1/18/2005

Farpas Verdes CXXXVIII

A pretexto da ida de Nuno Cardoso à Polícia Judiciária sobre o negócio da permuta dos terrenos entre a autarquia e o Futebol Clube do Porto, recordo-me de no longínquo dia 15 de Setembro de 2001, na edição do Expresso, ter escrito com duas colegas um artigo que desvendava alguns dos contornos desta «negociata». A questão não estava somente na questão de prejudicar a autarquia, mas beneficiar, com esquemas esquisitos, entidades que, se não estivessem «travestidas» de clubes (estou a referir-me às SAD) não obteriam essas benesses.

Aqui abaixo deixo o texto:


Porto lidera campeonato do betão (Expresso, 15 de Setembro de 2001)
Constuir urbanizações nos terrenos onde estão os actuais estádios é a táctica dos principais clubes portugueses para terem novos recintos em 2004. Reclamam-se novas regras para o jogo e há árbitros com critérios diferentes.

A CÂMARA Municipal do Porto solucionou, de forma expedita, as limitações impostas pelo seu plano director municipal (PDM) para a componente imobiliária em redor do novo estádio das Antas. Uma situação que, por agora, está longe de se aplicar no caso dos terrenos do Benfica que ficarão livres após a demolição do actual estádio da Luz. A viabilização do projecto imobiliário do Futebol Clube do Porto (FCP) está a ser feita ao abrigo de normas provisórias, aprovadas em Conselho de Ministros de Julho do ano passado, que suspendendo o PDM da «Cidade Invicta» permitiu contornar a proibição de construção de fogos residenciais naquela zona.

Enquanto o PDM portuense classificava os terrenos do estádio das Antas como equipamentos desportivos - tal como ocorre no caso do estádio da Luz, em Lisboa -, as normas provisórias concedem direitos de construção mesmo que haja alteração de uso do solo.

De qualquer modo, essas directrizes salientam que naqueles casos, os promotores teriam de «entregar» à autarquia uma determinada área bruta de construção. Ou seja, o FCP não poderia, em princípio, ultrapassar o índice 2,1 - ou seja, edificar 2,1 metros quadrados (m2) de área coberta por cada m2 de terreno.

Contudo, conforme admitiu ao EXPRESSO Pedro Silva, adjunto do presidente Nuno Cardoso, «a autarquia cedeu capacidade construtiva ao clube», embora adiante que este aspecto ainda está em fase de negociações ao nível do plano de pormenor, já concluído mas que aguarda aprovação do Governo.

Esta cedência fez com que o índice de construção permitido ao FCP passasse a ser de 3,3. Uma alteração que, em termos práticos, implicou uma «mais-valia» de 73.000 m2, o que a preços de mercado da construção valerá um lucro líquido superior a 7 milhões de contos. Pedro Silva refuta que tenham sido feitas alterações para servir negócios imobiliários. «O PDM era omisso», diz aquele responsável.

Certo é que vai nascer na zona das Antas um complexo habitacional para 3000 fogos e uma área bruta de construção de 200 mil metros quadrados, enquadrado num projecto de reabilitação urbana naquilo que é considerado pelos promotores como «uma nova cidade desportiva, imobiliário e comercial».

Benfica pressiona

Idêntico esquema não está previsto para o caso do Sport Lisboa e Benfica. Nos últimos tempos, a direcção da sociedade anónima desportiva (SAD) do «clube da águia» tem estado a pressionar a autarquia no sentido desta permitir a construção nos terrenos do estádio da Luz, através de uma alteração do PDM que, neste momento, está em início de revisão.

Mas, além do presidente da autarquia lisboeta, João Soares, recusar uma alteração do PDM para servir os propósitos do clube de Manuel Vilarinho, uma garantia a muito curto prazo de viabilidade de construção naqueles terrenos é legal e politicamente impossível .

De qualquer modo, Mário Dias, vice-presidente do Benfica com a tutela do património, defende que a autorização de construção nos polémicos terrenos «é fundamental para o financiamento do novo estádio», já que isso permitiria um encaixe financeiro de 10 milhões de contos resultantes da venda de direitos de construção que pode atingir os 96.000 m2. Isto caso seja concedido um índice de construção de 1,2 - o dobro do que o actual PDM permite para os terrenos adjacentes.

Ora, isso resultaria na construção de cerca de 800 fogos numa área de apenas oito hectares. Pressupondo que cada prédio terá 10 andares com dois apartamentos por piso, significa que naquela zona poderão «nascer», caso as intenções do Benfica se concretizem, 40 «torres». «Aquela zona não aguenta mais construção, seria algo aberrante», defende Nunes da Silva, professor de urbanismo do Instituto Superior Técnico.

Santana Lopes propõe permuta de terrenos

Pedro Santana Lopes, candidato do PSD à autarquia lisboeta, considera também «desajustado para a zona a sua massificação urbanística», propondo que seja feita uma permuta de terrenos entre o município e o Benfica, permitindo assim que o «clube da Luz» construa em zonas menos saturadas. «A autarquia é o principal proprietário de Lisboa e tem de se ser imaginativo, sobretudo quando o essencial é garantir a existência de dois estádios lisboetas para o Euro 2004», diz.

De qualquer modo, Santana Lopes diz que «esta solução nunca pode ser tomada para benefício dos accionistas da SAD do Benfica interessados nas mais-valias da construção civil», salientando que, do ponto de vista económico seria mais vantajosa a remodelação do actual estádio.

João Soares diz que «por agora, a questão da permuta não se coloca», adiantando: «Os dirigentes do Benfica sabem que os temos apoiado bastante em outras situações. Não podem ter razões de queixa».

À margem desta polémica está o Sporting, embora o os dirigentes «encarnados» ainda argumentem pretender os mesmos índices de construção de 1,2 autorizados para a zona do estádio de Alvalade. A situação do Sporting é, contudo, algo diferente das do Benfica e Porto, porque não foi necessário proceder a alterações das normas do PDM para se conseguir construir nos terrenos do actual estádio José Alvalade.

Com efeito, o PDM de Lisboa, em vigor desde 1994 concedeu ao Sporting direitos de construção da ordem dos 109.000 m2 e previa mesmo a hipótese de urbanizar os terrenos das áreas desportivas caso estas viessem a ser demolidas. A isto acrescentava-se a possibilidade de ocupação da área sobre o interface com «edifícios de habitação, escritórios e comércio», não definindo, porém, volumetrias.

Sporting aguarda aprovação camarária

Estas regras foram, em 1999, confirmadas num protocolo que o Sporting assinou com a autarquia lisboeta, no qual já era também registada a construção do novo estádio. Continuaram, contudo, por definir os níveis de construção sobre o interface. Perante esta indefinição, os leões acrescentam ao projecto urbanístico para ocupar a área onde está agora o estádio José Alvalade, ou seja, os 109.000 m2 de construção, mais cerca de 30.000 m2 junto ao terminal do Metropolitano do Campo Grande.

O Sporting ainda apresentou uma proposta de duas torres que se estendiam sobre o terminal, mas, de acordo com Leiria Pinto, administrador do Metropolitano «tivemos que recusar, por duas vezes, essa solução por razões de segurança». Perante isto, o Sporting optou pela construção de quatro torres de 10 andares - duas de cada lado da linha do metropolitano, junto ao actual terminal rodoviário -, numa superfície de implantação de 3.1 hectares.

Este projecto carece, no entanto, de duas aprovações da Câmara: por um lado a da aceitação da densidade de construção proposta e, por outro lado, do município ceder o direito de superfície daqueles terrenos. Este última condição foi incluída no protocolo de 1999, embora remetendo acertos definitivos para um «protocolo complementar». E o Metropolitano de Lisboa «exige» que a fase de construção não afecte o seu regular funcionamento.

Para Luís Adão e Silva, administrador da SAD leonina, a «Câmara não deve fazer mais que cumprir o que já foi previsto tanto no PDM como no protocolo de 99». Luís Adão e Silva sublinha que «tudo foi planeado atempadamente e não desrespeitamos nenhuma das condições».

Embora não seja «indispensável», este administrador, reconhece que estas torres são «importantes» para a «fatia» de 3,8 milhões de contos que o Sporting vai buscar ao projecto urbanístico, para constituir o «bolo» dos 10 milhões de contos de capitais próprios para o pagamento do novo estádio. Neste momento, o plano de pormenor está a ser apreciado pelos serviços da autarquia.

PEDRO ALMEIDA VIEIRA e VALENTINA MARCELINO com MARGARIDA CARDOSO



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