7/31/2006

A prova de fogo vai começar

Eu sei que escrevi um romance intitulado «O Profeta do Castigo Divino» e que não me apetece estar a ser «o profeta da desgraça». Contudo, tenho a obrigação de relembrar que, no passado dia 20 de Julho, escrevia aqui sobre os perigos da confiança em relação aos incêndios florestais, que este ano ainda não atacaram em força. Referia mesmo que «se houver duas semanas seguidas sem chuva em território nacional, o país começa a arder forte e feio à segunda semana. E tanto mais quanto maior for a sensação (enganadora) de que existe uma boa eficácia da vigilância e do combate».

Pois bem, vamos iniciar a segunda semana em que praticamente não choveu em território português. As previsões meteorológicas apontam mesmo para um aumento das temperaturas máximas. A «prova de fogo» vai começar agora. Se o «sistema» conseguir portar-se bem, então começo a acreditar que algo mudou em relação ao ano anterior.

No entanto, convém referir que, na minha opinião, este ano será bom se arder menos de 50 mil hectares; razoável se arder entre 50 mil e 75 mil hectares; sofrível se arder entre 75 mil e 100 mil hectares. E péssimo se arder mais de 100 mil hectares. Claro que se o valor rondar os 100 mil hectares, o Governo aprestar-se-á a felicitar-se e a comunicação social vai certamente atrás. Mas esse é um problema crónico da falta de memória: nas décadas de 70 e 80, anos com pouco menos de 100 mil hectares eram considerados catastróficos. Contudo, a percepção do drama modificou-se depois de já ter ardido 426 mil hectares em 2003 e 325 mil em 2005.
A qualidade paga-se cara

Na quarta-feira passada fui ao Porto receber uma «menção honrosa» de um prémio de jornalismo organizado pela empresa pública Águas do Douro e Paiva, por uma reportagem que publiquei na extinta Grande Reportagem. O digno vencedor foi uma equipa de jornalistas do jornal Água & Ambiente, tendo um trabalho da Rádio Renascença recebido a outra «menção honrosa».

Tive oportunidade de referir, na sessão de entrega, um aspecto preocupante que se verifica actualmente na imprensa dita generalista: a «dificuldade» cada vez maior em se publicar temas ambientais e sobretudo com alguma profundidade. Mesmo se o trabalho que publiquei na Grande Reportagem tinha apenas seis páginas já não permitia explanar um assunto de grande importância - a existência de várias regiões do país ainda sem água canalizada e muitas outras em que a água não tem qualidade -, actualmente não conseguiria sequer ter esse espaço. Longe vão os tempos (e não são assim tão longínquos) em que havia espaço para investigar e reflectir. Hoje tudo se faz pela rama, por vezes sem rigor, alegadamente porque os leitores «não querem». É pena que a imprensa generalista - e sobretudo a de referência - não veja ainda que a quebra nas vendas é fruto da fraca aposta na qualidade...

Nota: Que não se veja este meu post como uma desculpa ou uma postura de mau perdedor: não foi, acredito, por uma questão de espaço que o dossier (muito completo) da Água & Ambiente foi a vencedora...

7/30/2006

Choque tecnológico descarrilado

Nunca consegui compreender os motivos para que uma viagem de comboio na principal linha do país (Linha do Norte) sofra constantes perdas de rede dos telemóveis. Será que o TGV vai ser útil apenas para diminuir o nosso tempo de irritação perante as faltas de sinal sempre que se pretende fazer uma chamadita?

7/24/2006

O polvo autárquico

Encontra-se na ordem do dia, uma discussão deveras interessante: as empresas municipais em Portugal e, com especial destaque, a acumulação de cargos de autarcas nas ditas. De repente, o Governo parece ter reparado que daqui a nada há mais empresas municipais do que municípios e que existem duplicações de tarefas, remunerações principescas, salários de autarcas «inflacionados», endividamento autárquico encapotado, etc., etc., etc..

Sobre esta matéria, convenhamos que devo ser - sem que seja motivo de orgulho - das primeiras pessoas deste país que antecipou a criação destes polvos autárquicos. Em 2001, como jornalista do Expresso, fiz uma exaustiva - e custosa - investigação de meio ano sobre este mundo empresarial, abordando as empresas muncipais e todas as outras sociedades empresariais ou pseudo-empresariais. O resultado deste trabalho seria publicado em sete edições do Expresso, entre 5 de Outubro e 17 de Outubro de 2001. Descobri de tudo: aproveitamento das empresas para fugir à fiscalização do Tribunal de Contas ou para permitir um maior endividamento das autarquias, acumulações de salários, autarcas «sem trabalho» porque tudo era feito pelas empresas, departamentos autárquicos que se mantinham apesar da existência de empresas municipais, empresas municipais em falência técnica, sobreendividadas ou com objecto social caricato. Enfim, uma autêntica «salada de polvo» (aliás, havia, e penso que ainda há, uma que apenas fazia uma acção por ano: um festival de marisco...).

Nessa altura - e entretanto a «coisa» ainda piorou -, os municípios com 5 ou mais entidades empresariais com participação autárquicas eram os seguintes:

Porto — 22 entidades autárquicas de cariz empresarial; Lisboa — 17; Braga — 15; Vila Nova de Gaia — 14; Aveiro — 10; Loulé — 10; Sintra — 10; Cascais — 9; Faro — 9; Coimbra — 8; Oeiras — 8; Figueira da Foz — 7; Guarda — 7; Guimarães — 7; Leiria — 7; Matosinhos — 7; Ourém — 7; Torres Vedras — 7: Vila do Conde — 7; Viseu — 7; Alcanena — 6; Barcelos — 6; Évora — 6; Mafra — 6; Marinha Grande — 6; Portimão — 6; Arcos de Valdevez — 5; Batalha — 5; Bragança — 5; Elvas — 5; Esposende — 5; Grândola — 5; Loures — 5; Olhão — 5; Ovar — 5; Penacova — 5; Póvoa de Varzim — 5; Sta. Maria da Feira — 5; Silves — 5; Viana do Castelo — 5; Vila Real — 5

No final desta investigação, o então Governo socialista prometia rever a legislação. Cinco anos depois, estamos na mesma. Ou pior, porque pelo que pressinto, há mais empresas, mais acumulação de salários e maior endividamento.

No Reportagens Ambientais coloquei o primeiro desses textos publicado no Expresso.

7/23/2006

Um pequeno exercício de estatística

O país está relativamente calmo em relação ao fogos. Nota-se um sorriso de triunfo no Governo. No último relatório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) destaca o facto de «a área ardida é mesmo significativamente inferior a qualquer dos anos do período em referência» (até 15 de Julho). Festejos não são convenientes: a história dos últimos anos falam por si. Por exemplo, em 2003 até esse período de referência ardeu apenas 5% do total do ano. Ou seja, as coisas até estavam aparentemente a correr bem a meio de Julho (na verdade, na primeira quinzena de Agosto é que as coisas se complicaram, tendo ardido só nesse período mais de 300 mil hectares). Já em 1998, a «coisa» estava a correr aparentemente bem: até 13 de Julho ardera apenas menos de 4.500 hectares. Ou seja, cerca de 3% das contas finais do ano (e assumindo como válidos os 158 mil hectares que então o Governo indicou, já que o Instituto Superior de Agronomia apuraria mais tarde, através de imagens de satélite, que a área teria sido superior a 230 mil hectares). Se o presente ano tiver um comportamento estatitisticamente semelhante a 2003, arderá portanto cerca de 191 mil hectares.

Claro que a situação pode ser mais favorável e termos um ano de 2006 semelhante a 2004. OU seja, até 15 de Julho, tinha ardido 30% da área do ano. Se isso se verificasse no presente ano, então arderá 32 mil hectares. o quie seria excelente. No entanto, em 2004 choveu quase todo o mês de Agosto...

Ou seja, entre a chuva de Agosto de 2004 e a falta de chuva de Agosto de 2003: assim se decidirá o ano de 2006 em matéria de incêndios florestais.

Nota: Cada vez entendo menos as estatísticas da Direcção-Geral dos Recursos Florestais. O último relatório refere que em 2005 ardeu 338.262 hectares. No início do ano, o relatório final de 2005 referia 325.226 hectares. E este valor já era uma correcção dos números apontados anteriormente: cerca de 299 mil hectares. Afinal, em que é que ficamos?

7/22/2006

Confesso que tenho medo, muito medo

O secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, João Ferrão, referiu ontem que o Governo está empenhado na «credibilização» do sistema de ordenamento territorial, referindo que é «lento, ineficiente e burocrático». Esperemos que esse empenho não faça com que fique «rápido e desburocrático», mas se mantenha «ineficiente». Ou seja, que se constitue a descaracterização do território. É um risco elevado que se corre, sabendo-se da vontade de dar «corda livre» aos autarcas em relação à aprovação dos planos directores municipais.
Assim estamos esclarecidos...

A Direcção de Informação da RTP revelou que este ano há orientações expressas aos jornalistas para não darem imagens redundantes sobre os incêndios, não interpelarem populares que nada têm a ver com o assunto nem tão-pouco colocar questões sobre a eventual causa dos incêncios, além de «obrigar» a que seja feito um acompanhamento da situação dos fogos activos de edição em edição.

Este esclarecimento é bem-vindo e concordo a 100% - no meu livro critico a forma como a comunicação social tem vindo a acompanhar, em anos anteriores, a situação dos fogos. Porém, este é um caminho «perigoso». Se a auto-regulação é adequada, convém saber se não se transformará em censura quando surgirem incêndios de grandes proporções.

7/21/2006

Bem-vindas, noites tropicais

Ontem também verifiquei um outro claro sinal de falta de rigor jornalístico que muito me chocou: noticiou-se a existência de um recorde de onda de calor em várias regiões do país, por causa de anormais temperaturas quentes durante a noite. De forma, indirecta dava a entender que o país até se tinha safado bem com os incêndios, mesmo devido à tal onda de calor.

No entanto, na verdade, uma onda de calor ao nível das temperaturas mínimas nada tem a ver com uma onda de calor com temperaturas máximas. Do ponto de vista da saúde pública, temperaturas à noite elevadas têm um impacte fortíssimo na população idosa, mas ao nível dos fogos é irrelevante (porque será sempre inferior à temperatura durante o dia...).

Por outro lado - e mais importante ainda para a situação dos fogos -, as características desta onda de calor foram favoráveis para os bombeiros: as noites foram «tropicais», isto é, quentes, mas com elevada humidade relativa (dificultando a propagação do fogo). E melhor ainda: choveu copiosamente (alagando o solo e a molhando bastante a vegetação). Em algumas zonas do país (por exemplo, Bragança) em apenas dois dias choveu mais do dobro da média do mês de Julho. Mas as notícias na comunicação social omitiram isto (espero que por desconhecimento).

Em suma, as noites tropicais (que resultaram na onda de calor devida às temperaturas mínimas) foram uma das causas para que a primeira quinzena de Julho não tivesse sido muito incendiável. Ou seja, uma situação anormal de Verão mediterrânico que, neste caso, foi bom para que não houvesse incêndios catastróficos. Mas somente a isto se deveu; não à eficácia dos bombeiros...

7/20/2006

Dois exemplos de péssimo jornalismo

1 - Não houve uma alminha de caneta na mão ou de microfone em riste que tivesse a coragem de pedir ao ministro António Costa que esclarecesse o que significa «problemas de coordenação da acção no terreno» como uma das causas para a morte dos seis bombeiros na Guarda. E já agora perguntar-lhe se não acha que os «dois fenómenos relacionados com o comportamento do fogo», que também contribuíram para essa tragédia, são situações usuais em fogos florestais...

2 - Enquanto isso, a Lusa achou que merecia notícia «um incêndios que deflagrou às 15:59 na cidade de Lisboa, numa zona de mato junto à estrada da Torre, Lumiar», em Lisboa, e que foi extinto 14 minutos depois». Será que a agência Lusa - a mesma que não pediu esclarecimentos ao ministro António Costa sobre as responsabilidades na morte dos bombeiros da Guarda -, vai passar agora a noticiar todos os fogos de meia dúzia de metros quadrados que existem no país?
Os perigos da confiança

Embora de uma forma muito discreta, tornou-se evidente que a postura da comunicação social, sobretudo das televisões, perante os incêndios se modificou relativamente aos anos anteriores. Se nos anos anteriores, os incêndios eram catapultados para o «prime-time» dos noticiários, este ano as televisões têm sido bastante parcimoniosas. Não fiz nenhuma análise exaustiva, mas no fim-de-semana passado foi evidente uma nova postura: dois grandes incêndios (Viana do Castelo e Vale de Cambra) foram secundarizados (sem uso de imagens) e foram apresentadas reportagens sobre as brigadas helitransportadas da GNR e a vigilância dos Escuteiros. Paralelamente, a campanha de sensibilização do Governo/Forestis está em força, embora com mensagem inócuas, não fosse o lema dessa campanha inócua em sim mesma («verde ou cinzento, a escolha é sua...). No domingo em que morreram os bombeiros na Guarda foi por demais evidente a quase ostracisação a que foi votada esta tragédia por parte das televisões - na SIC e RTP foi até caso escandaloso.

É certo que, este ano, não têm ocorrido casos demasiado graves. Ainda. Nem seria de esperar, porque não é suposto termos muitos incêndios catastróficos nesta altura do ano, além de que as condições meteorológicas têm ajudado (ou seja, tem chovido de quando em vez). O grande problema é que, ao secundarizar-se em demasia alguns incêndios importantes, e dando um excessivo destaque às supostas melhorias no combate e na vigilância (que é mais aparente do que real, porque, por exemplo, o raio de acção das brigadas helitransportadas é muito limitado...), dá-se uma perigosa sensação de segurança. E é perigosa, por não ser real.

Uma coisa vos garanto, se houver duas semanas seguidas sem chuva em território nacional, o país começa a arder forte e feio à segunda semana. E tanto mais quanto maior for a sensação (enganadora) de que existe uma boa eficácia da vigilância e do combate.

Adenda: Na edição do Público de hoje, refere-se numa breve que arderam 400 hectares de uma zona de protecção prioritária do Parque Natural do Vale do Guadiana. Na comunicação social, quase não se deu por este incêndios. No ano passado, um fogo de menor dimensão na Tapada de Mafra fez aberturas de telejornal. Longe da vista, longe do coração...

7/19/2006

Parque Natural da Serra do Fogo

A pretexto da intenção do Instituto de Conservação da Natureza em reduzir em 12% a área do Parque Natural da Serra da Estrela, escrevi na edição de segunda-feira passada do Diário de Notícias, dois artigos, um dos quais não surge na Internet ( outro pode ser lido aqui). Por isso, opto por aqui o colocar, de modo a mostrar como os incêndios recorrentes naquela região acabam por empobrecer a paisagem natural daquela região.

No tempo dos romanos, chamaram-lhe Montes Herminius, em honra de Hermes – deus grego da eloquência, protector dos pastores, dos rebanhos e animais selvagens, mais tarde também do comércio. Agora dá pelo nome de Serra da Estrela. Mas dever-se-ia denominar Serra do Fogo. De facto, apesar de ser uma área protegida desde 1976, esta é uma das regiões de Portugal mais fustigada pelos incêndios. Mais de matos do que floresta, porque esta cada vez mais tem sido dizimada nas últimas duas décadas.

De acordo com dados do Instituto de Conservação da Natureza, desde 1992 as chamas já visitaram 58 mil hectares do Parque Natural da Serra da Estrela, ou seja, 58% do total. Somente nos últimos três anos foram mais de 20 mil hectares, cerca de cinco vezes o tamanho da cidade do Porto. Uma taxa de devastação impressionante, tendo em conta que, em igual período, no território português esse valor ronda os 22%, já de si um dos valores mais elevados à escala mundial. Esta situação não surpreende. Considerando os seis concelhos com território integrado nesta área protegida, o menos incendiável tem sido a Covilhã: desde 1990, as chamas afectaram uma área equivalente a 60% da sua superfície. Guarda, Celorico da Beira, Seia e Gouveia estão no lote dos 25 municípios portugueses mais queimados desde os anos 90.

Os dois últimos municípios – aqueles em que o Governo pretende retirar território à área protegida – são mesmo autênticas tochas. O município da Gouveia é o terceiro mais incendiável do país (ardeu, desde 1990, cerca de 107% da sua área), enquanto Seia ocupa a sétima posição (101%, desde 1990). O facto de a destruição ultrapassar os 100% do seu território em tão curto espaço de tempo, significa que as recorrências do fogo são bastante frequentes. Embora as causas dos incêndios sejam pouco estudadas, aparentemente a queima de matos por pastores, para renovação das pastagens, estão na origem da maioria das ignições.

O Ministério do Ambiente tem tentado relativizar o problema dos fogos nas áreas protegidas, considerando que existe capacidade de regeneração, mas esta torna-se impossível quando os incêndios se sucedem num curto espaço de tempo. Mesmo com a aprovação de um plano de minimização – e «de uma grande aposta em matéria de prevenção de incêndios», como adiantou à Lusa o director da maior área protegida do país, Fernando Matos –, ainda na semana passada arderam mais 600 hectares, no incêndio que causou a morte de seis bombeiros na Guarda.

Deste modo, não admira assim que até seja verdadeiro o argumento do director do Parque Natural da Serra da Estrela em apontar, como razão da desanexação de 12 mil hectares com estatuto de conservação, «a degradação e ausência de valores naturais assinaláveis» em algumas zonas desta área (pouco) protegida.

7/18/2006

De repente, a eficácia

Não existem fogos activos esta tarde. Hoje de manhã choveu em Portugal. Atenção que isto foi uma coincidência, dirá o Governo e o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil: oficialmente, os fogos foram extintos, de repente, por causa da eficácia do combate...

Nota, agora a sério: Na verdade, esta situação apenas confirma a minha tese: no Verão apenas não arde quando chove...
Saia um Beriev, fáxfavor...

Um fogo lavra desde domingo em Vale de Cambra. O comandante dos bombeiros voluntários local faz o habitual choradinho da falta de meios aéreos. Não tem um Beriev no seu fogo. Como não sabe circunscrever um incêndio sem meter os auto-tanques a esguichar água, desculpa-se com o terreno acidentado e quer aviões pesados a despejar... água. Claro que a culpa da desgraça vai sempre ser da falta de meios aéreos...

Entretanto, José Bastos, presidente da autarquia, explicou à TSF que accionou o Plano de Emergência Municipal, mas quando o jornalista lhe pergunta o que isso significa, ele balbuciando explica que «estamos todos de prevenção», que comunicou essa decisão ao Governo Civil de Aveiro, à GNR e ao centro de saúde e que estão todos «preocupados» para tentar resolver a situação o mais rápido possível.

Mas parece que a coisa não é assim tão preocupante: o fogo, segundo este autarca,
«ainda só está na mata, numa zona de pinheiro bravo, que não tinha ardido no ano passado - vai arder provavelmente este ano -, mas não há pessoas nem bens em risco. Só mata» (sic, com negritos da minha autoria). Cortesia: TSF (consultar aqui).

7/17/2006

Pequeno manual (de trazer por casa) para entender os fogos

Eis um pequeno e expedito manual para acompanhar e prever a evolução dos incêndios online, de acordo com a informação do SNBPC (ver aqui):

1 - Caso um incêndios tenha, na fase de ataque, mais de 100 bombeiros, significa que está descontrolado e a probabilidade de durar mais de 24 horas é muito elevada. Esta premissa aplica-se sobretudo em incêndios no interior do país.

2 - Se a proporção entre veículos e bombeiros está compreendido entre 1/3 e 1/4, significa que se está a usar apenas água, sem existir trabalho de sapador. Ou seja, por cada auto-tanque
, há um bombeiro que segura na agulheta; os restantes seguram na mangueira.

3 - Se um incêndio tem, no teatro das operações, o segundo comandante distrital significa que o incêndio está descontrolado; se estiver o primeiro comandante distrital significa que está caótico.

4 - Se um incêndio está não circunscrito, significa que não se sabe quando estará extinto. Se um incêndio está circunscrito, significa, TAMBÉM, que não se sabe quando estará extinto.

5 - Se na lista dos fogos constantes no site do SNBPC, estiverem listados seis fogos, significa que probabilisticamente pelo menos dois não serão apagados antes da noite. Ou seja, uma proporção de 1/3. Pode falhar esta premissa, mas quase sempre para pior.

7/15/2006

Como é que ninguém se tinha lembrado disto antes, hein?!

Na senda da salvação do país - quiçá do Mundo -, o primeiro-ministro José Sócrates e seus acólitos descobriram o «ovo de Colombo» para acabar com os incêndios florestais: 16 anos depois de se ter criado um número de telefone específico (o 117) e de se inundar as televisões e imprensa com essa informação, achou-se que os portugueses só com a tecnologia ficarão a saber como se pode
alertar as autoridades perante um incêndio. Por isso, «ameaçam-nos» com quase 10 milhões de SMS, das diversas operadoras, a darem-nos essa preciosa informação. O fogo já deve estar a tremer de medo perante este verdadeiro choque tecnológico. Depois disto, a nossa floresta está salva!

7/12/2006

Pré-publicação de «Portugal: O Vermelho e o Negro»

Conforme prometido, publico no blog um dos capítulos do meu livro (sobre a polémica prioridade das casas em relação à floresta durante o combate aos incêndios), a ser lançado esta quinta-feira, dia 13 de Julho, pelas 17h30 na FNAC do Chiado, em Lisboa. Será conveniente referir que este texto não está editado (manuscrito), pelo que poderão existir pequenas diferenças entre este e o texto do livro publicado.
Pedro Almeida Vieira

BETÃO NA FLORESTA (pp. 314 a 327, no livro)

Salvar pessoas, salvar casas, salvar a floresta – são, por esta ordem, as prioridades sempre seguidas em Portugal quando os incêndios assumem grandes proporções. A primeira prioridades tem uma tão cristalina e indiscutível lógica que nem merece justificações. Contudo, em abono da verdade, sobretudo em relação aos populares, não é precedência difícil de garantir: basta montar um bom sistema de protecção civil que garanta uma rápida evacuação em situações de risco – que, diga-se, nem sempre tem funcionado em Portugal nos últimos anos. Por exemplo, em 2003, das 20 vítimas mortais causadas pelos incêndios, 16 eram populares.

Quanto à ordem prioridade, já é questionável: que vale mais, uma floresta ou uma casa? Numa perspectiva económica, é ponto assente que, num grande incêndio, o prejuízo decorrente da destruição da floresta assume montantes muito mais elevados. Do ponto de vista ambiental e paisagístico, também – e não merece grande discussão. E ao nível do impacte social, depende do grau de destruição, mas os efeitos a médio e longo prazo os prejuízos são sempre maiores, porque os afectados são sempre em maior número, mesmo quando a floresta é pouco valorizada pelos proprietários. Em relação à capacidade de recuperação, a floresta também é mais afectada. Uma, duas ou até mais de uma dezena de casas podem ser reconstruídas num ano; uma floresta «reconstrói-se» ao fim de mais de uma dezena de anos.

Apesar disto, numa perspectiva mediática – e, portanto, política –, uma casa destruída pelo fogo acaba por ser mais importante. Podem arder mais de 10 mil hectares de floresta e «apenas» meia dúzia de casas e as atenções da imprensa e dos políticos vira-se para as habitações destruídas. O motivo é simples: as casas «gritam», a floresta não. Ou melhor, os donos das casas gritam, e os proprietários da floresta não. Pode sempre contrapor-se que a floresta ardeu por estar abandonada e assim os proprietários sofrem os prejuízos decorrentes das suas próprias falhas e omissões. Mas, se assim é, por que motivo também raramente se questionam os motivos para o «abandono» das casas, que as coloca a jeito de serem afectadas. Este termo não se refere à degradação do interior das habitações. O povo português, neste aspecto, costuma ser muito prendado da porta para dentro. A expressão «abandono» surge aqui em relação à zona envolvente à área da implantação da casa. De facto, quando uma casa é destruída no decurso de um fogo florestal algo de mal se passou. O fogo é o culpado, mas como é inimputável, não pode ser responsabilizado. Por isso, a responsabilidade é sobretudo da má localização dessa casa ou da sua desprotecção. Ou seja, se uma habitação não estiver numa zona de risco de incêndio não será consumida por um fogo florestal. E mesmo que esteja em zona de risco, se se cumprirem as regras de segurança, a probabilidade de ser atingida é relativamente reduzida.

Embora poucas vezes esta questão seja destacada, a existência de casas no interior ou nas imediações da floresta contribuem para um aumento do número de fogos e para que estes assumam dimensões catastróficas. No primeiro caso, devido à maior presença de pessoas estranhas à actividade florestal, aumenta a probabilidade de uso negligente de fogo. Sobretudo porque nas zonas rurais existe uma enorme tentação de usar fogueiras por tudo e por nada. Esse risco é agravado se estivermos perante habitações de segunda residência. Como o seu uso é periódico – por via do seu proprietário ser emigrantes ou ter a sua vida profissional noutra região –, as queimadas concentram-se assim no período de férias, coincidente com a época de maior risco de incêndios.

Porém, é no decurso dos incêndios que as casas constituem o maior perigo para a salvaguarda da floresta. Como a prioridade nas operações de combate está muito direccionada para a protecção de habitações, verifica-se em seu redor, invariavelmente, uma concentração de meios, quer bombeiros quer de veículos de extinção. Ora, em regiões com elevado número de casas em espaço florestal, agravado pela dispersão territorial, significa que se torna quase impossível definir uma estratégia eficaz de combate. E essa estratégia passa por evitar vítimas humanas e minimizar a área ardida.

A opção de preservar até ao limite toda e qualquer construção tem, muitas vezes, efeitos contraproducentes. A floresta fica desprotegida e o fogo tem assim a possibilidade de aumentar a sua intensidade e poder destrutivo. Nesse cenário, muitas mais casas a jusante da frente de fogo inicial podem vir ameaçadas e destruídas, perante a voracidade das chamas. Ou seja, o resultado da opção política de dar prioridade à protecção individual de habitações acaba por ser dramática: arde muito mais área florestal. E pior a emenda do que o soneto: o número de habitações destruídas pode ultrapassar aquele que se atingiria se, por razões estratégicas de eficácia no combate, a opção fosse «sacrificar» uma ou outra casa no período inicial de combate.

Claro que a tomada de decisões deste tipo – que deve ser técnica e sem pressões externas – será sempre sensível, do ponto de vista humano e político. E nem sempre compreensível a nível pessoal ou de pequenos colectivos. Mas em muitos casos de combate aos fogos jamais se conseguirá ter sol na eira e chuva no nabal. Quem espera, gananciosamente, agarrar três ovos lançados em simultâneo ao ar, pode ter sucesso se for malabarista ou sortudo; mas arrisca-se muito a parti-los todos[1]. Por isso, evacuando-se as pessoas, de modo a evitar tragédias humanas, a prioridade seguinte e exclusiva deveria ser a protecção da floresta.

Para que esta opção fosse compreendida e aceite pela sociedade – o interesse público deve estar sempre acima dos interesses individuais –, a comunicação social tem um papel fundamental. Se em vez de os jornalistas irem a correr ouvir os lamentos das pessoas com casas destruídas, ou em vias disso, talvez devessem ter uma atitude mais pedagógica e crítica, procurando saber se as presumidas vítimas tinham tomado qualquer medida preventiva. Quem se molha, podendo ter usado um guarda-chuva, não se pode queixar por o Estado não lhe ter fornecido protecção contra uma gripe. Se o Estado assumisse publicamente que, em caso de incêndio, a protecção da floresta tinha prioridade sobre as habitações, muito provavelmente haveria mais cuidado no cumprimento das regras de segurança consignadas na lei. E o risco de destruição diminuiria.

O Governo poderia usar um método eficaz para fazer cumprir, de uma forma voluntária, essas medidas de segurança. Bastava decretar a obrigatoriedade de um seguro com cobertura sobre incêndios, que teria vantagens a vários níveis. Por um lado, o Estado – ou seja, os contribuintes – deixava de assumir o ónus de indemnizações e, paralelamente, obtinha mais verbas para o combate aos incêndios florestais[2]. Por outro lado, tendo em conta que os prémios a pagar às seguradoras iriam variar em função do risco de incêndio, desincentivava a construção de habitações em espaço florestal ou, pelo menos, obrigava à tomada de medidas preventivas mais eficazes por parte dos proprietários. Tanto mais que o controlo das normas de segurança seria «assumido» pelas próprias seguradoras – de molde a definir o prémio a pagar –, aquando da realização do seguro.

A instituição de um seguro obrigatório da habitação para protecção contra incêndios deveria ser vista com naturalidade. Afinal, até já é obrigatório, por lei, em prédios urbanos[3]. E ninguém contesta que também o seja para a circulação automóvel. Actualmente, em situações normais, um seguro de habitação, incluindo recheio, de protecção contra incêndios – que, por regra, também inclui cobertura contra terramotos, inundações e outros acidentes – tem um custo anual inferior ao de um habitual seguro automóvel. E se se tornasse obrigatório, abrangendo assim as cerca de cinco milhões de casas existentes em Portugal, até poderia tornar-se ainda mais barato, por razões de economia de escala. No limite, para evitar encargos incomportáveis para famílias comprovadamente desfavorecidas, poder-se-ia criar uma taxa suplementar – como a que existe no sector rodoviário para financiar o Fundo de Garantia Automóvel –, de modo a incluí-las na cobertura do risco. Mesmo sendo instituída a obrigatoriedade do seguro contra incêndios para as habitações, esta não deveria ser a única medida a ser tomada. Afinal, o seguro serve para precaver; não para incentivar atitudes negligentes.

A limpeza impossível

Quando se observam incêndios a «lamberem» habitações deve-se perguntar por que estão essas casas no meio da floresta? A questão é pertinente, porque entre floresta e casas não existe o eterno dilema sobre a origem primordial do ovo e da galinha. De facto, na quase totalidade dos casos, foi mesmo a floresta que «nasceu» primeiro do que as casas. Não se está aqui a defender uma separação física entre espaços florestais e aglomerados populacionais. A floresta pode, e deve, envolver as povoações, porque tem evidentes vantagens ecológicas, paisagísticas e emotivas. É até uma situação típica em muitos outros países e nem sequer é recente em Portugal.

De facto, apenas constitui um perigo se, como infelizmente acontece em Portugal, as autarquias não cumprirem a legislação que as obriga à redução do coberto arbórea e à desmatação de uma faixa envolvente aos perímetros urbanos. Esta omissão negligente é ainda mais indesculpável porque a legislação possibilita que as autarquias, invocando servidões, procedam a essas operações mesmo em terrenos privados. Esta questão é também extensível à limpeza de bermas das estradas e de outros caminhos rurais[4].

No entanto, em relação às habitações dispersas em espaço florestal, a situação é mais complicada, pois a desmatação e a redução de arvoredo tornam-se praticamente inexequíveis. Por um lado, mesmo se a Administração Pública decidisse ser rigorosa, estas operações são complexas, morosas e onerosas, pois estamos perante centenas de milhar de situações[5]. Por outro, essas operações, a serem realizadas, implicam sempre a limpeza de uma maior área relativa em comparação com os aglomerados populacionais – e, portanto, com maiores custos.

Com efeito, se considerarmos uma aldeia de um quilómetro quadrado, onde existam 200 casas, a faixa de protecção será da ordem dos 44 hectares, enquanto para o mesmo número de habitações dispersas poderá atingir os 50 hectares[6]. Mas existe um outro problema mais bicudo: a limpeza de terrenos arborizados na zona envolvente a casas dispersas implica terceiros, em muitos casos – ou seja, os proprietários da floresta que rodeia as casas. E que, por razões óbvias, não concordarão com desarborizações para protecção de bens alheios. Neste aspecto, a legislação é absurda, porque refere que são os proprietários dos terrenos – e não os donos das habitações –, os responsáveis por estas limpezas. Significa isso que se uma casa isolada estiver na extrema de uma parcela, parte da limpeza tem de ser suportada pelo seu vizinho.

Mas mesmo que, por hipótese académica, se conseguisse desmatar as áreas envolventes de todas as casas implantadas em espaço florestal, isto era um luxo. E uma medida de non sense. Afinal, os planos directores municipais referem, obvia e expressamente, que nesse espaços a produção florestal tem primazia sobre todos os outros usos. Ora, mas se as casas foram construídas pelas pessoas – e como não estamos no velho Oeste, embora por vezes pareça, onde cada um faz o que lhe apetece –, tem de se questionar como foi possível conceder as autorizações e respectivas licenças para a edificar em espaço florestal.

Por norma, costuma-se culpar o passado – ou seja, a outrora falta de sensibilidade para o planeamento e ordenamento do território. De facto, o processo de dispersão habitacional em Portugal, sobretudo em espaço florestal, começou há décadas ou mesmo séculos, fazendo parte integrante da ruralidade ancestral do país. Nessa altura não se sabia bem o que era isso de ordenar o território, nem se avaliam os custos que tal representava ao nível, por exemplo, das obras de saneamento básico. Porém, nessas épocas, os fogos também não assumiam um verdadeiro perigo. Julgar-se-ia que, com os planos directores municipais – elaborados e aprovados sobretudo durante a segunda metade dos anos 90 – esta permissividade seria alterada. Tanto mais que os fogos florestais, que então começam a recrudescer, constituíam um argumento suficientemente forte para conter essa dispersão habitacional.

Nos respectivos planos directores municipais, a esmagadora maioria das autarquias mais afectadas pelos incêndios até destaca a importância e os riscos da sustentabilidade da floresta Muitas até elaboraram cartografia que delimitou expressamente os espaços florestais – em grande parte dos casos, com subclasses de uso – e incorporaram as zonas de maior risco de incêndio, fazendo também referência à legislação de 1990 que próibe alterações de uso do solo em áreas afectadas pelos incêndios. Por regra, os regulamentos também definiram normas para a introdução de espécies folhosas em povoamentos contínuo e mesmo a proibição de se exceder determinada área de eucaliptais.

Mas isso foi apenas boas intenções. Como os planos directores municipais sempre foram assumidos pelos autarcas como meros instrumentos para encaixar dinheiro, incentivou-se a «sementeira» de casas à tripa forra. E assim, na generalidade dos casos, em espaços florestais apenas se interdita a construção em Reserva Ecológica Nacional[7]. De resto, qualquer construção, independentemente do maior ou menor risco de incêndio, é autorizável. Depois, quando ardem casas – ou para que sejam protegidas, extensas áreas de florestas são dizimadas –, surgem os autarcas lamurientos, a queixarem-se da desgraça. E pior: surgem a fazer reivindicações, quando deviam pedir desculpa e assumir responsabilidades.

Planos incendiários

Uma consulta aos planos directores municipais é bastante elucidativa para se confirmar a ausência de sensibilidade dos políticos portugueses em matéria de ordenamento do território e de prevenção dos incêndios. De facto, em muitos municípios basta possuir uma parcela mínima superior a cinco mil metros quadrados (0,5 hectares) para construir. Em alguns desses instrumentos de pseudo-planeamento é mesmo referido que a habitação dispersa é, pasme-se, «expressamente autorizada» em espaços florestais ou agro-florestais. Mesmo quando essas zonas são um autêntico barril de pólvora por se inserem em zona de elevado risco de incêndio. A única excepção que se encontrou foi no município de Caminha, em que o regulamento do plano director municipal expressamente proíbe a construção de qualquer edificação em espaço florestal, invocando o risco de incêndio.

Perante este generalizado facilitismo, a construção dispersa e em espaço florestal – mesmo em concelhos em perda demográfica – aumentou significativamente. Pudera: os terrenos florestais são muito mais baratos do que os localizados em perímetros urbanos. O resultado disto foi, durante a última década, um boom na construção de vivendas de segunda habitação, para especulação imobiliária e de maisons de emigrantes. Não constitui, por isso, surpresa que 327 das 530 habitações ardidas nos incêndios de 2003 fossem de segunda residência.

A «benevolência», em prol da construção dispersa em espaços florestais, de muitos planos directores municipais é quase criminosa. Não se está perante um acto de imprudência, de negligência ou de incompetência – é puro dolo, porque se sabia que essas zonas eram ciclicamente devastadas pelos incêndios. Veja-se, por exemplo, o quadro 44, onde se sintetizam as normas previstas nos planos directores municipais dos 23 concelhos mais fustigados pelos incêndios[8]. Com umas diferenças de pormenor, todos possibilitam a construção de habitações, e mesmo de edifícios turísticos, em espaços arborizados, apenas com algumas restrições em municípios que, nos espaços florestais, têm um subgrupo denominado de «protecção». O grau de destruição dos incêndios do último quinquénio comprova, assim, a irresponsabilidade de quem elaborou, aprovou e ratificou estes planos de (des)ordenamento. Ou seja, dos consultores, dos autarcas e dos Governo, tanto do Partido Social Democrata quer do Partido Socialista.


Quadro 44 – Síntese das normas regulamentares dos planos directores municipais para construção em espaço florestais nos concelhos mais ardidos

Concelhos

Normas previstas no PDM em espaços florestais

Loulé

Permitida a reconstrução, alteração e ampliação de habitações, bem como de unidades de agro-turismo, turismo rural e turismo de habitação. Apenas nos espaços florestais de «produção-protecção» se é mais exigente, somente possibilitando edifícios de apoio às actividades agrícolas e florestais desde que as propriedades tenham mais de cinco hectares.

Sabugal

Permitida a construção de habitação unifamiliar, equipamentos de interesse municipal e unidades industriais, desde que a parcela de terreno tenha mais de 0,5 hectares

Proença-a-Nova, Sertã, Oleiros e Vila de Rei

Apenas é proibida a construção em espaços florestais de «protecção». Nos restantes zonas florestais («produção», «produção condicionada» e «reconversão») são autorizadas construções de habitação, turismo, instalações agro-pecuárias e edificações de interesse público. A área mínima para se poder construir é de 0,5 hectares em Vila de Rei e de 0,4 hectares nos restantes. De acordo com estes quatro PDM, o licenciamento de habitações nestas zonas deve ter em conta «critérios no âmbito da prevenção de fogos florestais», que não são clarificados.

Abrantes

Autorizada a construção de habitação até três pisos em terrenos que possuam a área mínima de cultura, definida por lei, embora a portaria que a estabelece se aplique apenas a parcelas de culturas arvenses, hortícolas ou regadio. É também permitida a edificação de equipamentos turísticos com uma densidade máxima de 60 habitantes por hectare.

Guarda

Permitida a construção de habitação isolada, equipamentos turísticos e outros de interesse municipal em parcelas superiores a 0,5 hectares,

Chamusca

Permitida a construção de habitação isolada, sem ser definida área mínima da parcela. A habitação pode ter dois pisos e um índice máximo de construção de 15%, sem exceder os 250 metros quadrados.

Nisa

Permitida a construção de dois fogos de dois pios por parcela de terreno, sem definir área mínima. A área máxima de construção é de 750 metros quadrados de pavimento, desde que não exceda os 5% do total da parcela de terreno. Para unidades hoteleiras, basta uma área superior a 0,5 hectares.

Celorico da Beira

Permitida construção de habitação unifamiliar e de equipamentos turísticos, bastando que parcela tenha mais de 0,75 e 1,5 hectares, respectivamente

Arganil

Nas áreas florestais, é permitida a construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e até 160 metros quadrados, em parcelas de terreno superiores a 0,5 hectares. Nas zonas agro-silvopastoris, é permitida a construção em parcelas superiores a 0,35 hectares com um índice de construção de 5%.

Vila Pouca de Aguiar

Permitida a construção de habitação unifamiliar e de instalações hoteleiras até dois pisos e uma área máxima de 250 metros quadrados (ou índice de utilização de 5%), bastando parcelas com mais de um hectare. O regulamento obriga à manutenção ou criação de uma área arborizada superior a 75% da parcela, o que aumenta ainda mais o risco de incêndio.

Seia

Permitida a construção de habitação unifamiliar em parcelas superiores a três hectares. Possibilita também a construção de equipamentos de turismo.

Miranda de Corvo e Vila Nova de Poiares

Permitida habitação unifamiliar com dois pisos e um máximo de 250 metros quadrados em parcela superior a um hectare, obrigando à manutenção ou criação de uma área arborizada superior a 75%. Em Miranda do Corvo, possibilita-se ainda a construção de hotéis com um índice de utilização de 5% da parcela.

Monchique

O PDM permite apenas as construções de equipamentos hoteleiros em espaços florestais, devendo ter mais de 40 quartos e uma área mínima da parcela de seis hectares. Porém, possibilita edificações dispersas em todo o concelho. Nestes casos, a parcela deverá ter, pelo menos, 0,1 hectares, podendo-se construir até 250 metros quadrados.

Pampilhosa da Serra

Em zonas florestas, é permitida construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e área máxima de 250 metros quadrados, em parcelas superiores a 0,5 hectares. Nas zonas agro-silvopastoris, a parcela deverá ter mais de 0,5 hectares e o índice de utilização bruta não pode exceder os 5%.

Gouveia

Permitida a construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e área máxima de 200 metros quadrados, em parcelas com mais de 0,5 hectares. Para os equipamentos turísticos, a parcela terá de ser superior a 0,2 hectares e o índice de ocupação inferior a 15%.

Mação

Permitida a construção de habitação unifamiliar, com dois pisos e até 250 metros quadrados, em parcelas de terreno superiores a 0,5 hectares

Pombal

Nos espaços florestais, permitida a construção de habitação e equipamentos hoteleiros e colectivos, com índice de ocupação de 0,5% e uma altura de 7,5 metros, em parcelas superiores a 4 hectares. Nos espaços agro-florestais, possibilita a construção em parcelas superiores a 0,5 hectares e um índice de ocupação de 250 metros quadrados ou de 1,25% em parcelas superiores a dois hectares.

Odemira

Em espaços «agro-silvopastoris categoria I», permite habitação e unidades de turismo rural, com índice utilização bruta de 2%, em parcelas que cumpram a unidade mínima de cultura, embora a portaria que a estabelece se aplique apenas em parcelas de culturas arvenses, hortícolas ou regadio. Nos espaços a«gro-silvopastoris categoria II», possibilita a construção de habitação com, pelo menos, 100 metros quadrados, cumprindo um índice de utilização bruta de 0,2%, o que implica a necessidade de uma parcela superior a cinco hectares.

Silves

Permite em espaços florestais a construção de habitação e equipamentos de turismo, obrigando, em casos de edificação dispersa, à existência de uma parcela mínima de 0,05 hectares, uma taxa de ocupação de solo de 45%. Pode-se construir dois pisos mais cave.

Fonte: ICNM/Diário da República.

Em finais de Abril de 2006, o Governo aprovou um diploma que proíbe a construção de habitações em espaços florestais em zonas de risco. Esta é, sem dúvida, uma medida positiva – embora demasiado tardia. E está longe de solucionar o problema: mesmo sem mais casas, a situação mantém-se dramaticamente perigosa, pois o que já existe espalhado pelo país é excessivo. Por outro lado, convém saber como se irá aplicar essa nova norma, uma vez que os planos directores municipais terão de ser alterados para incorporarem essa nova proibição.

Por fim, convém saber se, na prática, esta legislação será aplicada no terreno. Por exemplo, a lei que proíbe alteração do uso do solo em zonas queimadas praticamente não tem tido qualquer efeito, sobretudo se as áreas queimadas foram relativamente reduzidas. Por uma razão simples: as autarquias não recebem, por parte da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, a cartografia das áreas queimadas, de modo a que esta norma seja aplicada. Além disso, há sempre uma forma de contornar esta interdição. Basta que não fique provado que o promotor imobiliário não tenha tido interesse em beneficiar com o fogo. Ora, como se faz pouca investigação das causas – e apenas se conhece pouco mais de 3% das causas dos fogos –, é quase impossível determinar relação de causa-efeito com interesses urbanísticos. Na verdade, nem faz qualquer sentido que alguém coloque um fogo para depois construir em espaço florestal, quando até agora se poderia à mesma construir sem a floresta ter sido queimada.

Na verdade, esta lei jamais poderia ter qualquer efeito, porque mesmo que se provasse que um proprietário tinha colocado um fogo, quanto muito ele ficaria proibido de alterar o uso no seu terreno, mas os seus vizinhos – alheios à situação – já poderiam modificar e construir. O concelho de Monchique é um caso paradigmático: desde 1995 já houve dois despachos governamentais que concederam um levantamento da interdição por os incêndios se terem ficado «a dever a causas a que os proprietários dos imóveis (...) são alheios».

Para além das autorizações de construção dispersa, muitas autarquias também decidiram «comer» zonas florestais, integrando-as em áreas de expansão urbanística. Mesmo se as árvores lá se mantiveram, o que até foi preferível para os empresários do imobiliário, pois dá sempre jeito ter árvores junto aos empreendimentos. Assim, estes são valorizados e nem se precisa de gastar dinheiro em espaços verdes. Com esta transformação de áreas não urbanizáveis em áreas urbanizáveis – processo obscuro que permite enriquecer de um dia para o outro –, perdeu-se zonas de produção florestal e aumentou-se o risco de destruição causada pelos incêndios.

Nesta corrida a favor da «betonização» do país, nem os espaços sob protecção do regime florestal têm escapado. Desde 1999 até Janeiro de 2006, o Governo, com o beneplácito da Presidência da República e para satisfação dos apetites autárquicos, já concedeu a exclusão do regime florestal – ou seja, a permissão de alteração de uso[9] – por 37 vezes, abrangendo mais de 240 hectares. Aquilo que até aos anos 90 era uma excepção, é agora algo que se processa com a maior naturalidade e frequência, envolvendo áreas florestais cada vez mais extensas. O destino é o mais diverso: zonas industriais, construção de habitação, estradas, aeródromo, campos de tiro e equipamentos desportivos, de lazer e comércio. Ou seja, «produz-se» terreno lucrativo a partir do barato. Neste lote incluiu-se ainda terrenos destinados ao quartel dos bombeiros voluntários de Pataias (concelho de Alcobaça), à Casa do Povo de uma freguesia de Chaves, à sede do conselho directivo de uns baldios na Covilhã e até para um depósito e armazém de gás, em Mértola[10]. Tudo serve.

Nestas exclusões encontram-se vários casos de duvidosa legalidade, pois o interesse público – única situação em que a lei permite a exclusão do regime florestal – não é descortinável, sobretudo quando se está perante a construção de empreendimentos imobiliários, turísticos e comerciais. E há também uma situação que abriu um perigoso precedente: em Fevereiro de 2003, a autarquia de Vila Nova de Cerveira conseguiu obter do Governo a exclusão do regime florestal de uma área de 8,4 hectares pertencentes a um baldio, que estava classificada no plano director municipal como espaço urbanizável, o que legalmente não deveria ter sido permitido. No preâmbulo, justificou-se essa exclusão por já existirem casas ilegais que era «necessário» legalizar. Ou seja, outras comissões de baldios podem também vir a usar semelhante expediente, tornando-se assim em empresários imobiliários, dado que a legislação permite alienações de parcelas para urbanização, caso as áreas não estejam sob regime florestal.



[1] - Nenhum país consegue, nas operações de combate aos incêndios, salvar todas as casas. Nos Estados Unidos, mesmo com meios de extinção bastante avançados, o número de casas destruídas pelos fogos florestais é significativa, mas acaba por ser um «dano colateral» para evitar maiores tragédias.

[2] - Actualmente, os seguros multi-risco de habitações, feitos de forma voluntária, que incluam cobertura sobre incêndios pagam uma taxa de 13% que constitui uma importante fonte de receitas do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil.

[3] - De acordo com o artigo 1429º é obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns. O seguro deve ser celebrado pelos condóminos. Se estes não apresentarem comprovativo, o administrador deve efectuá-lo pelo valor que, para o efeito, tenha sido fixado em assembleia de condóminos, reavendo em seguida o respectivo prémio.

[4] - Embora o lançamento de cigarros pela janela de um automóvel, por exemplo, seja sempre um acto gravíssimo de negligência, o estado de abandono das bermas não o é menos. Um cigarro lançado para uma berma limpa não causa um incêndio...

[5] - Por isso, mais vantajoso seria a obrigatoriedade do seguro obrigatório, pois as seguradoras funcionariam como «fiscais», calculando o prémio em função das medidas de prevenção em redor da casa.

[6] - Isto é uma estimativa, mesmo considerando que, para a protecção de aglomerados populacionais, a faixa é de 100 metros, enquanto para casas isoladas, que estejam no meio da floresta, essa faixa é de apenas 50 metros. Isto também parte do pressuposto que todo o perímetro urbano está rodeado de floresta, o que raramente ocorre.

[7] - Em finais de 2005, o Ministério do Ambiente possuía uma proposta para flexibilizar o regime da Reserva Ecológica Nacional, permitindo a construção de habitação nessas áreas para os proprietários agrícolas e florestais. Ou seja, a ser aprovada esta obtusa proposta, generaliza-se ainda mais a habitação dispersa.

[8] - Para esta «selecção» escolheram-se os 10 concelhos com maior taxa de território queimado entre 1990 e 2005 (quase sempre acima de 100%), acrescidos daqueles que, neste período, tenham registado uma área ardida superior a 10 mil hectares durante um qualquer ano.

[9] - A criação das áreas de regime florestal, parcial e total, visa assegurar não só a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola nacional, mas também o revestimento florestal de terrenos cuja arborização seja de utilidade pública e conveniente ou necessária para o bom regime das águas e defesa de várzeas, para a valorização de áreas ardidas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação de solo de montanhas e de areias do litoral marítimo.

[10] - Quando o Governo, em 1999, concedeu essa exclusão, abrangendo uma área de 500 metros quadrados, estaria seguro da inexistência de problemas de explosão ou incêndio, pois também retirou mais 3.500 metros quadrados adjacentes para a construção de um quartel da GNR...

7/11/2006

Apresentação do livro Portugal: O Vermelho e o Negro

Na quinta-feira, dia 13 de Julho, pelas 17 horas e 30 minutos, na FNAC do Chiado (Rua do Carmo, 2 - Armazéns do Chiado -, em Lisboa) será lançado o meu livro «Portugal: O Vermelho e o Negro», que incide sobre a floresta e os incêndios florestais, sendo fruto de uma investigação jornalística feita ao longo dos últimos sete meses (além de do «background» anterior).

O convite aqui está feito.

NOTA: Amanhã à noite colocarei aqui alguns extractos do livro em primeira-mão.

7/10/2006

Abrir portas

O Estrago da Nação vai reabrir portas. Manterei, de quando em vez, a minha participação no Ambio, mas aqui, quem o desejar, poderá visitar-me com maior assiduidade.

Provavelmente, o âmbito deste blog abrangerá muitos mais temas do que exclusivamente ambientais...