2/10/2007

O texto (recusado) do meu direito de resposta

Depois de reflectir - e tendo até em consideração a divulgação do caso na imprensa (vd. aqui) -, julgo ser conveniente colocar aqui o meu texto de direito de resposta ao abrigo da Lei de Imprensa, que foi recusado pela Direcção do Diário de Notícias e sancionado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que alegou não ser eu um cidadão...

Vou, obviamente, lutar pelas vias legais para que seja as autoridades judiciais me reconheçam como cidadão de plenos direitos e que este texto seja finalmente publicado no sítio certo.

Penso, aliás, que um dos motivos para estas recusas se deveu sobretudo ao teor da «reflexão» que fazia neste texto, que extravasa o meu próprio caso.

Na edição do passado dia 3 de Setembro, o Diário de Notícias (DN) insere um texto do presidente do Instituto da Água (INAG), Orlando Borges, sob a forma de «direito de resposta e rectificação», com correspondente chamada de primeira página, na sequência de dois artigos da minha autoria relacionados com os caudais do rio Guadiana e as afluências à albufeira de Alqueva, que tinham sido publicados nas edições de 31 de Agosto e 1 de Setembro.

Relativamente a esse texto de «direito de resposta» não fui previamente auscultado, pelo que, de acordo com os pressupostos da Lei de Imprensa, a Direcção do DN terá considerado – não sei com base em que motivos – que os artigos noticiosos da minha autoria conteriam «referências de facto inverídicas ou erróneas» em relação ao Instituto da Água. De facto, somente nestas condições o «direito de resposta» pode ser exercido (vd. nº 2 do artigo 24º da Lei de Imprensa). Ora, se tal se verificasse, obviamente que estaríamos perante um acto grave, pois significaria que eu, profissionalmente, teria enganado a Direcção do DN e os seus leitores, com o intuito de colocar em causa a reputação e boa fama do INAG.

Porém, como tudo o que escrevi é baseado em factos documentais e comprováveis – e que cumpri, em paralelo, todas as regras deontológicas do jornalismo – estamos então, afinal, perante um outro caso gravíssimo: a Direcção do DN permitiu que o Instituto da Água exercesse ilegitimamente um direito de resposta, colocando assim em causa a «reputação e boa fama» de um jornalista. A Direcção do DN tinha em sua posse os elementos suficientes – e a minha disponibilidade para lhe mostrar mais – para garantir aos leitores e a outras instituições (p. ex., Entidade Reguladora da Comunicação Social e até tribunais) que os meus artigos eram verídicos. Optando pela publicação do «direito de resposta», a Direcção do DN «conseguiu» duas coisas: quebrar a confiança dos leitores sobre o rigor das peças jornalísticas que publica e quebrar a confiança do próprio jornalista.

Com efeito, no texto do presidente do INAG constam diversas difamações, designadamente quando refere que o conteúdo da minha primeira notícia era «em todos os aspectos, incorrecto, destituído de qualquer fundamento e por isso totalmente falso» e que a segunda notícia possuía «um conjunto de aspectos que enfermam de incorrecções de índole técnica». Aliás, o presidente do INAG «gasta» uma parte substancial do seu texto a explicar aspectos de «carácter eminentemente técnico».

Por norma, se o presidente de uma entidade de índole técnica, faz acusações a um jornalista sobre aspectos técnicos – no caso em apreço de hidrologia e hidráulica –, pretende que o leitor conclua que ele terá razão e o jornalista é um ignorante nessas matérias. Isso é verdade? Nem sempre. Este é, aliás, um mau princípio que as direcções dos órgãos de comunicação social não podem, nem devem, alimentar, porque nem todos os jornalistas são leigos nas matérias sobre as quais escrevem. E os que são leigos não deveriam escrever.

Eu nunca colocaria em causa o conhecimento «eminentemente técnico» sobre hidráulica e hidrologia do presidente do INAG por a sua licenciatura ser em Geografia, mas também não poderei aceitar que levianamente ele queira passar-me um atestado de menoridade por eu exercer actualmente a profissão de jornalista. Na verdade, eu não tenho uma licenciatura em Geografia – que, salvo o erro, não tem formação em hidrologia ou hidráulica –, mas possuo uma licenciatura em Engenharia Biofísica, tendo tido quatro cadeiras curriculares específicas nestas áreas, a saber: Hidrologia, Hidráulica, Hidráulica Fluvial e Hidráulica Agrícola.

Aliás, algumas considerações de «carácter eminentemente técnico» fornecidas pelo geógrafo Orlando Borges – ao considerar, por exemplo, que são mais válidas as medições de caudal usando nível hidrométrico do que usando cotas (volumes) – são muito discutíveis. Na verdade, grosso modo, existem cinco métodos de medição de caudal (velocidade e secção; estrutura hidráulica; volumétrico; químico; e calibração de comportas) e todos são aceitáveis, se em bom funcionamento. E parece-me pouco crível que a EDIA e a CPPE estejam a usar métodos incorrectos para medir as afluências de Alqueva. De igual modo, as discrepâncias entre o caudal de Monte das Vinhas – estação que não consta do convénio e que não mede as contribuições dos afluentes nacionais do Guadiana – e as afluências de Alqueva podem perfeitamente advir da retirada de água, a jusante de Monte da Vinha, para regadio da região de Olivença – situação pouco «ortodoxa» feita pelos agricultores espanhóis. Por isto, é perfeitamente possível, «hidrologicamente» falando, que Monte da Vinha tenha maior caudal do que Badajoz (a montante) e também maior do que as afluências a Alqueva (a jusante). Em todo o caso, uma conclusão se terá de retirar: a partir de agora, entidades técnicas de Portugal e de Espanha «podem» sempre vir desmentir dados técnicos anteriormente por si publicados, o que será uma aberração.

Vejo-me também obrigado a lamentar profundamente a atitude de Orlando Borges ao pretender assumir o papel de jornalista e sintetizar aquilo que alegadamente escrevi nas duas notícias. Seria fastidioso apontar as deturpações, por isso «convido» os leitores a comparar os meus textos com a «síntese» feita pelo presidente do Instituto da Água. Em todo o caso, no meu artigo de 31 de Agosto refiro que o caudal nulo em Badajoz está no boletim hidrológico do Ministério do Ambiente de Espanha (aliás, para além da estação de Badajoz, para a bacia do Guadiana constam outras duas estações espanholas a montante: Cubeta, com um caudal de 0,82 m3/s, e Cíjara, com 0,00 m3/s, tornando assim plausíveis os valores da afluência a Portugal) e que os dados das afluências de Alqueva se encontram no site do Instituto da Água. Mais cristalino do que isto não há.

Não posso também admitir que o presidente do INAG invoque a Lei de Imprensa por se ver lesado nos seus direitos. Vamos a factos de ordem deontológica. Na preparação da notícia do dia 31 de Agosto, o INAG obrigou-me a colocar as questões por escrito, tendo apenas respondido às 20h02 do dia 30. Como nem todas as questões foram respondidas, e malgrado a proximidade do fecho da edição, insisti e mesmo assim continuaram sem resposta. Por isso, é falso que, como alega o presidente do INAG, tenham sido enviados «os dados provando, justamente, o contrário do que viria a ser publicado». Já para a preparação da notícia da edição de 1 de Setembro – que viria a ter como título «Alqueva registou ontem valor zero no caudal afluente» – colocaram-se oito questões de índole técnica ao INAG. Uma delas era crucial: «Ontem, a estação de Alqueva apresentou novamente um valor de zero para o caudal afluente. Qual foi então a quantidade de água que afluiu ontem à albufeira de Alqueva?». Nenhuma das oito questões foi respondida. A Direcção do DN tinha conhecimento dessa situação. Por isso, como se pode caracterizar a atitude e a índole pessoal de Orlando Borges que, após recusar responder às minhas questões, exige posteriormente a publicação de um direito de resposta? E da Direcção do DN que publicou um «direito de resposta» difamatório do meu trabalho, sem me dar possibilidade de defesa? Enfim, tudo isto é deplorável. E creiam os leitores que assim é; caso contrário não teria exercido este direito de resposta.

2 comentários:

Anónimo disse...

Na verdade, caro P.Vieira, alguns geógrafos têm formação em hidrologia na medida em que existiu - não sei dizer se ainda existe - formação curricular nessa matéria. No mais, há alguns princípios basilares de hidrologia que eram ensinados a todos, em Geografia Física II.
Cumprimentos,
Bruno Vieira, Geógrafo Físico

Anónimo disse...

Compreendo a “zanga” de Orlando Borges.

Inferências como a seguinte não são válidas:
“(…) Os cortes totais de caudal no Guadiana contrariam o disposto no convénio dos rios internacionais(…)
Certo é que as consequências destes cortes de caudal no Guadiana começam a ser evidentes na albufeira de Alqueva, que actualmente está nos níveis mais baixos dos últimos dois anos. “
Poder-se-á inferir do acima exposto que o Alqueva está baixo porque os espanhóis fecharam a torneira. Mas mesmo que a tivessem aberta a 2 m3/s, como o Alqueva estava a libertar (possivelmente para produção eléctrica e/ou caudal ecológico) entre 6 a 12 m3/s (provavelmente mais noutras alturas) nessa altura a barragem estaria sempre a baixar…

“(…). O máximo que atingiu foi em Junho de 2004, quando chegou a cerca de 80% do armazenamento total. Desde essa altura, tem vindo a "perder" água e ontem estava nos 61,6%, o valor mais baixo dos últimos anos. A situação ainda se torna pior em relação à sua capacidade útil - ou seja, o volume que pode ser utilizado para a rega e produção eléctrica. Como cerca de 25% da albufeira é "volume morto", não utilizável, o "copo" criado pela barragem de Alqueva está, actualmente, a meio.”
Aqui sim, é afirmado que o Alqueva tem vindo a perder volume, mas não é indicado porquê!
Não esquecer que, ainda hoje, o Alqueva tem pouco significado em termos de regadio e, presumivelmente, o facto de estar a 25% da capacidade utilizável deve-se à produção eléctrica.

(…) O caso do Guadiana é mesmo dramático porque, em relação ao ano passado, existem agora menos cerca de mil hectómetros cúbicos - um volume superior ao da nossa albufeira de Castelo de Bode. Os restantes rios internacionais (Minho, Douro e Tejo) estão em situação menos gravosa. *
Onde é que está o drama? Grave é se o Castelo do Bode não tivesse água. Que eu saiba não está previsto a instalação de captações da EPAL no Alqueva…
Salvo erro, o Alqueva está dimensionado para suprir as necessidades estimadas para o regadio para um período de 3 anos consecutivos de seca. Este tipo de informações e muitas outras podem ser encontradas nos Planos de Bacia Hidrográfica.
É também evidente que a eventual violação do convénio durante curtos períodos de tempo não terá grande significado em termos de afluências anuais, embora possa ter alguns problemas em termos ecológicos, mas a que a região e os ecossistemas estão razoavelmente habituados.

Claro que os agricultores não são particularmente responsáveis em termos de uso de água… excepto quando esta está quase nos limites….
Mas também não o precisam de ser. Afinal, com esta a 2 a 3 cêntimos por m3 nos regadios públicos, mais litro, menos litro. Mas a água de Alqueva vai ser muito mais cara, apesar de ter uma componente social, acima dos 11 cêntimos / m3. Quando a EDIA fornecer a água aos regadios pré-existentes (Odivelas, Roxo, etc.) será que os agricultores a vão pagar? Será que, pura e simplesmente não a vão solicitar porque é muito cara e depois exigir subsídios para a seca? O Alqueva irá “definhar” na sua componente agrícola?