O Governo socialista deveria «agradecer» ao ano 2003 por ter sido tão catástrófico, porque se assim não tivesse sido, este ano de 2005 teria sido um inferno indescritível. Digo isto porque, analisando o padrão de área ardida em termos regionais e históricos, o interior do país apenas não ardeu tanto porque a maioria da «área incendiável» (aliás, proponho que se mude para esta terminologia aquilo que, geralmente, é denominada «área florestal») já ardeu há dois anos e, portanto, «safou-se» este ano.
De facto, basta fazer algumas comparações interessentes, para retirar algumas conclusões pertintentes:
Este ano de 2005 registou mais incêndios superiores a 100 hectares do que em 2003 (273 contra 175). Desagregando: na classe de incêndios com uma área ardida entre 100 e 500 hectares, 2005 também ultrapassa 2003 (181 contra 90). Na classe 500-1000 hectares idem (44 contra 31). Na classe 1000-5000 equivalem-se (ambos com 39). E apenas nos incêndios de grandesssíssimas dimensões - mais de 5000 hectares - o ano 2003 (com 15 incêndios) é pior do que 2005 (com 9 incêndios).
Ora, mas é aqui que se mostram as diferenças que justificam a «sorte» do Governo. Em 2003, as regiões mais afectadas por incêndios de grandessíssimas dimensões concentraram-se sobretudo no interior do país, a saber por distritos:
- Castelo Branco - 5
- Portalegre - 5
- Faro - 3
- Santarém - 2
No total, estes 15 incêndios dizimaram 254.839 hectares (60,2%).
Este ano, porém, os 9 incêndios superiores a 5000 hectares «desviaram-se» sobretudo para o litoral, a saber por distritos:
- Leiria - 2
- Coimbra - 2
- Viana do Castelo - 1
- Aveiro - 1
- Santarém - 1
- Vila Real - 1
- Guarda - 1
No total, estes incêndios dizimaram 88.865 hectares (31,0%).
Convém também salientar que os distritos do litoral a norte de Lisboa foram, este ano, particularmente fustigados comparativamente aos anos anteriores. E foi mesmo a excepção à regra de um aparente paradoxo que mostrava que onde há mais incêndios há menos área ardida. Com efeito, este ano ardeu mais onde houve mais incêndios. Basta reparara que, entre 1980 e 2004, a média anual de área ardida dos seis distritos do litoral a norte de Lisboa (Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro e Leiria) atingia, no total, 51.376 hectares. Isto representava 27,7% do total nacional da área ardida. Porém, este ano de 2005, nestes seis distritos ardeu 156.308 hectares, o que representa 54,6% do total nacional. Fazendo uma extrapolação simples, significa isto que, em situação normal - ou seja, nestes distritos arder 27,7% do total -, então em todo o país em 2005 deveria ter ardido 564 mil hectares!
A questão que estes dados mostram é, assim, muito simples: o interior do país foi «poupado» apenas porque a «área incendiável» nestas regiões diminuiu bastante em 2003.
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