10/25/2007

Os protocolos lavam mais verde?

Henrique Pereira dos Santos, técnico do Instituto de Conservação da Natureza e que escreve também na Ambio, reagiu a este post, em que eu colocava as minhas reservas sobre os protocolos entre o ICNB e as empresas no âmbito do programa Business & Biodiversity. Escreveu ele o seguinte:

«(...) O ICNB tem tido um papel enzimático, não é responsável pelo que fazem as empresas no quadro da iniciativa. As empresas assumem compromissos públicos e é o público, por exemplo com posts destes, que leva as empresas a empenharem-se ou não nos compromissos que assumem.

Com certeza que o ICNB procura influenciar as decisões das empresas sobre biodiversidade e colabora com elas no sentido de integrar a Biodiversidade nos seus sistemas de gestão, mas não é o fiscal da iniciativa. Esse é o público.

Ainda que me faça alguma impressão a forma como seleccionas algumas empresas para suportar a tua tese e ponhas de lado as que contrariam a tua tese de que por regra as empresas aderentes têm posturas de conflito ambiental (e nem discuto sequer se tens razão na análise da postura das empresas que citas) não deixo de te perguntar: é melhor que essas empresas assumam estes compromissos ou não?».


Num aspecto, concordo com o Henrique: cabe ao público - ou seja, ao mercado -«fiscalizar» as empresas, sobretudo ao nível da coerência entre o seu «quotidiano» e as promessas bem-intencionadas num protocolo. Nesse aspecto, eu não posso, como cidadão, julgar aceitável que uma empresa prometa fazer uma gestão sustentável da floresta e depois diga que é bom gastar papel à fartazana. Eu não posso aceitar que uma instituição bancária (BES) prometa ser verde (até no logotipo), mas esteja maculada com cortes de sobreiros cheio de expedientes (ainda mais sendo reincidente) sem que tenha, até agora, decidido pelo abandono definitivo do projecto imobiliário (e já agora que transformem a zona a Herdade da Portucale num modelo de gestão ambiental). Eu não posso aceitar que uma cimenteira, como a Secil, prometa ter uma postura ambiental e ande a «comer» a Arrábida e não se importa de queimar lixos numa área protegida.

Claro que, independentemente destas máculas, é sempre bom que as empresas assumam compromissos ambientais, embora eu prefira que não apenas os assumam como os cumpram. Muitas empresas têm, de forma convicta, posturas ambientais. Mas para mim, verdadeiras posturas ambientais são aquelas que vão para além do simples cumprimento da legislação ou das regras do mercado. Por exemplo, não se pode aplaudir uma empresa que diga: «nós assumimos que cumpriremos a legislação ambiental», porque não nos fazem nenhum favor, é um dever e cabe à Administração fazer cumpri-la. Tal como não faz sentido que uma celulose defenda as florestas sustentáveis, sabendo que os mercados mais apetecíveis exigem que o papel seja proveniente de florestas sustentáveis.

Na minha opinião, uma empresa com verdadeira postura ambiental é aquela que investe fora do seu «core business» ou de uma forma que apenas indirectamente possa beneficiar do ponto de vista financeiro. Está acima de tudo, e antes de mais, uma postura social de cariz ambiental, embora seja certo que, legitimamente, lhe traga benefícios económicos. Contudo, isso não implica que uma mão lave a outra. Isto é, uma empresa não pode «enverdecer» a sua imagem maculada apresentando um projecto ambiental. Seria a mesma coisa que um ladrão se redimir do roubo, dando esmolas aos pobres (a menos que, como Robin dos Bosques, fosse entregar todo o pecúlio).

E onde aparece aqui o ICNB? Pois bem, o Henrique defende que esta entidade tem «um papel enzimático» e que «colabora com elas no sentido de integrar a Biodiversidade nos seus sistemas de gestão, mas não é o fiscal da iniciativa». Pois bem, então não está lá a fazer mais do que servir de «ramo de flores». Primeiro, porque as empresas não precisam de «enzimas», mais ainda do ICNB – as grandes empresas sabem e, se não sabem, contratam (contratam para tudo e mais alguma coisa, porque não também neste sector?). Segundo, como entidade da Administração Pública, o ICNB deve ter uma atitude equidistante das empresas privadas. Não é uma questão de «dormir com o inimigo» (nem eu vejo estas empresas como inimigas, longe disso...), mas sim de independência em situações em que, no âmbito das suas competências, o ICNB tenha de agir em matérias relacionadas com essas empresas.

Mas, independentemente disso, para as empresas do programa Business & Biodiversity é interessantíssimo que haja o «patrocínio» do ICNB, porque em termos de marketing a «coisa» funciona bem, mas não me parece que dê garantias de que os seus projectos em prol da biodiversidade melhorem. Aliás, não vi ainda nada que se possa apontar às empresas que tenha deixado de existir depois da assinatura dos ditos «protocolos verdes». Mas talvez seja desconhecimento ou distracção da minha parte...
Nota: Agradeço as atentas correcções relativamente à Secil do Outão e não Cimpor, como escrevi na primeira versão. Mas a Cimpor também tem máculas, ai isso tem...

6 comentários:

Anónimo disse...

Arrábida / Secil.

Anónimo disse...

Quem está "a comer" a Arrábida é a Secil, ou SEMAPA. A cimpor anda a comer por outros lados.

Rita disse...

Agora é que falaste bem... Uma coisa é a implementação das ISO's e companhia, que já são obrigatórias ou recomendadas por lei, e agir no sentido de minimizar o seu impacto ambiental, que não é mais do que o seu dever. Outra coisa é um investimento exterior, tipo "capital de risco", em projectos que contribuam activamente para o ambiente - por exemplo, apadrinhar uma árvore no jardim Botãnico, que não custa nada a uma empresa e até lhes traz publicidade.
Não vejo que papel activo o ICNB venha a ter nisto.. se não houver já um espírito de cidadania a germinar na empresa, não vai ser o ICNB a convencê-los a investir em ninhos de pássaros com o logotipo da empresa. E se a acção é voluntária e não fiscalizada, vai-se perder com o tempo. Talvez um protocolo com adesão obrigatória num certo espaço de tempo e direccionado para a área de impacto ambiental da empresa fosse o ideal. Afinal, quando assinamos certos protocolos com os bancos, também ficamos obrigados a um período mínimo de permanência e investimento, tipo PPR. Então porque não aplicar esse modelo ao investimento das empresas no ambiente? Há que seguir o exemplo de quem entende do assunto ;)
Um abraço

Henrique Pereira dos Santos disse...

Pedro,

Se não te importas respondo-te no blog da ambio (http://ambio.blogspot.com/).

Penso que há vantagens para os dois blogs desta conversa cruzada, há vantagens em alargar a discussão aos diferentes públicos dos blogs e escuso de sobrecarregar-te com o trabalho de aprovares os comentários.

henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Pedro e Henrique,

Respondi a ambos na lista, mais ou menos (in)directamente.

Democracia, ICNB e bioéticas (1)
Sobre a Ética, a Lei, a Democracia e outras paralelas
BES e B&B
Democracia, ICNB e bioéticas (2)

Penso que lá também "há vantagens em alargar a discussão aos diferentes públicos" (...) e escuso de sobrecarregar-te com o trabalho de aprovares os comentários."

Cumprimentos.

Anónimo disse...

O blog AMBIO também já fez B&B com o BES.

Não deixa de ter piada :)