5/16/2007

A pretexto da nova época de fogos

Talvez alguns se recordam que, no Verão passado, quando começaram a surgir alguns incêndios de maior dimensão, no início de Agosto, veio logo o Governo dizer que se estava a bater recordes diários de número de ocorrências (incêndios e fogachos). Embora mais tarde a Direcção-Geral dos Recursos Florestais (sobretudo num relatório do final de Agosto de 2006) tenha corrigido esses valores, admitindo que os anteriores dados estavam inflacionados, nota-se agora, nas estatísticas oficiais, que a situação do ano passado foi muito, mas mesmo muito calma em termos de ocorrências.

Com efeito, aqui podem descarregar as estatísticas da DGRF e ver que, no ano passado, houve apenas 19.929 ocorrências, o valor mais baixo da última década. Se se contabilizar apenas os incêndios (área superior a um hectare), então o ano de 2006 é o que apresentou número mais baixo desde 1988.

Disto resultou uma área ardida de 75 mil hectares, o que, na minha opinião é um valor muito elevado tendo em conta os sucessivos períodos de pluviosidade que se registaram ao longo do Verão passado, o que só por si implicou uma menor carga de trabalhos para as equipas de extinção e uma maior possibilidade de ataque aos fogos numa primeira fase.

Se parece evidente a existência de algumas melhorias na primeira intervenção, que rondou os 90% (eu não acredito muito nestes valores, porque grande parte dos fogachos, na verdade, não existe...), vejamos agora como se comportou o sistema no combate propriamente dito durante o ano de 2006.

Pelo cálculos que fiz com base nos dados da DGRF*, a taxa de extinção de pequenos incêndios (ou seja, a percentagem de incêndios extintos antes de ultrapassarem os 10 hectares) foi de 85% em 2006 contra 90,8% em 2005. Ou seja, mesmo havendo muito menos incêndios (em 2005 houve quase sete mil incêndios, cerca do dobro), piorou-se neste caso, significando que continuam a existir problemas no combate pós-primeira intervenção.

Já em relação à taxa de extinção de médios incêndios (percentagem de incêndios que ultrapassando os 1o hectares são extintos até aos 100 hectares) atingiu-se os 75% em 2006 contra 32% em 2005. É uma melhoria, é certo, mas mesmo assim valores bastante modestos e perigosos.

No caso da taxa de extinção de grandes incêndios (percentagem de incêndios que ultrapassando os 100 hectares são extintos até aos 500 hectares), no ano passado conseguiu-se 80% contra cerca de 67% em 2005. Uma evolução positiva? Sim, mas não muito, pois deixar que um em cada cinco incêndios de 100 hectares supere os 500 hectares é muito mau em qualquer parte do Mundo.

Concluindo, perante um cenário que foi tão favorável (muita chuva e redução substancial no número de ocorrências e sobretudo do número de incêndios), os resultados do ano passado, em termos de área ardida, foram muito sofríveis.

Nota: Nos próximos tempos procurarei escalpelizar mais alguns dados dos incêndios, com base nos dados da DGRF que recentemente foram sendo disponibilizados na Internet.

* Mantém-se o problema crónico da DGRF em relação ao rigor estatístico da informação. O caso do número de ocorrência - e que depois serve para avaliar vários indicadores - é um paradigma, chegando-se a apresentar números distintos num mesmo relatório. Assim, se nas estatísticas nacionais e por distrito se registam 19.929 ocorrências, já no relatório anual (vd aqui) aparecem números distintos. Assim, nas pgs. 25, 26, 28 e 29 aparecem 21.816 ocorrências e na pg. 32 já surgem 22.266 ocorrências. Ou seja, estamos a falar de um desvio, entre valores, de 2.337 ocorrências (quase 12%).

6 comentários:

João Soares disse...

Viva, Pedro
Infelizmente continua-se e perpetua-se a sobreposição das decisões políticas e partidárias, quer horizontais, quer verticais, sobre as decisões técnicas....
Um abraço
BioTerra

José disse...

De facto a imprecisão dos valores é inaceitável e devia ter consequências sobre os responsáveis.

Creio que o problema dos fogos só se resolveria de maneira sustentável se houvesse um 'imposto de Carbono' sobre a madeira ardida por forma a que chegasse mais cara à porta da fábrica do que a madeira extraída por corte e desrama.

Este Verão promete...

José Casquilho

Anónimo disse...

"Sim, mas não muito, pois deixar que um em cada cinco incêndios de 100 hectares supere os 500 hectares é muito mau em qualquer parte do Mundo."

Não diria tal...
Se chegou aos 100 ha está minimamente incontrolável, e apenas 1 em cada 5 consegue escapar, durante pelo menos mais 400 ha, ao cerco dos meios de ataque.
O problema está na quantidade dos que chegam aos 100 ha.
Estou à espera de não ver, no corrente Verão, meios aéreos a largar água em locais onde não estão bombeiros para finalizar o trabalho, bombeiros a gastar água em frentes com mato denso com altura superior a 1 m, ou a entrarem 30m, a contar da estrada, mato dentro, para gastarem água quando seria preferível deixar o fogo chegar à estrada...

Na minha visão de leigo completo no assunto: Não foi extinguido em 30 min? Recuar TODOS os meios para a estrada/descampado/corta-fogos, etc mais próximo. E agora haverá algum tempo para estabelecer/cordenar os meios e tenatr evitar que o fogo salte a linha. Os bombeiros deverão OBRIGATORIAMENTE usar meios de protecção (respiratórios/anti-chama), não esquecendo o capacete à prova de queda de água...
PS - Não será possível um sistema que permita que a água largada pelos meios aéreos seja mais um nevoeiro do que um balde de água? É que a função dos meios aéreos não é apagar fogos... é ajudar as equipas de terra, penso eu...

Anónimo disse...

Impõe-se o anonimato do meu comentário... conheço o mundo dos incêndios florestais/rurais. A DGRF é um sitting duck, cheio de gente incompetente que boicota o trabalho de alguns (poucos) que dão tudo o que podem para fazer melhor. Para esses, que eu acompanho de perto, uma palavra de solidariedade, porque nessa casa de má nome há gente boa e muito esforçada. E para esses poucos, o que aqui se escreve é muito injusto embora assente que nem uma luva a outros, muitos, que se encostam e boicotam.

Paulo Ferreira disse...

Em primeiro lugar Sr. Pedro Vieira, quero elogiar e seu livro “ Portugal: Vermelho e Preto” que considero uns dos melhores livros publicados em Portugal nas ultimas décadas sobre a temática dos Incêndios florestais.

Em relação ao assunto de fogos caracol, microfogachos ou fogachos como o senhor lhe chama, tenho uma coisa a dizer:
Sou Bombeiro a 24 anos e vivo numa minha freguesia que está classificada entre os primeiros 5 lugares das freguesias onde existem mais desses tipos de fogos. Esse tipo de fogos estão a ser um problema grave para os Bombeiros locais, onde a falta constante de recursos humanos, onde a existência desse tipo de fogos compromete diariamente o socorro a população, porque em Portugal não existe somente incêndios florestais.

No seu livro quando aborda a existência desses fogos deixou no ar, que existe um interesse por parte dos Bombeiros para fazerem sair meios de combate para incêndios virtuais ou inventados, não ponho as mãos no fogo e não afirmo que não exista, mas seria um estupidez de quem o faz, porque com aquilo que o governo paga, uma saída de um veiculo somente dá prejuízo, para esse tipo de ocorrência sempre a obrigatoriedade legal do accionamento da autoridade local, se existe ilegalidades não será somente dos Bombeiros.

Mas esses fogos existem, e os Bombeiros legalmente têm que ir ao local extingui-los. Esses fogos estão a associa-dos a outros problemas ambientais, que a existência e a proliferação descargas de lixo, quer em zonas isoladas e nas bermas das estradas, zonas florestais, ou a queima resido provenientes da agricultura e da limpeza de terrenos efectuados pelos proprietários, fogos que são tipificados como pertencentes a família dos incêndios e da espécie agrícolas, incultos, detritos e produtos, mas para estatísticas nacionais são somente classificados como incêndios.

Esse fogos normalmente tem hora marcada e muitas das vezes até se conhece os autores do crime, mas nunca lhe acontecem nada, normalmente são ateados ao inicio da manhã e a noite, existem zonas que diariamente ardem, e muitas das vezes varias vezes durante o dia, mas não é motivada por um rescaldo deficiente, mas pelo interesse humano, quer que aquilo arda e limpe o terrenos do lixo lá existente.

São fogos normalmente que consomem áreas insignificantes, muitas das vezes com metros quadrados, a sua propagação é lenta esta condicionada quer pelo relevo do terreno e por quem o ateou, e são facilmente localizados pelos automobilistas que fazem o alerta, quer para o Bombeiros, 112 ou 117 e raramente localizados pelas torres de vigia, obrigatoriamente sai um veículo de combate a incêndio e a autoridades para o local, mas alguns desse fogos já originaram graves incêndios com consequências trágicas, porque foram ignorados e desprezados, quer pelos populares e pelos Bombeiros, desprezo esse motivado pela quantidade do tipo dessas ocorrências, onde actualmente já contabilizo um desses incêndio de dois em dois dias, e o verão ainda não chegou.

Mas irei no meu blog abordar esse tema brevemente, e denunciarem algumas situações um pouco hilariantes, porque alguém tem que tomar medidas, porque este tipo de fogos não pode continuar.

Pedro Almeida Vieira disse...

Caro Paulo Ferreira,

Obrigado pelo seu comentário e elogios. Em relação aos microfogachos , de facto deixo no ar que existe a possibilidade de fraude (na verdade, eu não acredito nos número de ocorrências em algumas regiões, por excessivas). E essa fraude passa por nem sequer se ir aos locais, pq simplesmente essas ocorrências não existem. Como explico no livro, somente os incêndios com mais de 10 ha são verificados pela DGRF e muitos são apenas do conhecimento do ex-SNBPC a posteriori. Por outro lado, como também mostro, este fenómeno dos microfogachos têm uma elevadissima concentração regional, o que indicia a possibilidade de haver uma espécie de «acordo» para haver um tão elevado número de registos. Aquilo que eu propunha era a actual Autoridade pegar nas localizações destes microfogachos, indicadas pelos bombeiros, e confirmar por amostragem se houve ou não fogo.