1/24/2009

Reflexões sobre o Freeportgate

Pela minha experiência como jornalista da área de ambiente, o processo de avaliação de impacte ambiental do Freeport foi, a todos os níveis, anormal. E a celeridade e as coincidências são demasiado suspeitosas.

Fazendo um historial do processo, consultando os dados da Agência Portuguesa de Ambiente, o primeiro estudo de impacte ambiental (EIA) foi apresentado em 10 de Junho de 2000, tendo as autoridades ambientais levado mais de quatro meses (25 de Outubro de 2000) para determinarem que o EIA estava desconforme com as premissas da lei. Ou seja, foi devolvido.

Somente em 22 de Maio de 2001, o EIA do Freeport Leisure - que entretanto substituíra o Grupo McKinney como promotor - dá entrada novamente nas autoridades ambientais. Cerca de três meses depois, em 9 de Agosto de 2001, inicia-se a consulta pública, que decorre até 18 de Setembro de 2001. Note-se - aspecto muito importante -, o tempo médio entre a entrada do EIA e o início da consulta pública é, por regra de cerca de três meses (por vezes mais, muito raramente menos). A consulta pública demora 40 dias, o máximo legal. Ou seja, até aqui tudo normal. Este EIA é, então, objecto de decisão em 6 de Dezembro de 2001: desfavorável, por razões ambientais. Note-se também que este «chumbo» sucede 10 dias antes das eleições autárquicas que levaram à demissão de António Guterres.

Ora, a partir daqui, tudo se altera. Em tempo recorde, o Freeport Leisure reformula o EIA, retirando-lhe apenas o hotel e o health club, e consegue que o processo de avaliação de impacte ambiental se inicie em 18 de Janeiro de 2002. Também em tempo recorde, a consulta pública inicia-se apenas 12 dias depois da entrada do novo EIA nas autoridades ambientais. Não me recordo - e estive a vasculhar muitos prazos de outros processos de avaliação - de outro processo que passou tão rapidamente da entrada do EIA para a fase de consulta pública. O prazo estabelecido, embora dentro da lei, foi encurtado: em vez de 40 dias (como na anterior avaliação do EIA chumbado), este só teve 30 dias.

Terminada a consulta pública em 5 de Março de 2002, a decisão favorável do secretário de estado do Ambiente de então, Rui Gonçalves, é feita em 14 de Março. Ou seja, sete dias úteis depois. Foi rápido, mas não anormalmente rápido, porque em processos não muito complexos, sem grande participação pública, este prazo demora, por regra, menos de um mês (nos mais complexos pode levar vários meses).

Ora, mas a aprovação do EIA no dia 14 de Março de 2002 coincide com a data do Conselho de Ministros que aprova a alteração dos limites da ZPE do estuário do Tejo. E é aqui que está todo o busílis. Mesmo sem conhecer os pressupostos da declaração de impacte ambiental assinada pelo secretário de Estado, certo é que caso a área do Freeport continuasse inserido na ZPE do estuário do Tejo, haveria problemas legais, quer a nível nacional quer comunitário. Com efeito, um projecto daquela natureza numa ZPE exigiria sempre um estudo de alternativas de localização - e o Freeport não teve. Por outro lado, o tipo de ocupação, ainda mais nas margens do estuário, não seria aceitável dentro daquilo que são as premissas da Rede Natura - e a Comissão Europeia certamente interviria, mais ainda por causa da questão ponte Vasco da Gama, que na época ainda estava «quente». Por isso, há uma relação causal directa entre a alteração da ZPE e a aprovação do EIA.

Quanto às relações perigosas entre familiares de José Sócrates, o Ministério do Ambiente e a Freeport, à paragem das investigações durante anos no Tribunal do Montijo e outras coisas esquisitas, é um «caso de polícia».

Mas há apenas um pormenor a reter: José Sócrates, em Março de 2002, nunca imaginaria estar de novo no poder três anos depois... e muito menos como primeiro-ministro. E outra coisa mais: começam a suceder-se demasiados casos no passado de José Sócrates que lhe começam a pesar politicamente. De cor, recordo-me do processo de licenciatura, das ligações também perigosas à construção da estação de compostagem da Cova de Beira, dos seus antigos projectos de arquitectura na zona da Covilhã e agora este caso. Não me recordo de um primeiro-ministro com uma casa que parece ter tanta telha de vidro.

3 comentários:

Manuel Brás disse...

Quem semeia ventos...

Quem semeia ventos,
tempestades colherá,
estes acontecimentos bafientos
gente opaca espelhará!

Este jardim rosado
com tanta gente enluvada,
o Cravinho foi despachado
para não ser cúmplice da trapalhada.

Curta é a memória
para as trapalhadas abafar,
o Sócrates ficará para história
como um político que não soube governar!

Grão a grão
a verdade é destapada,
o mundo da ilusão
está a ser investigada.

A memória é escassa
quando a verdade não é conveniente,
o “jardim rosáceo” da nossa desgraça
cheira deliciosamente!

O Sol continua a brilhar
lá para as bandas de Alcochete,
muitos quiseram abafar
não colocando o caso em manchete!

(ameijoafresca.blogspot.com)

j. manuel cordeiro disse...

Muito interessante.

A. Moura Pinto disse...

“Mas há apenas um pormenor a reter: José Sócrates, em Março de 2002, nunca imaginaria estar de novo no poder três anos depois... e muito menos como primeiro-ministro.”
Foi por este naco de prosa, lida no Público, que vim aqui.
Porque não conclui? Falta-lhe a coragem? Ou é dos tais jornalistas das percepções e dos subentendidos?
Depois, essa de ligar a licenciatura a isto é mesmo de mestre. Mas deve ter igualmente a ver com a sua “experiência como jornalista da área do ambiente”. Mas há ambientes pouco ou nada recomendáveis.