Enquanto escrevo, decorre há oito horas um incêndio em Mourão. Num Verão que tem sido muito muito ameno (com excepção dos últimos dias as temperaturas são relativamente moderadas e choveu, pelo menos, em três períodos distintos do mês de Julho), destaca-se porém os fogos de alguma dimensão no Alentejo. Esta situação, aliás, tem vindo a agravar-se ano após ano.
No ano passado, fiz um artigo para o Diário de Notícias sobre esta situação que, julgo, ser pertinente aqui recordar.
«O Alentejo arrisca tornar-se um inferno de chamas nos próximos anos, caso se mantenha a tendência de agravamento dos últimos cinco anos. O recente incêndio da serra de Ossa - que terá queimado mais de seis mil hectares - apenas veio confirmar que esta região, praticamente imune aos fogos até finais da década de 90, começa a figurar cada vez mais no mapa dos incêndios devastadores de Portugal.
Para já, os três distritos alentejanos (Portalegre, Évora e Beja) ainda estão longe de estar no topo dos mais incendiáveis do País, mas a evolução dos últimos anos é terrível. Com efeito, olhando para as estatísticas oficiais, o distrito de Portalegre sofreu um agravamento da taxa média anual de 2891% quando se compara o período 2000-2005 com a década de 90. Os distritos de Évora e Beja atingiram agravamentos de 617% e 866%, quando em termos nacionais o incremento foi de 264%, já em si um valor elevadíssimo.
Apesar de esta tenebrosa evolução estar ainda longe de colocar o Alentejo no topo das regiões mais incendiáveis do País, certo é que, de entre os 20 maiores incêndios do último quinquénio, seis iniciaram-se no Alentejo (v. quadro). O maior incêndio de sempre - em Nisa, que queimou 41 mil hectares - é algo assombroso a nível nacional e sobretudo regional, sabendo-se que antes de 2003 o pior ano neste distrito tinha sido 2001, com apenas 2461 hectares queimados.
Os outros dois distritos ainda não tiveram anos tão avassaladores, mas Beja já registou dois anos acima dos 10 mil hectares ardidos (em 2003 e 2005), quando o máximo nos anos 90 tinha rondado os dois mil hectares (em 1994). Em Évora, onde raramente ardiam mais de mil hectares nos anos 90, já arderam quase 10 mil hectares em 2003, valor que deverá ser ultrapassado este ano. Nos últimos anos, destacam-se na zona os incêndios em Almodôvar, Portel e Odemira, que devastaram milhares de hectares.
Do ponto de vista meteorológico, o Alentejo é potencialmente a zona mais susceptível aos incêndios em Portugal: temperaturas elevadas e humidade relativa baixa e praticamente sem chuva durante o Verão. No entanto, tem a seu favor a baixa incidência de fogos - somente 0,8% do total nacional -, para além de o coberto vegetal ser dominado por montados de sobro e azinho, que se tiverem uma boa gestão são quase imunes aos fogos, a que acresce uma menor densidade do arvoredo que dificulta a propagação do fogo.
Contudo, a repentina alteração na incidência de fogos destrutivos deve-se, exactamente, ao progressivo abandono rural e florestal, que permitiu criar matagais por entre o arvoredo, o que constitui autênticos "barris de pólvora". Essa situação, embora afectando mais os pinhais e eucaliptais desta região, começa também a evidenciar-se nas manchas de montado de sobro. Aliás, o sobreiro começa a ser uma espécie florestal ameaçada, dado que no último quinquénio cerca de 80 mil hectares já foram afectados pelas chamas, embora uma parte significativa tenha ocorrido nos distritos de Faro e Santarém.
No entanto, existem ainda outros motivos para que os incêndios no Alentejo sejam bastante destrutivos: esta região é das menos vigiadas por postos fixos e com a pior cobertura de corporações de bombeiros e brigadas de primeira intervenção. Por isso, não surpreende que no ano passado, dos 196 fogos nesta região, 15 chegaram a ultrapassar os 10 hectares. Uma taxa de quase 8%, cerca de quatro vezes superior à média nacional. Ora, quando um destes incêndios "sobrevive" e atinge uma área vegetal contínua e com tempo seco, acontecem as desgraças. E milhares de hectares de floresta ardem, como palha».
in Diário de Notícias, 14 de Agosto de 2006