7/31/2007

Alentejo ardente

Enquanto escrevo, decorre há oito horas um incêndio em Mourão. Num Verão que tem sido muito muito ameno (com excepção dos últimos dias as temperaturas são relativamente moderadas e choveu, pelo menos, em três períodos distintos do mês de Julho), destaca-se porém os fogos de alguma dimensão no Alentejo. Esta situação, aliás, tem vindo a agravar-se ano após ano.

No ano passado, fiz um artigo para o Diário de Notícias sobre esta situação que, julgo, ser pertinente aqui recordar.

«O Alentejo arrisca tornar-se um inferno de chamas nos próximos anos, caso se mantenha a tendência de agravamento dos últimos cinco anos. O recente incêndio da serra de Ossa - que terá queimado mais de seis mil hectares - apenas veio confirmar que esta região, praticamente imune aos fogos até finais da década de 90, começa a figurar cada vez mais no mapa dos incêndios devastadores de Portugal.

Para já, os três distritos alentejanos (Portalegre, Évora e Beja) ainda estão longe de estar no topo dos mais incendiáveis do País, mas a evolução dos últimos anos é terrível. Com efeito, olhando para as estatísticas oficiais, o distrito de Portalegre sofreu um agravamento da taxa média anual de 2891% quando se compara o período 2000-2005 com a década de 90. Os distritos de Évora e Beja atingiram agravamentos de 617% e 866%, quando em termos nacionais o incremento foi de 264%, já em si um valor elevadíssimo.

Apesar de esta tenebrosa evolução estar ainda longe de colocar o Alentejo no topo das regiões mais incendiáveis do País, certo é que, de entre os 20 maiores incêndios do último quinquénio, seis iniciaram-se no Alentejo (v. quadro). O maior incêndio de sempre - em Nisa, que queimou 41 mil hectares - é algo assombroso a nível nacional e sobretudo regional, sabendo-se que antes de 2003 o pior ano neste distrito tinha sido 2001, com apenas 2461 hectares queimados.

Os outros dois distritos ainda não tiveram anos tão avassaladores, mas Beja já registou dois anos acima dos 10 mil hectares ardidos (em 2003 e 2005), quando o máximo nos anos 90 tinha rondado os dois mil hectares (em 1994). Em Évora, onde raramente ardiam mais de mil hectares nos anos 90, já arderam quase 10 mil hectares em 2003, valor que deverá ser ultrapassado este ano. Nos últimos anos, destacam-se na zona os incêndios em Almodôvar, Portel e Odemira, que devastaram milhares de hectares.

Do ponto de vista meteorológico, o Alentejo é potencialmente a zona mais susceptível aos incêndios em Portugal: temperaturas elevadas e humidade relativa baixa e praticamente sem chuva durante o Verão. No entanto, tem a seu favor a baixa incidência de fogos - somente 0,8% do total nacional -, para além de o coberto vegetal ser dominado por montados de sobro e azinho, que se tiverem uma boa gestão são quase imunes aos fogos, a que acresce uma menor densidade do arvoredo que dificulta a propagação do fogo.

Contudo, a repentina alteração na incidência de fogos destrutivos deve-se, exactamente, ao progressivo abandono rural e florestal, que permitiu criar matagais por entre o arvoredo, o que constitui autênticos "barris de pólvora". Essa situação, embora afectando mais os pinhais e eucaliptais desta região, começa também a evidenciar-se nas manchas de montado de sobro. Aliás, o sobreiro começa a ser uma espécie florestal ameaçada, dado que no último quinquénio cerca de 80 mil hectares já foram afectados pelas chamas, embora uma parte significativa tenha ocorrido nos distritos de Faro e Santarém.

No entanto, existem ainda outros motivos para que os incêndios no Alentejo sejam bastante destrutivos: esta região é das menos vigiadas por postos fixos e com a pior cobertura de corporações de bombeiros e brigadas de primeira intervenção. Por isso, não surpreende que no ano passado, dos 196 fogos nesta região, 15 chegaram a ultrapassar os 10 hectares. Uma taxa de quase 8%, cerca de quatro vezes superior à média nacional. Ora, quando um destes incêndios "sobrevive" e atinge uma área vegetal contínua e com tempo seco, acontecem as desgraças. E milhares de hectares de floresta ardem, como palha».
in Diário de Notícias, 14 de Agosto de 2006

4 comentários:

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Apesar dos motivos que aponta, e que são correctos e bastante pertinentes, eu colocaria o "acento" na questão dos eucaliptais. Serra de Ossa? Eucaliptos (o autarca de Estremoz até se "orgulhava" de ter a maior mancha da espécie no país!). Nisa? Eucaliptos. Odemira? Eucaliptos. Mesmo em Portel, do que pude ler, as zonas mais afectadas incluíam pinhos e eucaliptos.

Não é necessário sublinhar o erro crasso de se plantarem extensões imensas com uma espécie altamente inflamável numa zona do país com um clima tão seco de Verão (no incêndio de Coimbra em 2005 houve registos de eucaliptos que explodiram, tal a quantidade de óleos essenciais que acumulam).

Claro que, perdido o controlo de um fogo nascente num eucaliptal, este irá varrer tudo, incluindo os ditos sobreiros...embora só aí, em montados ou florestas de sobro e azinho, ele vá abrandar na sua voracidade e tornar-se novamente controlável.


Claro que, em anos como 2003 ou 2005 (e mesmo no Verão passado), em que existe uma dispersão de meios tão grande (fruto de centenas de ignições simultâneas) também acabam por arder montados...não há bombeiros para tudo e precisamente por serem zonas desabitadas acabarão, eventualmente, por ser negligenciadas na hora de distribuir os meios de combate às chamas.

Entretanto, após o massacre de 2003, ao percorrer a zona de Nisa atravessada pelo IP2 vejo os mesmos campos povoados de eucaliptos...ter-se-á aprendido alguma coisa? Duvido.

Pedro Almeida Vieira disse...

De facto, os eucaliptais têm sido os mais afectados nos incêndios alentejanos, mas já se começa a verificar-se extensas zonas de montado de sobro e azinho afectadas pelos incêndios...

Anónimo disse...

Com a superficialidade característica da eucaliptofobia, o Pedro Nuno Teixeira dos Santos (PNTS) "esqueceu-se" de citar o incêndio de 2004 da serra do Caldeirão, de mais de 25 000 (vinte e cinco mil) hectares dominados por sobreirais, sem ignições simultâneas e sem povoações a distrair os bombeiros. (se quiser um exemplo fora de portas, passe pela serra de Cazorla, na Andaluzia...)

Alguma vez visitou essa brutal área de montado de sobro ardida e tentou explicar o porquê de algumas (infelizmente poucas!) manchas de sobreiro, cadastralmente distribuídas na paisagem, terem escapado quase intocadas à carbonização geral?

Será que algumas vez observou incêndios em matagais mediterrânicos (ex. Arrábida), naturalíssimos, ou em giestais e piornais das serras do norte, e comparou a sua intensidade e dificuldade de extinção com a dos malvados eucaliptais?

Será que PNTS acredita mesmo que eliminando o eucalipto da paisagem portuguesa (e, já agora, também o pinheiro bravo, a outra emanação do silvo-demo em Portugal), os incêndios deixarão de ter a prevalência que têm hoje em dia?

Enfim, como sempre, o melhor é tratarmos de legislar sobre o assunto e avisar os australianos, quanto antes, dos perigos que correm.

Um abraço, P. Faúlha

pedro disse...

Caro P. Faúlha,

Eu de facto devo ser muito ingénuo! Aliás, quem sou eu e de quanto vale a minha “voz”, quando comparado com pessoas (ingénuos como eu, por certo!) como o Jorge Paiva, o Gonçalo Ribeiro-Telles, o Eugénio Sequeira e tantos outros cientistas (alguns deles referências a nível mundial), que têm publicado tantos textos alertando sobre os perigos (não do eucalipto enquanto "árvore do demo") mas duma "eucaliptização cega". Lá fora são vozes ouvidas e respeitadas, cá dentro são "ingénuos" que padecem de "eucaliptofobia"...coisa estranha esta, sobretudo no caso de botânicos com o Jorge Paiva, que defendem todas as "plantinhas" mas que lhes deu para embirrar com os "malandros" dos eucaliptos!

O P. Faúlha não viu nunca pessoas com responsabilidade e conhecimento de causa atacar o "eucalipto". Viu sim, criticar a forma como este foi plantado de forma desordenada, independentemente do tipo de solo, clima, etc. Aliás, como refere, tal como aconteceu com o pinheiro bravo (acresce que, aqui, com a agravante de ter sido uma "florestação" forçada pelo Estado Novo que criou ódios e ressentimentos com a floresta que ainda hoje se mantêm); e que são aliás parte importante do problema.

Sim é certo que o fogo é um elemento regenerador dos habitats mediterrânicos e da Austrália. Está-me a dar essa novidade a mim??! Fiquei foi pasmado com a sua conclusão...já que assim é e que “tudo arde”, então não faz mal apostarmos em espécies altamente inflamáveis e plantá-las de forma desordenada por todo o lado. O senhor de facto acredita que um fogo, nas mesmas condições de temperatura/humidade/vento progride à mesma velocidade num montado de sobro do que num eucaliptal? Mais uma vez, "malandros" dos cientistas que nos têm andado a enganar estes anos todos...Nós somos tão ingénuos que até pensamos que o fogo só surgiu com o pinheiro-bravo e com o eucalipto e que antes nunca tinha havido incêndios. E sim, acreditamos piamente, que com a "despedida dos eucaliptos" nunca mais haveria fogos em Portugal.

E os efeitos das "bulldozers" que fazem os terraços para a plantação dos eucaliptos têm nos solos? E os efeitos que estes têm nos recursos hídricos? E na biodiversidade? Solo, água, biodiversidade, o que é isso?! Com toda a certeza que não precisamos disso para nada...invenções de "biólogos ingénuos". Aliás, Portugal nem deve ser o país da União Europeia com maiores problemas de desertificação.

A própria história nos tem dado brilhantes lições de como as monoculturas, sejam florestais ou agrícolas (como o caso da "campanha do trigo") têm contribuído para o desenvolvimento e progresso do país.

São também conhecidos os extraordinários efeitos que as grandes extensões de eucaliptos têm na manutenção das pessoas no interior; isto a menos que se considere que isto, o despovoamento, também não seja importante para o problema dos incêndios. E depois o que fazermos daqueles terrenos e da sustentabilidade após repetidos cortes, quando a cultura deixar de ser rentável? Abandonamos aqueles solos? Vamos voltar a revolvê-los com maquinaria pesada (a erosão é outro mito dos ingénuos), arrancamos as raízes, fazemos novas plantações?

O mais curioso é que já nem a própria indústria acredita que a produção de eucalipto seja sustentável no nosso país; aliás, nos últimos dez anos, "só" arderam 120 000 hectares de eucalipto no nosso país. Mas deve ser coincidência…

Com certeza que se houvesse uma política florestal com "cabeça, tronco e membros" haveria espaço para o pinheiro-bravo e para o eucalipto, mas não da forma maciça e desordenada como temos. Se acredito que este é que é o problema? Sim, absolutamente...mas o que sei eu, se não passo de um "ingénuo" a quem o ensinaram nos bancos da escola e da universidade a não ser mais do um pobre sofredor de "eucaliptofobia"!
Mas este também é um mal que não acaba em mim; parece, senhor P. Faúlha, que no chamado "3º mundo" também se levantam vozes contra as monoculturas de eucalipto que os grandes grupos de celulose da Europa lhes querem impingir...pobres "ingénuos" que não enxergam o brilho do petróleo verde! É uma pena a ingenuidade ser assim tão contagiosa.

Ponham um polícia ao lado de cada pirómano e comprem mais uns 500 aviões...plantem o que nos sobra de pinheiros e eucaliptos e vão resolver o problema! Estes milhares de hectares ardidos e de vidas humanas perdidas são apenas pequenos percalços...o incêndio do Caldeirão e o de Cazorla* provaram-nos que estamos no caminho certo! Nem mais um montado, aguarda-nos um futuro brilhante...como o petróleo mais verde.

Sempre ao dispor, com os melhores cumprimentos,

Pedro Nuno Teixeira Santos


* É curioso que tenha falado do Caldeirão e não de Monchique; é que eu conheço bem essas serras e sei bem como recuperaram os habitats de sobro e medronheiro por oposição aos eucaliptais de Monchique. Ainda há dias os vi com os meus olhos.
E é curioso também que tenha falado do incêndio de Cazorla e não do que aconteceu o ano passado na Galiza, região que também apostou no eucalipto...coincidências! E não se preocupe com os australianos, eles aprenderam a conviver com a sua flora autóctone. O problema são todos os outros, como os portugueses, que parente a dimensão dos fogos naquela país devem ter pensado que a culpa é dos australianos não terem bombeiros ou aviões suficientes. Se calhar até nos deveriam vir pedir lições a nós...