2/26/2009

A realidade da ficção

António Manuel Venda, meu colega de lides literárias, está a lançar uma nova obra de ficção retratando uma infeliz (e infelizmente já esquecida) realidade portuguesa: os incêndios florestais. Uma Noite com o Fogo é um romance que aborda um dia fatídico do Verão de 2004 na serra de Monchique, onde «o fogo andou à solta nos montes da minha terra, tal como tinha andado um ano antes». Mais informações sobre este romance - que espero ler em breve - estão aqui.

Em todo o caso, destaco aqui uma passagem que, parecendo ficção, afinal é uma realidade.

«(...) um ministro até podia depois de aterrar no ribeiro, levantar-se, passar as mãos pelo corpo a ver se não tinha nada partido, e depois andava uns metros até à levada e ia pela parede sempre a par do ribeiro, no sentido em que as águas corriam, e em cinco ou dez minutos chegaria à aldeia da antiga casa da minha avó, onde a levada embocava na represa. E aí era só andar mais uns metros que no escuro da noite lá estaria o carro com o motorista para levá-lo para o remanso da capital, a dupla mansidão do seu gabinete onde tudo esqueceria, o tempo suspenso no ar com os outros iguais a ele em desqualificação e vadiagem, de costas voltadas para a linha de fogo, todos diluídos no escuro, esperando que disparasse uma máquina fotográfica mas de repente o que viam era uma pedra a partir da minha mão, ou nem viam, porque para eles eu também era escuro, também estava misturado com o escuro da noite, e a pedra a mesma coisa; apenas ele, o ministro, sentia o embate, confuso por não ter visto disparar nenhum flash e a pensar que ia ter uma foto para a capa de uma revista ou para a primeira página de um jornal, com sorte uma foto em que haveria chamas como pano de fundo. (…)»

Nota: Por falar em incêndios, eles já andam por aí. Basta umas semanitas sem chover, qualquer que seja o mês e aí estão eles.

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