobretudo rejuvenescer a população e repovoar o centro. Ou seja, se recuperar não deve ser à custa da construção nova (aliás, as freguesias mais afastadas do centro - como Carnide - têm crescimentos populacionais semelhantes aos subúrbios), mas sim de reabilitação das freguesias do centro, que neste momento estão em elevado estado de degradação, sem condições de atractibilidade e a sofrer com a especulação. Aliás, ninguém na autarquia parece compreender que não são os lisboetas que saem de Lisboa que estão a virar as costas à cidade. Eles não vão de boa vontade; são expulsos...

Nota 2: Isto daria muito mais pano para mangas...

1 comentário:

Anónimo disse...

Lisboa, com os preços da habitação tão altos, e a fraca recuperação do centro histórico, nunca poderá crecer equilibradamente... a única vantagem de Lisboa a meu ver, como jovem, é ser um centro de oportunidades em termos de emprego, e tem tudo em termos de infra-estruturas, mas a impossibilidade de poder usar o carro durante o dia (até para fazer umas simples compras), o aumento da criminalidade em diversas zonas, todo o stress inerente à capital. Os preços das habitações são quase ridiculos, tanto para compra, como para aluguer, principalmente tendo em conta os salários médios auferidos pelos Portugueses... sinceramente não sei como muitas familias conseguem ter dinheiro para viver em Lisboa? Pelos vistos apenas a zona da Expo parece estar a crescer, mas começa já a ser um crescimento desordenado, estão a estragar um local que apresentava todas as condições para proporcionar uma boa qualidade de vida (jardins, espaço, locais para andar, passear, rede transportes, etc), mas muitos jardins e zonas com espaço estao a desaparecer em nome do lucro, os prédios crescem como cogumelos, ainda há tempos sairam noticias que não há sequer escolas e jardins de infancia com dimensao suficiente para receber todas as crianças, ... e mais uma vez vão deixar passar a oportunidade de aproveitar o que de bom a Expo98 nos trouxe... a oportunidade de criar um local em Lisboa em que desse gosto viver e estar.

Outra questão terá que ser a recuperação da zona historica e das condições de habitabilidade, que tem sido esquecida, com prejuizo para o "espirito/alma" da cidade, para o turismo e ambiente, porque o crescimento da cidade em termos periféricos devia ser evitado, para não impermeabilizar cada vez mais solos agricolas, florestais, ou que pudessem servir de corredor ecologico e "pulmão" de toda a zona citadina.

Eu só digo ... se puder ficarei a viver próximo do campo ou em cidades mais pequenas... isto sim é qualidade de vida.