O escandaloso desastre demográficoPelo menos nas últimas duas décadas, não houve um único autarca de Lisboa que não elegesse como sua prioridade estancar a acelerada perda demográfica da capital portuguesa. Assim, têm-se somado as promessas, os planos de «reabilitação» e de «rejuvenescimento», apresentando-se sempre «exemplos», sempre associados a construção urbanística, de que se está em vias de inverter o despovoamento. Se as palavras decidissem, por certo Lisboa estaria agora cheia de gente. Mas não, infelizmente são os números que ditam as regras.
Estive a consultar os mais recentes dados demográficos do Instituto Nacional de Estatística e fiquei estarrecido. Não surpreendentemente estarrecido, porque «apenas» confirmam a tendência catastrófica de Lisboa (e também do Porto). Nas estimativas anuais do INE (que costumam ser bastante rigorosas) referentes ao final de 2004, Lisboa perdeu mais 35.172 habitantes relativamente aos últimos Censos (feitos em Março de 2001). Ou seja, uma perda de 6,2% em pouco mais de três anos. Significa portanto que a manter-se esta tendência, a presente década terminará com uma redução superior a 100 mil habitantes, repetindo assim o que tem vindo a ocorrer, em cada década, desde os anos 80.
Em relação ao Porto, o cenário é idêntico, mas até com maior dimensão: entre Março de 2001 e Dezembro de 2004, a Cidade Invicta terá perdido 9,2% da sua população, passando de cerca de 263 mil habitantes para um pouco menos de 239 mil.
Em ambos os casos - embora tenha visto com mais detelhe a situação de Lisboa -, estas perdas populacionais estão associadas ao envelhecimento da população e à migração para outros concelhos. No entanto, a segunda causa é a mais importante. De facto, se considerarmos que em Lisboa o saldo natural é negativo na ordem das duas mil pessoas por ano (muitas mortes e poucos nascimentos), significa que o seu contributo para o despovoamento foi da ordem das sete mil pessoas em três anos e meio. Isto implica que a «fuga» de lisboetas para as periferias atingiu cerca de 28 mil indivíduos neste período (uma média de duas pessoas por dia).
E para onde foram? Não fiz ainda uma análise exaustiva, mas um destino óbvio foi, claro, Sintra! Este concelho cresceu «apenas» mais 50.802 habitantes em apenas três anos e meio; um crescimento de 14%! Segundo o INE, no final de 2004 já viviam no concelho de Sintra perto de 410 mil habitantes. Em parte, este crescimento deveu-se às migrações internas na Área Metropolitana de Lisboa, mas também à elevada taxa de fecundidade, algo que em Lisboa se encontra nas ruas da amargura. Daí que, a manter-se esta tendência até ao final da década, quando se fizerem os Censos de 2011, Lisboa perderá, pela primeira vez desde que é capital de Portugal, a liderança populacional. Contas feitas, nessa altura Lisboa terá cerca de 460 mil habitantes e Sintra atingirá os 510 mil!
Haveria muito mais a dizer, mas estes números mostram que a sangria demográfica em Lisboa (e também no Porto) não pára. E que algo está mal, muito mal, quando os autarcas de Lisboa dos últimos anos andaram apenas preocupados em construir um túnel rodoviário e a aprovar projectos imobiliários especulativos. E isto não atrai a população da classe média (a mais numerosa e, portanto, reprodutiva) nem consegue fixar os lisboetas que (ainda) por aqui vivem.
Nota final: Um indicador usado pelo INE é a taxa de crescimento efectivo entre dois anos, que basicamente calcula, em termos percentuais, a diferença entre dois anos em relação à média populacional desse período. Entre 2003 e 2004, o concelho com pior desempenho (-2,5%) foi o Porto, seguindo-se-lhe Alcoutim, e depois Lisboa (com -1,9%). Os concelhos que se seguem são todos do interior decrépito. No entanto, há uma diferença substancial: os outros concelhos perdem agora população sobretudo por via do saldo natural, enquanto que em Lisboa e Porto (embora com saldos naturais também negativos), perdem sobretudo pelo saldo migratório.