4/06/2004

Farpas Verdes LVIII

São Pedro é nosso amigo. Depois da Primavera se anunciar radiosa, o que em Portugal significa risco de incêndio, seguiram-se alguns dias de chuva. Mesmo assim tivemos já alguns fogos florestais para amostra. Há dias, num comentário a um post, o Vítor Ramos Costa, do Desenvolvimento Sustentável, pedia-me que explicasse os motivos para o surgimento de incêndios nesta época do ano. A explicação é simples: como o Inverno foi relativamente seco, basta que os matos (combustíveis) estejam secos e que haja uma ignição (queimada, fogo posto, uma descarga de alta tensão, uma faísca de um relâmpago) para começar a arder. Aliás, recordo-me que no dia 27 de Dezembro de 2000 (salvo erro) houve um incêndio que foi o segundo maior desse ano. Há também outro aspecto interessante: nas últimas duas décadas, a precipitação média do mês de Março é sensivelmente metade daquilo que se registava no mês homólogo nas anteriores décadas. Este é um facto confirmado mesmo pelo Instituto de Meteorologia.

Entretanto, o Governo vai anunciando algumas medidas avulso: ele é mandar o pessoal do Rendimento Mínimo Garantido com uma formação de dois dias para cortar mato, ele é um relatório da Assembleia da República a culpar a Natureza (onde já ouvi isto?) dos fogos do ano passado, ele são as proibições de fumar e fogear na floresta, ele são promessas de mais meios de combate.

Enfim, ele é tudo, menos trabalho estruturante. Percorrendo a nossa floresta (o que quer que isto signifique), não se vislumbra qualquer mudança em relação aos anos anteriores. Os pinhais continuam matagais, grande parte das árvores calcinadas ainda estão no terreno, a cartografia está por fazer, o associativosmo florestal mantem-se imberbe e, enfim, não se vislumbram grandes novidades sobre o futuro das áreas queimadas do ano passado.

Este fim-de-semana estive a moderar um debate sobre a situação dos montados de sobro. Como sabem, a produção de cortiça é o único sector onde Portugal é líder mundial, pese embora a fraca aposta e carinho dos sucessivos Governos. Actualmente, a produção de cortiça é inferior àquela que era nos anos 60. Não vi até agora nenhum responsável florestal a dizer que, em termos estratégicos, deveria pensar-se em vir a reflorestar as áreas queimadas no ano passado na zona da Beira Interior com sobreiros. A ideia é longe de ser estapafúrdia. Pelo contrário, é das mais sensatas que se poderia implementar, não apenas por razões de estratégia económica, mas também por razões ambientais. Os fenómenos das alterações climáticas «empurrarão» o óptimo ecológico do sobreiro cada vez mais para norte. Ora, isso significava que dentro de quatro décadas, a zona da Beira Interior terá características ecológicas ideais para o sobreiro. Mas isso implicaria acções concertadas para promover esta solução, mas, como se sabe, os actuais apoios para os sobreiros e para a perda de produtividade (que apenas abrange os primeiros 25 anos) são ridículos.

Continuo a dizer: a única área que está livre de arder este ano são os 420 mil hectares que arderam no ano passado.

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