A pretexto da intenção do Instituto de Conservação da Natureza em reduzir em 12% a área do Parque Natural da Serra da Estrela, escrevi na edição de segunda-feira passada do Diário de Notícias, dois artigos, um dos quais não surge na Internet ( outro pode ser lido aqui). Por isso, opto por aqui o colocar, de modo a mostrar como os incêndios recorrentes naquela região acabam por empobrecer a paisagem natural daquela região.
No tempo dos romanos, chamaram-lhe Montes Herminius, em honra de Hermes – deus grego da eloquência, protector dos pastores, dos rebanhos e animais selvagens, mais tarde também do comércio. Agora dá pelo nome de Serra da Estrela. Mas dever-se-ia denominar Serra do Fogo. De facto, apesar de ser uma área protegida desde 1976, esta é uma das regiões de Portugal mais fustigada pelos incêndios. Mais de matos do que floresta, porque esta cada vez mais tem sido dizimada nas últimas duas décadas.
De acordo com dados do Instituto de Conservação da Natureza, desde 1992 as chamas já visitaram 58 mil hectares do Parque Natural da Serra da Estrela, ou seja, 58% do total. Somente nos últimos três anos foram mais de 20 mil hectares, cerca de cinco vezes o tamanho da cidade do Porto. Uma taxa de devastação impressionante, tendo em conta que, em igual período, no território português esse valor ronda os 22%, já de si um dos valores mais elevados à escala mundial. Esta situação não surpreende. Considerando os seis concelhos com território integrado nesta área protegida, o menos incendiável tem sido a Covilhã: desde 1990, as chamas afectaram uma área equivalente a 60% da sua superfície. Guarda, Celorico da Beira, Seia e Gouveia estão no lote dos 25 municípios portugueses mais queimados desde os anos 90.
Os dois últimos municípios – aqueles em que o Governo pretende retirar território à área protegida – são mesmo autênticas tochas. O município da Gouveia é o terceiro mais incendiável do país (ardeu, desde 1990, cerca de 107% da sua área), enquanto Seia ocupa a sétima posição (101%, desde 1990). O facto de a destruição ultrapassar os 100% do seu território em tão curto espaço de tempo, significa que as recorrências do fogo são bastante frequentes. Embora as causas dos incêndios sejam pouco estudadas, aparentemente a queima de matos por pastores, para renovação das pastagens, estão na origem da maioria das ignições.
O Ministério do Ambiente tem tentado relativizar o problema dos fogos nas áreas protegidas, considerando que existe capacidade de regeneração, mas esta torna-se impossível quando os incêndios se sucedem num curto espaço de tempo. Mesmo com a aprovação de um plano de minimização – e «de uma grande aposta em matéria de prevenção de incêndios», como adiantou à Lusa o director da maior área protegida do país, Fernando Matos –, ainda na semana passada arderam mais 600 hectares, no incêndio que causou a morte de seis bombeiros na Guarda.
Deste modo, não admira assim que até seja verdadeiro o argumento do director do Parque Natural da Serra da Estrela em apontar, como razão da desanexação de 12 mil hectares com estatuto de conservação, «a degradação e ausência de valores naturais assinaláveis» em algumas zonas desta área (pouco) protegida.
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