10/14/2006

Elogio da loucura segundo Pinho

Manuel Pinho, ministro da Economia, quer que sejamos felizes. E por isso, certamente, segue a máxima de Sofócles: quanto maior for a sabedoria, menos feliz a vida. Durante anos, tive a vã esperança de ser feliz sendo sabedor. Acho agora que tenho mais hipóteses, mesmo que remotas, em ser sabedor. A menos que para ser feliz me veja obrigado a ser estulto (Erasmo explica isso bem no Elogio da Loucura), como Manuel Pinho pretende que eu e todos sejamos.

Isto vem a propósito do anúncio, na semana que passou, do fim da crise, anunciada pelo nosso optimista governante, que acenou com «dados» económicos, onde se destacava a subida das exportações - tanto assim que, ele, insistia em referir sermos o terceiro país comunitário com maior crescimento ao longo deste ano (percentual, diga-se).

Apenas quem não conhece as «manhas» da estatísticas pode acreditar que estamos perante qualquer evidente recuperação económica. Pelo contrário, a tendência de desequilíbrio da balança comercial agravou-se e permitem evidenciar perdas de produtividade. De facto, apenas não conhecendo - e analisando com algum detalhe - os dados económicos dos primeiros sete meses deste ano se poderá acreditar no ministro. E ficar satisfeito. Mas infelizmente, as loas de Manuel Pinho são apenas isso: loas e ainda por cima parolas - lérias, em vulgata. Com efeito, vejamos o que está, por exemplo, por detrás de um aumento de 32,1% nas exportações portuguesas nos primeiros sete meses do ano.

Primeiro verifica-se que uma parte considerável das exportações nos primeiros sete meses deste ano deveu-se aos combustíveis: Portugal exportou 1.067 milhões de euros, quase o dobro do período homólogo do ano anterior. Mas o «problema» é que este aumento deveu-se quase em exclusivo ao crescimento substancial das importações de produtos petrolíferos primários (que passaram de 2.439 milhões de euros para 3.509 milhões). Ou seja, Portugal além de consumir mais combustíveis, serve agora como simples «plataforma» de transformação de petróleo nos seus diferentes derivados. Ganha-se alguma coisa com isto? É certo que sim, mas quase apenas as refinarias. E um país não se desenvolve quando um monopólio (como é o da refinaria) concentra uma fatia considerável das exportações.

Mas o mais curioso é que o aumento da produção de produtos refinados - que permitiu uma quase duplicação das exportações de combustíveis no período em análise - não significou que Portugal deixou de importar menos produtos refinados. Pelo contrário, o valor das importações no segmento produtos transformados (gasolinas e gasóleo, entre outros) foi 279 milhões de euros superior às exportações durante os primeiros sete meses deste ano.

Além disto, a categoria económica dos combustíveis e lubrificantes foi a que registou uma variação da balança comercial mais desfavorável: era negativa em 3.040 mihões de euros nos primeiros sete meses de 2005; atingiu os 3.787 milhões nos primeiros sete meses de 2006! Portanto, estamos perante um evidente caso de dumping ambiental. Aliás, veremos quanto aumentarão as emissões de emissões de dióxido de carbono apenas por esta via...

De resto, em termos económicos para os sete primeiros meses de 2006, não existe qualquer categoria relevante em que a balança comercial seja favorável às exportações - é claramente desfavorável -, como se pode verificar na lista abaixo, fazendo umas simples contas com os dados do INE:

Produtos alimentares e bebidas - saldo negativo de 1.654 MEuros
Fornecimentos industriais - saldo negativo de 1.874
MEuros
Combustíveis e lubrificantes - saldo negativo de 3.787 MEuros
Máquinas e outros bens comerciais - saldo negativo de 2.508 MEuros
Material de transporte e acessórios - saldo negativo de 426 Meuros
Bens de consumo - saldo negativo de 105 Meuros

Além disso, comparando os dois períodos em análise, a balança comercial na categoria produtos alimentares e bebidas, bem como de combustíveis e lubrificantes, registou mesmo um agravamento significativo em termos absolutos. Por outro lado, os dados do INE indiciam uma estagnação na produção agrícola e também na produção automóvel nacional, um dos sectores mais importantes da indústria portuguesa. Aliás, nesta última categoria, a balança comercial somente não foi mais desfavorável neste ano porque se verificou uma acentuada retracção na importação na categoria material de transporte e acessórios, que registou uma quebra de 324 milhões de euros (embora afectando sobretudo material de transporte que não de automóveis de passageiros).

Por tudo isto, ou o ministro da Economia anda a brincar connosco ou então está mesmo convencido de que a crise económica acabou. Se estiveramos perante a primeira hipótese, é lamentável, pois está a gozar-nos; se for a segunda hipótese, está então no sítio errado, por incompetência, e deveria ser demitido, obviamente.

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