12/15/2007

Bacalhau e bom proveito

Surgiu na blogosfera – e não só – uma polémica em torno da sugestão dos ambientalistas que recomendaram que se reduzisse o consumo de bacalhau no Natal por causa da regressão desta espécie. Gostaria de fazer uma premissa incial: não concordo, na maior parte dos casos, com a mensagem que alguns ambientalistas transmitem para alertar sobre algum problema; porém (e sabe-se bem isso nos media), por vezes na selecção dos «soundbytes» a imprensa sintetiza explicações e destaca as «bojardas» mais polémicas.

Posto isto, é certo que os portugueses não são os únicos «devoradores de bacalhau». Se assim fosse, cada português teria que despachar 84 Kg/ano de fiel amigo (e, na verdade, cada português, no total de toda a bicheza com escamas anda em pouco menos de 60 Kg/ano, o que até, salvo erro, o valor mais elevado da UE). Muitos outros países europeus e não só dão ao dente com bacalhau na boca. E não surpreende, visto que esta espécie é a 12ª mais pescada a nível mundial.

Ora, a questão essencial é saber se essa aparente abundância justifica alarmismos do género «não coma tanto bacalhau». E aí depende das perspectivas, sendo assim necessário olhar e analisar indicadores. Se actualmente se captura, por ano, um pouco menos de 900 mil toneladas, talvez o facto de na década de 60 se ter pescado por ano quase sempre mais de 3 milhões toneladas (o recorde foi em 1968 com cerca de 3,94 milhões de toneladas) mostre que algo não está a correr bem.

Esta profunda regressão (estamos a falar numa redução de mais de 75% nas capturas em apenas 40 anos!) poder-se-ia justificar por uma questão de menor procura (esforço de captura diminuia) ou então por uma exasutão dos stocks (captura diminui por razões ecológicas de sobrepesca anterior). Ora, é nesta segunda hipótese em que se encontra o bacalhau: o esforço de pesca foi excessivo (e não é de agora) e não está a ocorrer uma reposição sustentável dos stocks.

Obviamente que não é por deixar de se comer bacalhau num Natal que as coisas mudam. Nem será previsível que o bacalhau desapareça completamente. O problema será outro, sobretudo económico. A pesca do bacalhau é apetecível apenas quando pescado em grandes quantidades e, por isso, naturalmente que agravando-se a «oferta» no mar começará a diminuir o esforço de pesca, o que garante a sobrevivência do bacalhau como espécie, mas não como espécie de interesse comercial. Donde advirá, nessas circunstãncias, que o bacalhau aumentará ainda mais de preço, transformando-se num produto alimentar de luxo (diminuindo a oferta no mercado, aumenta o preço unitário). Mas, em suma, nunca será previsível que ocorra uma simples extinção do bacalhau. Pode sim «extinguir-se» como peixe comummente usado na gastronomia portuguesa.

Porém, pode ser até que este problema nem se coloque. Há cerca de um ano tive conhecimento de que existem aquaculturas de bacalhau em exploração, embora com quantidades ainda bastante reduzidas! De acordo com dados da FAO, essa exploração terá até começado nos finais dos anos 80, tendo atingido 3.812 toneladas em 2004. Será actualmente uma gota de água nas capturas totais (não chega a meio por cento), mas pode ser que evolua no futuro e que aconteça com o bacalhau aquilo que ocorreu com a dourada. De facto, a dourada até aos anos 60 era apenas capturada no mar, mas agora é maioritariamente de «aviário» (o ano de 1991 foi o último em que as capturas em mar foram superiores às de aquacultura; e em 2004 as capturas em mar representavam menos de 9% do total de toda a dourada capturada). Resta saber se a aquacultura de bacalhau pode ter crescimento similar e, sobretudo, se o sabor será semelhante ao que actualmente comemos, mas sobre esta última parte saberás melhor do que eu.

Deixo aqui um link dos dados do Ecoline (que tratei há cerca de um ano), onde basta clicar no bacalhau, na info, para se ver a evolução das capturas de bacalhau nas últimas décadas.



4 comentários:

Luís Bonifácio disse...

Talvez porque esses ecologistas têm interesses económicos na exploração de perus?

Zé Bonito disse...

O "link" não funciona, ou é nabice minha?:))
Pergunta: há controlo de tamanhos das espécies pesacadas, como fizeram com outras espécies, nomeadamente o carapau? Pelas amostras que vemos nas bancas, não parece. Acredito que a aquacultura consiga impor-se, até porque pode praticar preços mais baixos. Agora, duvido que o gosto seja o mesmo (já nas outras espécies assim produzidas, não é). Assim como duvido que haja coragem para enfrentar os interesses dos países possuidores das grandes frotas pesqueiras. Na verdeade, nunca foram os nossos pescadores, pouco mais do que artesanais, que colocaram as espécies em risco.

João Vaz disse...

Concordo em pleno com as palavras do Pedro Vieira.
Penso que os números que cita: 60 kg/hab.ano de consumo de peixe, são exagerados - qual a fonte ? - porque então cada português comeria um bela posta de peixe (160 gramas) todos os dias do ano. Duvido.
A questão de consumir menos bacalhau trouxe pelo menos à baila a questão do excesso de pesca, e pior dos estragos que a pesca industrial causa.

Pedro Almeida Vieira disse...

Os valores rondam os 57 Kg/ano e surgem nas estatísticas da FAO. Parecem-me também valores bastante elevados, mas talvez inclua o peso bruto e também eventualmente o peixe que seja usado para outros produtos alimentares (ou mesmo, eventualmente, para rações)...