7/04/2005

Memória de Elefante IV

Nota: Este foi o artigo final de uma investigação que fiz no Expresso em finais de 2001 que abrangia o mundo empresarial das autarquias e de empresas multimunicipais. Na altura, houve promessas do Governo PS em alterar a lei. Entretanto, em Dezembro desse ano, António Guterres demitir-se-ia e tudo ficou esquecido. Tudo, excepto as empresas que foram crescendo, crescendo... Sócrates bem que podia/devia ser coerente com a promessa de 2001...


«Governo revê Lei», in Expresso, 17 de Novembro de 2001

José Sócrates, ministro que tutela as autarquias, e António Guterres: o Executivo prepara a marcha-atrás

O GOVERNO quer mudar a legislação aprovada em 1998 para travar um processo que permitiu, em apenas três anos, a criação de cerca de 120 empresas municipais, das quais cerca de metade desde Novembro de 2000. O ritmo de crescimento deste tipo de entidades tem sido, com efeito, impressionante: desde que, em 5 de Outubro, o EXPRESSO iniciou a publicação de artigos sobre este tema, foram registadas mais quatro empresas municipais — duas na Amadora, no Cadaval e em Povoação, nos Açores. E foi ainda anunciada, já este mês, a formação de outras cinco: no Porto (três), Mirandela e Beja.

O secretário de Estado da Administração Local, José Augusto de Carvalho, disse ao EXPRESSO que será «feito um pedido de autorização legislativa com vista ao aperfeiçoamento das normas que evitem a adopção desajustada e sistemática desta organização jurídica». Admitindo que «o Governo tem estado atento aos alertas sobre algumas disfuncionalidades que têm vindo a público», aquele responsável — que no início de Outubro confessava desconhecer a dimensão do mundo empresarial autárquico — defende que a participação de autarquias em empresas deve «ser mais transparente, em especial no que respeita à escolha de parceiros (privados)».

Um outro aspecto que o Governo quer clarificar é a sustentabilidade económico-financeira destas empresas, bem como as formas de financiamento por parte das autarquias. Recorde-se que a esmagadora maioria das empresas municipais com mais de um ano de existência têm reduzida dimensão e apresentam prejuízos. E mesmo aquelas que têm lucros sobrevivem sobretudo à custa de constantes subsídios à exploração ou de contratos-programa, sem os quais entrariam em falência técnica.

Remunerações na ordem do dia

As remunerações são outro aspecto que o Governo quer agora clarificar. Alguns administradores de empresas municipais de pequena dimensão, como acontece no Porto e em Gaia, ganham tanto ou mais que os presidentes das câmaras. E alguns autarcas recebem senhas de presença por estarem à frente de empresas que tutelam.

O líder parlamentar do Partido Socialista, Francisco Assis, diz estar aberto à revisão da lei, mas salienta que esta não «pode ser vista como satanização ou injúria aos avaliados». Assis defende ser «absolutamente inquestionável a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de controlo, segundo os mesmos critérios que são aplicáveis a actividades similares desenvolvidas pela administração central». O chefe da bancada socialista assegura que «o PS contribuirá para que se estabeleça no curtíssimo prazo os mecanismos de controlo de toda a actividade empresarial do poder local».

O Partido Popular (PP) — que em 1998 votou contra a lei das empresas municipais, embora a sua proposta fosse quase idêntica àquela que acabou por ser aprovada — diz que «houve claro exagero na criação de empresas municipais». Basílio Horta, líder parlamentar do PP, critica mesmo o PS pela actual situação «por quando da aprovação da lei de 1998 ter rejeitado um conjunto de regras de gestão e de controlo financeiro que constavam da proposta de lei apresentada pelo próprio Governo». Essa proposta governamental vedava parcerias público-privado, exigia a publicação de estudos de viabilidade económica e previa o controlo da gestão por parte da Inspecção-Geral do Território e Inspecção-Geral das Finanças. Basílio Horta defende que «o universo empresarial deveria ser alvo de uma análise à semelhança da que foi feita por Vital Moreira para os institutos públicos».

Menos críticos são os comunistas. Honório Novo, deputado do PCP, diz que as empresas municipais permitem «uma maior eficiência e operacionalidade num quadro de crescentes constrangimentos legais impostos pela administração central». Contudo, está contra a entrada de privados no capital das empresas municipais e diz que «a sua criação não deve ser uma prática generalizante».

A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) está, contudo, contra restrições à actual lei. Mário de Almeida, presidente da ANMP e da autarquia de Vila do Conde, afirma que «o actual modelo parece aceitável, merecendo, fruto da sua tenra idade, o teste que só o tempo propiciará». Almeida salienta que o controlo já existe ao nível das assembleias municipais e dos diversos órgãos das empresas (fiscal único e revisor oficial de contas). Defendendo ser «politicamente defensável» a parceria empresarial entre autarquias e privados, o presidente da ANMP acrescenta «não ser legítimo que o Estado queira exercer qualquer controlo de mérito sobre as entidades com participações autárquicas». «Ainda é cedo para fazer qualquer balanço», conclui.

O EXPRESSO tentou obter comentários do PSD, do Bloco de Esquerda e da Presidência da República, mas sem êxito.

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