10/13/2006

Depois queixem-se da perda de leitores

Na edição de Lisboa do Público de hoje surge uma noticia que é reveladora do actual estado do jornalismo: aguarda-se que a informação caia no regaço do(a) jornalista e não se faz qualquer análise crítica. Transmite-se simplesmente a informação. Todos parecem ficar assim satisfeitos: as fontes, geralmente oficiais , por canalizarem tudo o que lhes interessa, o jornal por rapidamente «produzir» uma notícia. Quem perde é, obviamente, o leitor.

A notícia a que me refiro - intitulada «Área ardida baixa 84 por cento no distrito de Santarém», da autoria do jornalista Jorge Talixa - aproveita uma conferência de imprensa do governador civil de Santarém que destaca esta redução quando se compara a área queimada este ano (cerca de 3.280 hectares) com a média dos seis anos anteriores. Claro que aproveitou isto para dizer que «estou convencido que o reforço quantitativo e qualitativo de meios que conseguimos organizar não será alheio a esta redução da área ardida».

Ora, mas uma pequena análise daquele período, mostraria que essa descida deve-se sobretudo ao simples facto de em 2003 e 2005 ter ardido, respectivamente, 66.929 e 28.871 hectares - ou seja, valores escandalosamente anormais. Porque se se excluir esses dois anos (2003 e 2005), a média anual da última década é de 3.988 hectares - ou seja, pouco superior ao valor deste ano.
Aliás, pegando na última década de meia (15 anos), o ano de 2006 foi apenas o 6º melhor. Por isso, nada de extraordinário. Em suma, com um pouco de trabalho, chegar-se-ia à conclusão de que se estava perante um embuste: a melhoria propalada pelo governador civil de Santarém era fruto das degraças de 2003 e 2005, que foram responsáveis por 83% da área queimada neste distrito no período 2000-2005!

Sinceramente, gostaria de ver na imprensa - e provavelmente não serei o único (ou sou?) - uma análise mais exaustiva sobre este ano de incêndios, cuja «máquina governamental» conseguiu «transformar» num sucesso. Os valores com que este ano deverá terminar (um pouco acima dos 80 mil hectares) será o dobro daquilo que o então Governo de António Guterres em 1999 prometeu que teríamos em média por ano durante o período de 2003-2008 (para mais esclarecimentos, ver aqui). A área ardida este ano está acima daquilo que se considera admissível para tornar a floresta sustentável. E, mais grave do que isso, apesar de o desempenho de alguns distritos ter dado indicações de melhoria evidente (casos sobretudo de Castelo Branco e Guarda), noutros a situação foi péssima (casos de Viana do Castelo, Évora e Braga) ou sofrível (casos de Aveiro e Leiria), mesmo quando comparamos com os anos de 2003 e 2005

Aqui em baixo, para uma melhor percepção do que destaco, coloco, por distrito, a área ardida neste ano e a respectiva classificação tendo em conta os últimos 10 anos (1997-2006). Ver-se-á que mantêm-se os motivos para recear o futuro.

Aveiro - 2.312 hectares (4º pior ano)
Braga - 9.925 hectares (3º) este valor é substancialmente superior à média 1996-2005 (cerca de 5.600 hectares por ano)
Lisboa - 684 hectares (10º)
Porto - 6.096 hectares (6º)
Beja - 1.240 hectares (6º)
Bragança - 2.847 hectares (9º)
Castelo Branco - 1.626 hectares (9º)
Coimbra - 905 hectares (9º) curiosamente, o ano em que menos ardeu foi o de 2004 (524 hectares) e o que ardeu mais foi o de 2005 (50.803 hectares); este caso mostra só por si que jamais se pode fazer uma festa quando se tem um valor baixo num determinado ano.
Évora - 6.346 hectares (2º) este valor é o triplo da média 1996-2005 (cerca de 2.170 hectares por ano)
Faro - 139 hectares (10º)
Guarda - 5.251 hectares (10º)
Leiria - 4.096 hectares (3º)
Portalegre - 624 hectares (6º)
Santarém - 2.847 hectares (valor da DGRF, 8º)
Setúbal - 898 hectares (7º)
Viana do Castelo - 16.211 hectares (2º) este valor é o quase o dobro da média 1996-2005 (cerca de 8.470 hectares por ano)
Vila Real - 3.913 hectares (8º)
Viseu - 6.405 hectares (8º)
PORTUGAL - 72.364 hectares (valor provisório, 8º)

Nota: Ao longo dos próximos tempos procurarei apresentar aqui no blog mais umas quantas análises sobre esta época dos incêndios em que «o Governo está de parabéns».

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