Pré-publicação de «Portugal: O Vermelho e o Negro»
Conforme prometido, publico no blog um dos capítulos do meu livro (sobre a polémica prioridade das casas em relação à floresta durante o combate aos incêndios), a ser lançado esta quinta-feira, dia 13 de Julho, pelas 17h30 na FNAC do Chiado, em Lisboa. Será conveniente referir que este texto não está editado (manuscrito), pelo que poderão existir pequenas diferenças entre este e o texto do livro publicado.
Pedro Almeida Vieira
BETÃO NA FLORESTA (pp. 314 a 327, no livro)Salvar pessoas, salvar casas, salvar a floresta – são, por esta ordem, as prioridades sempre seguidas em Portugal quando os incêndios assumem grandes proporções. A primeira prioridades tem uma tão cristalina e indiscutível lógica que nem merece justificações. Contudo, em abono da verdade, sobretudo em relação aos populares, não é precedência difícil de garantir: basta montar um bom sistema de protecção civil que garanta uma rápida evacuação em situações de risco – que, diga-se, nem sempre tem funcionado em Portugal nos últimos anos. Por exemplo, em 2003, das 20 vítimas mortais causadas pelos incêndios, 16 eram populares.
Quanto à ordem prioridade, já é questionável: que vale mais, uma floresta ou uma casa? Numa perspectiva económica, é ponto assente que, num grande incêndio, o prejuízo decorrente da destruição da floresta assume montantes muito mais elevados. Do ponto de vista ambiental e paisagístico, também – e não merece grande discussão. E ao nível do impacte social, depende do grau de destruição, mas os efeitos a médio e longo prazo os prejuízos são sempre maiores, porque os afectados são sempre em maior número, mesmo quando a floresta é pouco valorizada pelos proprietários. Em relação à capacidade de recuperação, a floresta também é mais afectada. Uma, duas ou até mais de uma dezena de casas podem ser reconstruídas num ano; uma floresta «reconstrói-se» ao fim de mais de uma dezena de anos.
Apesar disto, numa perspectiva mediática – e, portanto, política –, uma casa destruída pelo fogo acaba por ser mais importante. Podem arder mais de 10 mil hectares de floresta e «apenas» meia dúzia de casas e as atenções da imprensa e dos políticos vira-se para as habitações destruídas. O motivo é simples: as casas «gritam», a floresta não. Ou melhor, os donos das casas gritam, e os proprietários da floresta não. Pode sempre contrapor-se que a floresta ardeu por estar abandonada e assim os proprietários sofrem os prejuízos decorrentes das suas próprias falhas e omissões. Mas, se assim é, por que motivo também raramente se questionam os motivos para o «abandono» das casas, que as coloca a jeito de serem afectadas. Este termo não se refere à degradação do interior das habitações. O povo português, neste aspecto, costuma ser muito prendado da porta para dentro. A expressão «abandono» surge aqui em relação à zona envolvente à área da implantação da casa. De facto, quando uma casa é destruída no decurso de um fogo florestal algo de mal se passou. O fogo é o culpado, mas como é inimputável, não pode ser responsabilizado. Por isso, a responsabilidade é sobretudo da má localização dessa casa ou da sua desprotecção. Ou seja, se uma habitação não estiver numa zona de risco de incêndio não será consumida por um fogo florestal. E mesmo que esteja em zona de risco, se se cumprirem as regras de segurança, a probabilidade de ser atingida é relativamente reduzida.
Embora poucas vezes esta questão seja destacada, a existência de casas no interior ou nas imediações da floresta contribuem para um aumento do número de fogos e para que estes assumam dimensões catastróficas. No primeiro caso, devido à maior presença de pessoas estranhas à actividade florestal, aumenta a probabilidade de uso negligente de fogo. Sobretudo porque nas zonas rurais existe uma enorme tentação de usar fogueiras por tudo e por nada. Esse risco é agravado se estivermos perante habitações de segunda residência. Como o seu uso é periódico – por via do seu proprietário ser emigrantes ou ter a sua vida profissional noutra região –, as queimadas concentram-se assim no período de férias, coincidente com a época de maior risco de incêndios.
Porém, é no decurso dos incêndios que as casas constituem o maior perigo para a salvaguarda da floresta. Como a prioridade nas operações de combate está muito direccionada para a protecção de habitações, verifica-se em seu redor, invariavelmente, uma concentração de meios, quer bombeiros quer de veículos de extinção. Ora, em regiões com elevado número de casas em espaço florestal, agravado pela dispersão territorial, significa que se torna quase impossível definir uma estratégia eficaz de combate. E essa estratégia passa por evitar vítimas humanas e minimizar a área ardida.
A opção de preservar até ao limite toda e qualquer construção tem, muitas vezes, efeitos contraproducentes. A floresta fica desprotegida e o fogo tem assim a possibilidade de aumentar a sua intensidade e poder destrutivo. Nesse cenário, muitas mais casas a jusante da frente de fogo inicial podem vir ameaçadas e destruídas, perante a voracidade das chamas. Ou seja, o resultado da opção política de dar prioridade à protecção individual de habitações acaba por ser dramática: arde muito mais área florestal. E pior a emenda do que o soneto: o número de habitações destruídas pode ultrapassar aquele que se atingiria se, por razões estratégicas de eficácia no combate, a opção fosse «sacrificar» uma ou outra casa no período inicial de combate.
Claro que a tomada de decisões deste tipo – que deve ser técnica e sem pressões externas – será sempre sensível, do ponto de vista humano e político. E nem sempre compreensível a nível pessoal ou de pequenos colectivos. Mas em muitos casos de combate aos fogos jamais se conseguirá ter sol na eira e chuva no nabal. Quem espera, gananciosamente, agarrar três ovos lançados em simultâneo ao ar, pode ter sucesso se for malabarista ou sortudo; mas arrisca-se muito a parti-los todos. Por isso, evacuando-se as pessoas, de modo a evitar tragédias humanas, a prioridade seguinte e exclusiva deveria ser a protecção da floresta.
Para que esta opção fosse compreendida e aceite pela sociedade – o interesse público deve estar sempre acima dos interesses individuais –, a comunicação social tem um papel fundamental. Se em vez de os jornalistas irem a correr ouvir os lamentos das pessoas com casas destruídas, ou em vias disso, talvez devessem ter uma atitude mais pedagógica e crítica, procurando saber se as presumidas vítimas tinham tomado qualquer medida preventiva. Quem se molha, podendo ter usado um guarda-chuva, não se pode queixar por o Estado não lhe ter fornecido protecção contra uma gripe. Se o Estado assumisse publicamente que, em caso de incêndio, a protecção da floresta tinha prioridade sobre as habitações, muito provavelmente haveria mais cuidado no cumprimento das regras de segurança consignadas na lei. E o risco de destruição diminuiria.
O Governo poderia usar um método eficaz para fazer cumprir, de uma forma voluntária, essas medidas de segurança. Bastava decretar a obrigatoriedade de um seguro com cobertura sobre incêndios, que teria vantagens a vários níveis. Por um lado, o Estado – ou seja, os contribuintes – deixava de assumir o ónus de indemnizações e, paralelamente, obtinha mais verbas para o combate aos incêndios florestais. Por outro lado, tendo em conta que os prémios a pagar às seguradoras iriam variar em função do risco de incêndio, desincentivava a construção de habitações em espaço florestal ou, pelo menos, obrigava à tomada de medidas preventivas mais eficazes por parte dos proprietários. Tanto mais que o controlo das normas de segurança seria «assumido» pelas próprias seguradoras – de molde a definir o prémio a pagar –, aquando da realização do seguro.
A instituição de um seguro obrigatório da habitação para protecção contra incêndios deveria ser vista com naturalidade. Afinal, até já é obrigatório, por lei, em prédios urbanos. E ninguém contesta que também o seja para a circulação automóvel. Actualmente, em situações normais, um seguro de habitação, incluindo recheio, de protecção contra incêndios – que, por regra, também inclui cobertura contra terramotos, inundações e outros acidentes – tem um custo anual inferior ao de um habitual seguro automóvel. E se se tornasse obrigatório, abrangendo assim as cerca de cinco milhões de casas existentes em Portugal, até poderia tornar-se ainda mais barato, por razões de economia de escala. No limite, para evitar encargos incomportáveis para famílias comprovadamente desfavorecidas, poder-se-ia criar uma taxa suplementar – como a que existe no sector rodoviário para financiar o Fundo de Garantia Automóvel –, de modo a incluí-las na cobertura do risco. Mesmo sendo instituída a obrigatoriedade do seguro contra incêndios para as habitações, esta não deveria ser a única medida a ser tomada. Afinal, o seguro serve para precaver; não para incentivar atitudes negligentes.
A limpeza impossível
Quando se observam incêndios a «lamberem» habitações deve-se perguntar por que estão essas casas no meio da floresta? A questão é pertinente, porque entre floresta e casas não existe o eterno dilema sobre a origem primordial do ovo e da galinha. De facto, na quase totalidade dos casos, foi mesmo a floresta que «nasceu» primeiro do que as casas. Não se está aqui a defender uma separação física entre espaços florestais e aglomerados populacionais. A floresta pode, e deve, envolver as povoações, porque tem evidentes vantagens ecológicas, paisagísticas e emotivas. É até uma situação típica em muitos outros países e nem sequer é recente em Portugal.
De facto, apenas constitui um perigo se, como infelizmente acontece em Portugal, as autarquias não cumprirem a legislação que as obriga à redução do coberto arbórea e à desmatação de uma faixa envolvente aos perímetros urbanos. Esta omissão negligente é ainda mais indesculpável porque a legislação possibilita que as autarquias, invocando servidões, procedam a essas operações mesmo em terrenos privados. Esta questão é também extensível à limpeza de bermas das estradas e de outros caminhos rurais.
No entanto, em relação às habitações dispersas em espaço florestal, a situação é mais complicada, pois a desmatação e a redução de arvoredo tornam-se praticamente inexequíveis. Por um lado, mesmo se a Administração Pública decidisse ser rigorosa, estas operações são complexas, morosas e onerosas, pois estamos perante centenas de milhar de situações. Por outro, essas operações, a serem realizadas, implicam sempre a limpeza de uma maior área relativa em comparação com os aglomerados populacionais – e, portanto, com maiores custos.
Com efeito, se considerarmos uma aldeia de um quilómetro quadrado, onde existam 200 casas, a faixa de protecção será da ordem dos 44 hectares, enquanto para o mesmo número de habitações dispersas poderá atingir os 50 hectares. Mas existe um outro problema mais bicudo: a limpeza de terrenos arborizados na zona envolvente a casas dispersas implica terceiros, em muitos casos – ou seja, os proprietários da floresta que rodeia as casas. E que, por razões óbvias, não concordarão com desarborizações para protecção de bens alheios. Neste aspecto, a legislação é absurda, porque refere que são os proprietários dos terrenos – e não os donos das habitações –, os responsáveis por estas limpezas. Significa isso que se uma casa isolada estiver na extrema de uma parcela, parte da limpeza tem de ser suportada pelo seu vizinho.
Mas mesmo que, por hipótese académica, se conseguisse desmatar as áreas envolventes de todas as casas implantadas em espaço florestal, isto era um luxo. E uma medida de non sense. Afinal, os planos directores municipais referem, obvia e expressamente, que nesse espaços a produção florestal tem primazia sobre todos os outros usos. Ora, mas se as casas foram construídas pelas pessoas – e como não estamos no velho Oeste, embora por vezes pareça, onde cada um faz o que lhe apetece –, tem de se questionar como foi possível conceder as autorizações e respectivas licenças para a edificar em espaço florestal.
Por norma, costuma-se culpar o passado – ou seja, a outrora falta de sensibilidade para o planeamento e ordenamento do território. De facto, o processo de dispersão habitacional em Portugal, sobretudo em espaço florestal, começou há décadas ou mesmo séculos, fazendo parte integrante da ruralidade ancestral do país. Nessa altura não se sabia bem o que era isso de ordenar o território, nem se avaliam os custos que tal representava ao nível, por exemplo, das obras de saneamento básico. Porém, nessas épocas, os fogos também não assumiam um verdadeiro perigo. Julgar-se-ia que, com os planos directores municipais – elaborados e aprovados sobretudo durante a segunda metade dos anos 90 – esta permissividade seria alterada. Tanto mais que os fogos florestais, que então começam a recrudescer, constituíam um argumento suficientemente forte para conter essa dispersão habitacional.
Nos respectivos planos directores municipais, a esmagadora maioria das autarquias mais afectadas pelos incêndios até destaca a importância e os riscos da sustentabilidade da floresta Muitas até elaboraram cartografia que delimitou expressamente os espaços florestais – em grande parte dos casos, com subclasses de uso – e incorporaram as zonas de maior risco de incêndio, fazendo também referência à legislação de 1990 que próibe alterações de uso do solo em áreas afectadas pelos incêndios. Por regra, os regulamentos também definiram normas para a introdução de espécies folhosas em povoamentos contínuo e mesmo a proibição de se exceder determinada área de eucaliptais.
Mas isso foi apenas boas intenções. Como os planos directores municipais sempre foram assumidos pelos autarcas como meros instrumentos para encaixar dinheiro, incentivou-se a «sementeira» de casas à tripa forra. E assim, na generalidade dos casos, em espaços florestais apenas se interdita a construção em Reserva Ecológica Nacional. De resto, qualquer construção, independentemente do maior ou menor risco de incêndio, é autorizável. Depois, quando ardem casas – ou para que sejam protegidas, extensas áreas de florestas são dizimadas –, surgem os autarcas lamurientos, a queixarem-se da desgraça. E pior: surgem a fazer reivindicações, quando deviam pedir desculpa e assumir responsabilidades.
Planos incendiários
Uma consulta aos planos directores municipais é bastante elucidativa para se confirmar a ausência de sensibilidade dos políticos portugueses em matéria de ordenamento do território e de prevenção dos incêndios. De facto, em muitos municípios basta possuir uma parcela mínima superior a cinco mil metros quadrados (0,5 hectares) para construir. Em alguns desses instrumentos de pseudo-planeamento é mesmo referido que a habitação dispersa é, pasme-se, «expressamente autorizada» em espaços florestais ou agro-florestais. Mesmo quando essas zonas são um autêntico barril de pólvora por se inserem em zona de elevado risco de incêndio. A única excepção que se encontrou foi no município de Caminha, em que o regulamento do plano director municipal expressamente proíbe a construção de qualquer edificação em espaço florestal, invocando o risco de incêndio.
Perante este generalizado facilitismo, a construção dispersa e em espaço florestal – mesmo em concelhos em perda demográfica – aumentou significativamente. Pudera: os terrenos florestais são muito mais baratos do que os localizados em perímetros urbanos. O resultado disto foi, durante a última década, um boom na construção de vivendas de segunda habitação, para especulação imobiliária e de maisons de emigrantes. Não constitui, por isso, surpresa que 327 das 530 habitações ardidas nos incêndios de 2003 fossem de segunda residência.
A «benevolência», em prol da construção dispersa em espaços florestais, de muitos planos directores municipais é quase criminosa. Não se está perante um acto de imprudência, de negligência ou de incompetência – é puro dolo, porque se sabia que essas zonas eram ciclicamente devastadas pelos incêndios. Veja-se, por exemplo, o quadro 44, onde se sintetizam as normas previstas nos planos directores municipais dos 23 concelhos mais fustigados pelos incêndios. Com umas diferenças de pormenor, todos possibilitam a construção de habitações, e mesmo de edifícios turísticos, em espaços arborizados, apenas com algumas restrições em municípios que, nos espaços florestais, têm um subgrupo denominado de «protecção». O grau de destruição dos incêndios do último quinquénio comprova, assim, a irresponsabilidade de quem elaborou, aprovou e ratificou estes planos de (des)ordenamento. Ou seja, dos consultores, dos autarcas e dos Governo, tanto do Partido Social Democrata quer do Partido Socialista.
Quadro 44 – Síntese das normas regulamentares dos planos directores municipais para construção em espaço florestais nos concelhos mais ardidos
Concelhos | Normas previstas no PDM em espaços florestais |
Loulé | Permitida a reconstrução, alteração e ampliação de habitações, bem como de unidades de agro-turismo, turismo rural e turismo de habitação. Apenas nos espaços florestais de «produção-protecção» se é mais exigente, somente possibilitando edifícios de apoio às actividades agrícolas e florestais desde que as propriedades tenham mais de cinco hectares. |
Sabugal | Permitida a construção de habitação unifamiliar, equipamentos de interesse municipal e unidades industriais, desde que a parcela de terreno tenha mais de 0,5 hectares |
Proença-a-Nova, Sertã, Oleiros e Vila de Rei | Apenas é proibida a construção em espaços florestais de «protecção». Nos restantes zonas florestais («produção», «produção condicionada» e «reconversão») são autorizadas construções de habitação, turismo, instalações agro-pecuárias e edificações de interesse público. A área mínima para se poder construir é de 0,5 hectares em Vila de Rei e de 0,4 hectares nos restantes. De acordo com estes quatro PDM, o licenciamento de habitações nestas zonas deve ter em conta «critérios no âmbito da prevenção de fogos florestais», que não são clarificados. |
Abrantes | Autorizada a construção de habitação até três pisos em terrenos que possuam a área mínima de cultura, definida por lei, embora a portaria que a estabelece se aplique apenas a parcelas de culturas arvenses, hortícolas ou regadio. É também permitida a edificação de equipamentos turísticos com uma densidade máxima de 60 habitantes por hectare. |
Guarda | Permitida a construção de habitação isolada, equipamentos turísticos e outros de interesse municipal em parcelas superiores a 0,5 hectares, |
Chamusca | Permitida a construção de habitação isolada, sem ser definida área mínima da parcela. A habitação pode ter dois pisos e um índice máximo de construção de 15%, sem exceder os 250 metros quadrados. |
Nisa | Permitida a construção de dois fogos de dois pios por parcela de terreno, sem definir área mínima. A área máxima de construção é de 750 metros quadrados de pavimento, desde que não exceda os 5% do total da parcela de terreno. Para unidades hoteleiras, basta uma área superior a 0,5 hectares. |
Celorico da Beira | Permitida construção de habitação unifamiliar e de equipamentos turísticos, bastando que parcela tenha mais de 0,75 e 1,5 hectares, respectivamente |
Arganil | Nas áreas florestais, é permitida a construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e até 160 metros quadrados, em parcelas de terreno superiores a 0,5 hectares. Nas zonas agro-silvopastoris, é permitida a construção em parcelas superiores a 0,35 hectares com um índice de construção de 5%. |
Vila Pouca de Aguiar | Permitida a construção de habitação unifamiliar e de instalações hoteleiras até dois pisos e uma área máxima de 250 metros quadrados (ou índice de utilização de 5%), bastando parcelas com mais de um hectare. O regulamento obriga à manutenção ou criação de uma área arborizada superior a 75% da parcela, o que aumenta ainda mais o risco de incêndio. |
Seia | Permitida a construção de habitação unifamiliar em parcelas superiores a três hectares. Possibilita também a construção de equipamentos de turismo. |
Miranda de Corvo e Vila Nova de Poiares | Permitida habitação unifamiliar com dois pisos e um máximo de 250 metros quadrados em parcela superior a um hectare, obrigando à manutenção ou criação de uma área arborizada superior a 75%. Em Miranda do Corvo, possibilita-se ainda a construção de hotéis com um índice de utilização de 5% da parcela. |
Monchique | O PDM permite apenas as construções de equipamentos hoteleiros em espaços florestais, devendo ter mais de 40 quartos e uma área mínima da parcela de seis hectares. Porém, possibilita edificações dispersas em todo o concelho. Nestes casos, a parcela deverá ter, pelo menos, 0,1 hectares, podendo-se construir até 250 metros quadrados. |
Pampilhosa da Serra | Em zonas florestas, é permitida construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e área máxima de 250 metros quadrados, em parcelas superiores a 0,5 hectares. Nas zonas agro-silvopastoris, a parcela deverá ter mais de 0,5 hectares e o índice de utilização bruta não pode exceder os 5%. |
Gouveia | Permitida a construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e área máxima de 200 metros quadrados, em parcelas com mais de 0,5 hectares. Para os equipamentos turísticos, a parcela terá de ser superior a 0,2 hectares e o índice de ocupação inferior a 15%. |
Mação | Permitida a construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e até 250 metros quadrados, em parcelas de terreno superiores a 0,5 hectares |
Pombal | Nos espaços florestais, permitida a construção de habitação e equipamentos hoteleiros e colectivos, com índice de ocupação de 0,5% e uma altura de 7,5 metros, em parcelas superiores a 4 hectares. Nos espaços agro-florestais, possibilita a construção em parcelas superiores a 0,5 hectares e um índice de ocupação de 250 metros quadrados ou de 1,25% em parcelas superiores a dois hectares. |
Odemira | Em espaços «agro-silvopastoris categoria I», permite habitação e unidades de turismo rural, com índice utilização bruta de 2%, em parcelas que cumpram a unidade mínima de cultura, embora a portaria que a estabelece se aplique apenas em parcelas de culturas arvenses, hortícolas ou regadio. Nos espaços a«gro-silvopastoris categoria II», possibilita a construção de habitação com, pelo menos, 100 metros quadrados, cumprindo um índice de utilização bruta de 0,2%, o que implica a necessidade de uma parcela superior a cinco hectares. |
Silves | Permite em espaços florestais a construção de habitação e equipamentos de turismo, obrigando, em casos de edificação dispersa, à existência de uma parcela mínima de 0,05 hectares, uma taxa de ocupação de solo de 45%. Pode-se construir dois pisos mais cave. |
Fonte: ICNM/Diário da República.
Em finais de Abril de 2006, o Governo aprovou um diploma que proíbe a construção de habitações em espaços florestais em zonas de risco. Esta é, sem dúvida, uma medida positiva – embora demasiado tardia. E está longe de solucionar o problema: mesmo sem mais casas, a situação mantém-se dramaticamente perigosa, pois o que já existe espalhado pelo país é excessivo. Por outro lado, convém saber como se irá aplicar essa nova norma, uma vez que os planos directores municipais terão de ser alterados para incorporarem essa nova proibição.
Por fim, convém saber se, na prática, esta legislação será aplicada no terreno. Por exemplo, a lei que proíbe alteração do uso do solo em zonas queimadas praticamente não tem tido qualquer efeito, sobretudo se as áreas queimadas foram relativamente reduzidas. Por uma razão simples: as autarquias não recebem, por parte da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, a cartografia das áreas queimadas, de modo a que esta norma seja aplicada. Além disso, há sempre uma forma de contornar esta interdição. Basta que não fique provado que o promotor imobiliário não tenha tido interesse em beneficiar com o fogo. Ora, como se faz pouca investigação das causas – e apenas se conhece pouco mais de 3% das causas dos fogos –, é quase impossível determinar relação de causa-efeito com interesses urbanísticos. Na verdade, nem faz qualquer sentido que alguém coloque um fogo para depois construir em espaço florestal, quando até agora se poderia à mesma construir sem a floresta ter sido queimada.
Na verdade, esta lei jamais poderia ter qualquer efeito, porque mesmo que se provasse que um proprietário tinha colocado um fogo, quanto muito ele ficaria proibido de alterar o uso no seu terreno, mas os seus vizinhos – alheios à situação – já poderiam modificar e construir. O concelho de Monchique é um caso paradigmático: desde 1995 já houve dois despachos governamentais que concederam um levantamento da interdição por os incêndios se terem ficado «a dever a causas a que os proprietários dos imóveis (...) são alheios».
Para além das autorizações de construção dispersa, muitas autarquias também decidiram «comer» zonas florestais, integrando-as em áreas de expansão urbanística. Mesmo se as árvores lá se mantiveram, o que até foi preferível para os empresários do imobiliário, pois dá sempre jeito ter árvores junto aos empreendimentos. Assim, estes são valorizados e nem se precisa de gastar dinheiro em espaços verdes. Com esta transformação de áreas não urbanizáveis em áreas urbanizáveis – processo obscuro que permite enriquecer de um dia para o outro –, perdeu-se zonas de produção florestal e aumentou-se o risco de destruição causada pelos incêndios.
Nesta corrida a favor da «betonização» do país, nem os espaços sob protecção do regime florestal têm escapado. Desde 1999 até Janeiro de 2006, o Governo, com o beneplácito da Presidência da República e para satisfação dos apetites autárquicos, já concedeu a exclusão do regime florestal – ou seja, a permissão de alteração de uso – por 37 vezes, abrangendo mais de 240 hectares. Aquilo que até aos anos 90 era uma excepção, é agora algo que se processa com a maior naturalidade e frequência, envolvendo áreas florestais cada vez mais extensas. O destino é o mais diverso: zonas industriais, construção de habitação, estradas, aeródromo, campos de tiro e equipamentos desportivos, de lazer e comércio. Ou seja, «produz-se» terreno lucrativo a partir do barato. Neste lote incluiu-se ainda terrenos destinados ao quartel dos bombeiros voluntários de Pataias (concelho de Alcobaça), à Casa do Povo de uma freguesia de Chaves, à sede do conselho directivo de uns baldios na Covilhã e até para um depósito e armazém de gás, em Mértola. Tudo serve.
Nestas exclusões encontram-se vários casos de duvidosa legalidade, pois o interesse público – única situação em que a lei permite a exclusão do regime florestal – não é descortinável, sobretudo quando se está perante a construção de empreendimentos imobiliários, turísticos e comerciais. E há também uma situação que abriu um perigoso precedente: em Fevereiro de 2003, a autarquia de Vila Nova de Cerveira conseguiu obter do Governo a exclusão do regime florestal de uma área de 8,4 hectares pertencentes a um baldio, que estava classificada no plano director municipal como espaço urbanizável, o que legalmente não deveria ter sido permitido. No preâmbulo, justificou-se essa exclusão por já existirem casas ilegais que era «necessário» legalizar.Ou seja, outras comissões de baldios podem também vir a usar semelhante expediente, tornando-se assim em empresários imobiliários, dado que a legislação permite alienações de parcelas para urbanização, caso as áreas não estejam sob regime florestal.