Ainda a pretexto do Katrina, umas quantas reflexões avulsas.
O modo como sentimos as catástrofes dependem de muitos factores. Infelizmente, raro é olharmos para a dimensão desses flagelos numa perspectiva «humanista» e «histórica» . Se assim fosse, o nosso choque seria «calibrado» pelo número de vítimas e não por factores meramente geográficos. E não é. Como indivíduos de uma sociedade ocidental somos sempre tentados a sentir mais uma catástrofe de um país desenvolvido do que de um país do Terceiro Mundo.
Este «estrabismo» - compungimo-nos com o vizinho, mas mantemo-nos quase indiferentes aos outros - tem, claro, atenuantes. Uma delas é uma questão de ordem política. Obviamente que cobrir uma catástrofe num país como a China - que sofre imensas, mas tem um regime fechado - é mais complicado do que nos Estados Unidos ou na Europa. Outra, tem razões «operacionais» e de «interesse público», discutíveis mas incontornáveis. Enviar jornalistas para o Bangladesh não é o mesmo que enviar para os Estados Unidos. Tanto mais que o critério jornalístico que vigora é sempre aquele que diz que uma notícia é algo que é anormal. Ora, no Bangladesh ou outros países asiáticos é «normal» haver inundações. Morrem sempre pessoas e, portanto, dá-se o mesmo (pouco) destaque quer morram meia dúzia quer morram centenas de milhar. Assim sendo, dentro de alguns anos, todos os ocidentais se recordarão do que aconteceu agora nos Estados Unidos, mas poucos se recordam agora, por exemplo, do ciclone do Bangladesh em 1991 que matou quase 140 mil pessoas. E muito menos daquele que em 1970 matou 300 mil.
Por outro lado, o factor destruição - «ingrediente» apetecível pelos media e «saboreado» pelo voyeurismo humano - é também determinante. Aí pouco interessa o factor geográfico. Por exemplo, um tsunami ou um ciclone deixa uma marca que perdura (pode ser fotografado e filmado); uma onda de calor letal, não, mesmo se ambos são pouco frequentes numa determinada região do mundo ocidental. Assim se compreende que, por exemplo, no ano de 2003 tenham morrido cerca de 45 mil europeus devido a uma onda de calor (em Portugal foi de cerca de 2 mil pessoas, o que representou um acréscimo de 2% na taxa de mortalidade desse ano) e os efeitos mediáticos tenha sido bastante reduzidos, porque aí a morte foi silenciosa e sem marcas visíveis na «paisagem». Aliás, a mesma analogia pode aplicar-se, por exemplo, aos efeitos da poluição urbana e aos acidentes rodoviários: mesmo se morrem mais pessoas por ano devido aos poluentes dos gases de escape, as imagens mediáticas dos desastres automóveis têm sempre mais destaque (deturpando até a percepção da realidade).
Contudo, convém referir que, independentemente das estatísticas mostrarem que haverá um agravamento dos fenómenos extremos que têm por base as alterações climáticas, há também que acrescentar, em abono da verdade, que os cataclismos naturais são hoje menos letais do que em décadas passadas. Ora, isso não serve, obviamente, de consolo, pelo contrário Sobretudo porque hoje a tecnologia de previsão de algumas destas catástrofes é muito superior, tal como a capacidade de minimizar os seus efeitos. Mas está aqui, talvez, um dos paradoxos humanos: conseguimos compreender melhor a Natureza, mas continuamos a não respeitar a sua força.
Deixo aqui uma lista de algumas das principais catástrofes (as mais letais) ocorridas no Mundo desde 1900 até à data, retirados de uma base de dados da Universidade Católica de Louvain, da Bélgica. Certamente apoiam aquilo que atrás referi...
Ciclones mais letais
País | Data | Mortos |
Bangladesh | 12-Nov-1970 | 300,000 |
Bangladesh | 30-Abr-1991 | 138,866 |
China | 27-Jul-1922 | 100,000 |
Bangladesh | Out-1942 | 61,000 |
India | 1935 | 60,000 |
China | Ago-1912 | 50,000 |
India | 14-Out-1942 | 40,000 |
Bangladesh | 11-Mai-1965 | 36,000 |
Honduras | 26-Out-1998 | 14,600 |
India | 12-Nov-1977 | 14,204 |
Casos mais letais de seca
País | Data | Mortos |
China | 1928 | 3,000,000 |
India | 1942 | 1,500,000 |
India | 1900 | 1,250,000 |
União Soviética | 1921 | 1,200,000 |
China | 1920 | 500,000 |
Terramotos mais letais
País | Data | Mortos |
China | 27-Jul-1976 | 242,000 |
China | 22-Mai-1927 | 200,000 |
China | 16-Dez-1920 | 180,000 |
Japão | 1-Set-1923 | 143,000 |
União Soviética | 5-Out-1948 | 110,000 |
Casos mais letais de fome
País | Data | Mortos |
União Soviética | 1932 | 5,000,000 |
Bangladesh | 1943 | 1,900,000 |
Coreia do Norte | 1995-200 | 220,000 |
Inundações mais letais
País | Data | Mortos |
China | Jul-1931 | 3,700,000 |
China | Jul-1959 | 2,000,000 |
China | Jul-1939 | 500,000 |
China | 1935 | 142,000 |
China | 1911 | 100,000 |
Tsunamis mais letais
País | Data | Mortos |
Indonesia, Sri Lanka, Índia, Tailândia e mais oito países | 26-Dez-2004 | 280,931 |
Japão | 3-Mar-1933 | 3,000 |
União Soviética | 4-Nov-1952 | 2,300 |
Papua Nova Guiné | 17-Jul-1998 | 2,182 |
Japão | 1-Set-1923 | 2,144 |
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