Farpas Verdes LXXVII
A privatização de 49% do capital social da Águas de Portugal - anunciada hoje em Conselho de Ministros - é um péssimo negócio para o Estado a médio e longo prazo e um péssimo prenúncio para o futuro dos consumidores, sobretudo do interior do país. Além disso, desconhecendo os moldes em que se vai processar, parece-me algo esquisito e que me deixa mesmo algumas dúvidas em relação aos cumprimentos das normas de apoio da União Europeia.
Como sabem, a Águas de Portugal foi uma empresa que nasceu e engordou às custas dos apoios financeiros da União Europeia, juntando os investimentos do sector das águas, esgotos e resíduos, além de outros segmentos mais reduzidos, como seja as energias renováveis e a reciclagem. Grande parte das empresas desta «holding» são detidas pelas autarquias em 49%. Tendo em conta que os investimentos que foram sendo feitas eram maioritariamente do Estado, esses apoios comunitários foram, por isso, majorados. Não sei como reajirá a Comissão Europeia quando souber que afinal quem vai beneficiar com tudo isto serão os privados. Esta história é a repetição daquilo que ocorreu com a PT e a EDP, com os resultados conhecidos para os bolsos dos consumidores portugueses.
Além disso, não se compreende - a não ser pela visão de um Estado que quer tapar buracos financeiros - que se esteja a descartar um sector essencial como seja o abastecimento «em alta» dos sistemas de saneamento básico. Não sou contra que os privados estejam à frente dos sistemas «em baixa» (p. ex., distribuição de água aos consumidores), mas existem perigos quando vão para além disso. Por outro lado, havendo privados em jogo mais dificil será ainda que sejam feitos investimentos em regiões carenciadas, como sejam as do interior - aliás, não é por acaso que mesmo estando o Estado maioritário à frente da Águas de Portugal não se tenha avançado quase nada, pelo que não é de esperar que os privados queiram meter dinheiro em sistemas que não são lucro.
Por fim, não consigo perceber como será a gestão futura das empresas multimunicipais. Até agora, grosso modo, o Estado (atraves da Águas de Portugal) detinha, pelo menos 51%, e as autarquias da região abrangida os restantes 49%. Ora, privatizando 49% dos 51% do Estado, significa que nenhuma entidade (nem o Estado, portanto) terá o domínio da empresa em matérias cruciais. Ou seja, no futuro, o Estado simplesmente perde o controlo da gestão corrente e dos investimentos das empresas multimunicipais, mesmo se continue a ser detentora de 51% da «holding».
Em suma, custa-me a ver aqui qualquer vantagem para os cidadão, que supostamente deveria ser o objectiva que norteia qualquer Governo...
5/17/2004
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