Tendo em conta que o Governo Sócrates anunciou e iniciou uma cruzada para a contenção da despesa pública, julgo oportuno relembrar a criação de um «monstro» empresarial chamado Águas de Portugal, cujos «pais» são exactamente o primeiro-ministro, José Sócrates, então ministro do Ambiente, e o actual ministro das Obras Pública, Mário Lino, então presidente da «holding».
Convém, antes de mais, esclarecer que a empresarialização foi um meio (talvez o único) de começar a resolver o gravissímo problema do saneamento básico do país que à conta das autarquias levava o país a ser, resumidamente, uma imunda lixeira que distribuía à população água cheia de esgotos. No entanto, os meios para chegar a um fim nobre é que são contestáveis. Ao longo dos anos, em vez de se criar uma estrutura que permitisse sinergias e economias de escala, a «holding» Águas de Portugal foi crescendo como um polvo, de modo que hoje temos à «sombra», o seguinte conjunto:
- 18 concessionárias de sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais (9 são sistemas integrados de água e de saneamento);
- 14 concessionárias de sistemas multimunicipais de tratamento e valorização de RSU;
- 11 concessionárias de sistemas municipais de abastecimento de água e saneamento;
- 9 empresas na área dos resíduos sólidos industriais e fluxos especiais de resíduos;
- 2 empresas com intervenção noutras áreas de negócio;
- 7 empresas nos mercados internacionais
Ou seja, no total, são 63 empresas, cada uma das quais com um conselho de administração constituída por entre 3 e 5 elementos, alguns acumulando cargos em várias empresas. Em muitos casos, também temos autarcas nos conselhos de administração. Em 2001, quando fiz uma investigação para o Expresso sobre o universo empresarial das autarquias foi complicadíssimos saber os dados completos destas empresas - a «holding» recusou mesmo depois de um parecer da CADA -, mas deu para detectar alguns desperdícios (p. ex.,, recordo-me que na SIMRIA havia três administradores para uma dúzia de funcionários). Existem, além disso, situações peculiares e aberrantes (p. ex., parte da água captada pela EPAL é vendida à sua «irmã» Águas do Oeste que, por sua vez, vende ao consumidores). Não estarei a exagerar se disser - tendo em conta que, por exemplo, a administração da EPAL nos custa 5 milhões de euros por ano - que só em administradores, este grupo custa, pelo menos, 200 milhões de euros por ano.
Além disso, é uma «holding» muito sui generis: apesar de ter apresentado um lucro em 2004 de 12,9 milhões de euros - o melhor resultado de sempre - foi feita à «custa» dos lucros da EPAL (26 milhões de euros), o que significa que são os clientes da EPAL que estão a suportar esta «holding» de 67 empresas. Sem a EPAL, a Águas de Portugal apresenta sim um prejuízo de 13,1 milhões de euros.
Eu sei que houve razões politico-autárquicas para esta desmultiplicação de empresas levada ao extremo, mas num período de contenção, talvez fosse razoável pensar numa reformulação desta estrutura, a começar pela supressão de algumas empresas (cuja área de intervenção passaria para outra) e a fusão algumas empresas de base regional, além da integração da componente água-resíduos em algumas regiões.
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