1/27/2009

Freeport - análise comparativa de uma aprovação

José Sócrates, Rui Gonçalves e Pedro Silva Pereira - respectivamente, entre Outubro de 1999 e Março de 2002, ministro do Ambiente, secretário de Estado do Ambiente e secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza - têm garantido que o processo de aprovação do estudo de impacte ambiental (EIA) do Freeport, depois do primeiro chumbo, seguiu um procedimento normal, e que a inusitada passagem de um chumbo para uma aprovação (três meses) se devia singelamente ao facto de os serviços já conhecerem o projecto. Será mesmo assim? A minha experiência, empírica, fez-me torcer o nariz, mas quis tirar a prova dos nove.
Assim, dei-me ao trabalho (algumas horas) a ver todos - repito, todos - os EIA que, durante o mandato de José Sócrates como ministro do Ambiente, foram chumbado, e depois saber nesses que evolução registaram. A fonte foi a base de dados da Agência Portuguesa do Ambiente, que pode ser consultada aqui. Os resultados revelam-se mui interessantes e esclarecedores.
Como já referi, como ministro do Ambiente, Sócrates fartava-se de chumbar EIA (e ainda bem, porque revelava preocupações ambientais agora esquecidas por José Sócrates primeiro-ministro), questão bastante relevante porque o parecer do Ministério do Ambiente passara a ser vinculativo para o avanço ou reprovação dos projectos. Em cerca de dois anos e meio, foram chumbados 31 projectos - um número muito relevante. A título de exemplo, levando Nunes Correia quase quatro anos de ministro do Ambiente, apenas conta com 25 chumbos.
Dos 31 chumbos feitos no mandato de Sócrates no Ambiente, cerca de metade refere-se a projectos que foram abandonados, nunca mais tendo ocorrido nova tentativa de aprovação. Ou seja, os promotores não refizeram o projecto. Em outros 15 casos houve reformulação do projecto (ou do EIA) e voltaram, mais tarde, a solicitar a aprovação junto do Ministério do Ambiente. É nestes que interessa uma abordagem à luz do caso Freeport.
Como se sabe, no caso Freeport, depois do chumbo em Dezembro de 2001, sucedeu-se a aprovação em Março de 2002, a três dias das eleições legislativas. Três meses entre chumbo de um EIA e a aprovação de um segundo EIA será um prazo razoável ou algo de estranho se passou? Eis aqui o busílis da questão, como sói dizer-se.
Pois bem, comparando com detalhe os prazos entre o chumbo inicial e a aprovação dos 15 projectos que beneficiaram de uma mudança de opinião ministerial no tempo de Sócrates como ministro do Ambiente (por certo, assuma-se, por se ter reformulado o projecto ou o EIA), o complexo Freeport destaca-se de forma muito relevante.
Com efeito, para além do Freeport, apenas dois outros projectos demoraram menos de um ano entre o primeiro chumbo e a aprovação: portinho de pesca de Vila Praia de Âncora e o túnel da Gardunha. Porém, no primeiro caso, decorreram 10 meses, enquanto no segundo sete meses. Ou seja, sempre mais do dobro do tempo do tempo que necessitou o Freeport, um projecto de muito maior dimensão e localizado numa zona sensível.

De resto, a normalidade processual nota-se na «moda» (do ponto de vista estatístico). De facto, oito dos 15 projectos demoraram entre um e dois anos desde o chumbo inicial até à aprovação de novo EIA. E outros quatro foram aprovados entre três e seis anos após o primeiro chumbo.
Portanto, se dúvidas pudessem subsistir relativamente à situação de excepção, de inusitada celeridade na aprovação do Freeport, parecem-me cair por terra. O projecto Freeport, independentemente das razões para a sua aprovação, mereceu um tratamento especial com vista a uma rápida aprovação antes das legislativas e mesmo antes da tomada de posse do Governo de Durão Barroso. Por que razão isso aconteceu, a investigação policial procurará saber. Assim se espera.
Em baixo, listo os EIA analisados durante o mandato de José Sócrates no Ministério do Ambiente entre 25 de Outubro de 1999 e 6 de Abril de 2002

Projectos chumbados e depois aprovados (com tempo que decorreu entre chumbo e aprovação)
1 - Construção do Complexo Lúdico-Comercial Freeport - devolvido por desconformidade em 25/10/2000; chumbado em 6/12/2001; aprovado com parecer favorável condicionado em 14/3/2002. Tempo entre chumbo e aprovação: 3 meses
2 - IP2 - Túnel da Gardunha - chumbado em 19/4/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 14/11/2000. Tempo entre chumbo e aprovação: 7 meses
3 - Infraestruturas Marítimas do Portinho de Pesca de Vila Praia de Âncora - chumbado em 21/2/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 12/12/2000. Tempo entre chumbo e aprovação: 10 meses
4 - Pedido de Alteração de Estabelecimento Industrial da Continental Mabor - devolvido para reformulação em 15/5/2000; chumbado em 28/3/2001; aprovado com parecer favorável condicionado em 9/5/2002. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 1 mês.
5 - A13 - Auto Estrada Almeirim/Marateca - Sublanços Almeirim/Salvaterra de Magos e Salvaterra de Magos/IC11 - chumbado em 14/3/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 9/8/2001. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 4 meses
6 - A11 / IP9 - Lanço Guimarães - IP4 - chumbado em 23/1/2001; aprovado com parecer favorável condicionado em 18/6/2002, já no Governo de Durão Barroso. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 5 meses.
7 - A7 / IC5 - Sublanço Ribeira de Pena - IP3 - chumbado em 8/9/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 1/4/2002. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 7 meses
8 - A7 / IC5 - Sublanço Basto - Ribeira de Pena - chumbado em 10/6/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 31/1/2002. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 8 meses
9 - IP 2 - Lanço Teixoso / Alcaria - chumbado em 9/5/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 8/2/2002. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 9 meses
10 - A11 / IC14 - Lanço Esposende - Barcelos - Braga (Sub-lanço Barcelos/Braga/Ferreiros - chumbado em 8/2/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 15/11/2001. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 9 meses
11 - A11 / IC 4 - Lanço Esposende - Barcelos - Braga (Sub-lanço EN 205 - Barcelos) - chumbado em 2/8/2000; devolvido novo EIA por desconformidade em 31/8/2001; aprovado com parecer favorável condicionado em 28/5/2002 já no Governo de Durão Barroso. Tempo entre chumbo e aprovação: 1 ano e 10 meses.
12 - IP2 - Variante Nascente de Évora (Estudo Prévio) - chumbado em 16/5/2001; aprovado com parecer favorável condicionado em 11/1/2005. Termpo entre chumbo e aprovação: 3 anos e 8 meses
13 - Indústria extractiva Bouça do Menino - chumbado em 20/7/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 4/5/2005, já no Governo de José Sócrates. Tempo entre chumbo e aprovação: 4 anos e 9 meses
14 - Porto de Recreio de Faro - chumbado em 19/1/2000; novo projecto devolvido em 18/2/2002 por desconformidade legal; aprovado com parecer favorável condicionado em 19/2/2005, já no Governo de José Sócrates. Tempo entre chumbo e aprovação: 5 anos e um mês
15 - Ampliação da Pecuária de S Marcos do Campo - Suinicultura Quinta dos Plátanos - chumbado em 10/5/2000; aprovado com parecer favorável condicionado em 30/1/2006, já no Governo de José Sócrates. Tempo entre chumbo e aprovação: 5 anos e 9 meses

Outros projectos chumbados pelo Ministério do Ambiente entre 25 de Outubro de 1999 e 6 de Abril de 2002
16 - Parque Eólico da Serra do Açor - chumbado em 22/2/2002; não voltou a ser analisado
17 - Pedreira de Calcário Sedimentar Ornamental - chumbado em 9/11/2001; não voltou a ser analisado
18 - Variante à EN 125 em Raposeira - chumbado em 9/5/2001; não voltou a ser analisado
19 - Indústria extractiva de Calcário "Nascimento" - devolvido para reformulação em 10/2/2000; chumbado em 31/1/2001; não voltou a ser analisado
20 - Ampliação da Indústria extractiva Quinta da Bombarda - chumbado em 16/10/2000; não voltou a ser analisado.
21 - Exploração da Indústria extractiva nº 4504, denominada Ladeira da Matos (Loulé) - devolvido para reformulação em 10/7/1997; chumbado em 7/9/2000; não voltou a ser analisado
22 - Indupel - Unidade Industrial de produção de Papel Reciclado - chumbado em 5/5/1997; novamente chumbado em 25/8/2000; não voltou a ser analisado
23 - Teleférico da Aroeira - chumbado em 11/8/2000; anos (em 1995) houvera um projecto cujo EIA não foi decidido por iniciativa do promotor: não voltou a ser analisado.
24 - Projecto de Florestação de Pombeiro da Beira (Sta. Quitéria e outros) - chumabdo em 27/7/2000; não voltou a ser analisado.
25 - IC3 - Lanço Alcochete / Porto Alto - chumbado em 9/3/2000; não voltou a ser analisado.
26 - Barragem na Herdade da Corte Negra - chumbado em 16/12/1999; não voltou a ser analisado.
27 - Aproveitamento Hidroeléctrico da Vila Seca - Rio Paiva - chumbado em 14/12/1999; não voltou a ser analisado.
28 - Centro Integrado de Tratamento e Aterro de Resíduos Industriais (CITRI, Setúbal) - chumbado em 4/12/1999; não voltou a ser analisado.

29 - Aeródromo da Figueira da Foz - chumbado em 31/7/2001; não voltou a ser analisado
30 - Campo de Golfe com 14 Buracos - Muro do Ludo - Pinheiros Altos - Quinta do Lago - chumbado em 13/12/2001; voltou a ser apresentado mas chumbado de novo em 15/7/2002, já no Governo de Durão Barroso
Dúvidas sobre evolução do processo
31 - Empreendimento Turistíco AS Vale Manso - chumbado em 31/1/2000; não surge registo de ter sido analisado novo projecto, mas existe um condomínio com essa denominação em Tomar, nas margens da albufeira de Castelo de Bode, constituído por 95 vivendas e uma estalagem. Por não estar disponível o relatório não técnico, desconheço se é o projecto chumbado em 2000 e se sim quando foi aprovado o EIA.

8 comentários:

João António disse...

Parabéns excelente post !

Zé Luís disse...

Como diria até o pior ministro das Finanças da UE, rigor, muito rigor.

Pedro Braz Teixeira disse...

Muitos parabéns! Isto é que é jornalismo de investigação!

Gajo Sério disse...

Corrijo:parece que não foi uma vez, mas sim duas que o projecto foi chumbado antes da aprovação. E mesmo assim, foi "aprovado à pressa"???

Gostaria de o ver comentar o seguinte ângulo da questão, que para mim é dos mais importantes a esclarecer (para além do cerne da questão) : a existência clara de uma “toupeira” nas autoridades policiais / judiciais e o papel dos jornalistas que durante 4 anos, nada “investigaram”, ou se o fizeram, guardaram para si o que apuraram até acharem ter chegado a “altura oportuna”. Acredito que isto não é comentado pela generalidade dos comentadores dos media, pois em grande medida, confirmará a tese da “cabala política”… e coloca em caiusa "profissionais" do sector!
Das duas uma: ou não houve investigação jornalística nenhuma, a não ser depois de surgir a “toupeira” a passar informação a jornalistas “fiéis à causa” ou, havendo, o meter na gaveta tanto tempo os seus resultados é eticamente reprovável. No 1º caso, terá havido jornalistas a deixarem-se instrumentalizar por interesses politico-partidários ? No 2º caso, terá havido jornalistas a porem a sua “agenda” ao serviço desses mesmosinteresses? Venha o diabo e escolha!
Desenvolvi este tema em http://sol.sapo.pt/blogs/xadrezismo/archive/2009/01/28/DA-_1C20_TOUPEIRA_1D20_-AOS-MENSAGEIROS_2C00_-NO-CASO-FREEPORT.aspx

Sérgio disse...

Boa Tarde,
Aqui está um bom trabalho de estatística em que só se analisa aquilo que se quer evidenciar. A matemática tem destas coisas. Mas na minha opinião falta aqui um dado muito importante: data de entrada do projecto que foi aprovado.
Ou seja depois do chumbo o projecto é refeito e é novamente proposto para aprovação e esta data é muito importante porque o tempo que demora a aprovar é o tempo que decorre entre a entrega e o despacho com a decisão. Para além de que as alterações introduzidas também contam para o tempo de análise. Uma coisa é refazer todo o projecto outra é alterar exactamente de acordo com a sugestão que levou o chumbo.
Isso sim já pode ser apelidado de jornalismo de investigação.

Barba azul disse...

Mesmo não sendo por simpatia, gostava que Sócrates estivesse inocente em tudo isto.

Devolver por desconformidade não significa que o EIA foi avaliado e chumbado, significa que o processo apresentado foi considerado insuficientemente ou deficientemente instruído. É uma fase inicial em todas as AIA.

Quanto ao tempo que poderá ter decorrido entre a entrega do EIA avaliando um projecto alterado em conformidade com as indicações de alterações necessárias constante da DIA (Declaração de Impacte Ambiental) negativa anterior, parece-me pouco provávelque um projecto daquele tamanho e numa localização tão sensível pudesse ser alterado satisfatóriamente em tão breve espeço de tempo, bem como não vejo razão para que todos os outros projectos referidos - entre os quais alguns bastante mais simples concerteza - demorassem tão mais tempo do que o do Freeport a receberem as alterações necessárias para nova apresentação. Além de que depois de introduzir alterações ao projecto, terá sido necessária novos estudos - novo EIA para avaliar os impactos do novo projecto alterado.

Pedro Almeida Vieira disse...

Várias respostas aos comentários.

1 - Só houve um chumbo de EIA. No primeiro caso, em 2000, o EIA estava desconforme aquilo que a legislação exige, pelo que nem sequer houve lugar a consulta pública e competente despacho muinisterial. Portanto, voltou para trás e não se pode falar de chumbo nesse caso.

2 - Sobre o que os jornais e jornalistas sabem e não escrevem, não tenho nada a declarar. Respondo apenas por mim.

3 - Ao Joaquim, o Barba Azul já responde parcialmente, o meu post mais recente também responde e voltarei a falar sobre isto.

Alexandre disse...

Portarias e Leis ilegais são o pão nosso de cada dia em Portugal