3/20/2005

Farpas Verdes CXCV

Na sexta-feira, o jornal Público divulgava que o Tribunal de Contas (TC) apurou que o presidente da autarquia de Vila do Conde, Mário de Almeida, acumulara indevidamente o ordenado da autarquia com o de administrador do Metro do Porto durante o ano de 2002.

Este caso acresce aos outros de acumulações com empresas muncipais ou de capitais públicos. É uma situação que explica a razão de os nossos autarcas adorarem este tipo de empresarialização, pois permite-lhes ter um melhor «pé de meia».

No entanto, a situação do Metro do Porto é, na minha opinião, ainda mais escandaloso, porquanto existe uma conselho executivo e as autarquias nem sequer deveriam - como acontece com o Metropolitano de Lisboa - estar representados.

Valerá a pena - até para entender melhor esta questão e ver que Mário de Almeida não conta a verdade - recordar um dos textos do meu trabalho de investigação no longínquo ano de 2001 (13/10/2001) que fiz para o Expresso. Notem como os autarcas do Grande Porto trataram da vida e como quiseram esconder do público os seus ordenados.


SALÁRIOS OCULTOS (in Expresso, 13/10/2001)
As remunerações dos administradores das maiores empresas públicas participadas pelas autarquias é um assunto tabu. Nem ante o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos - entidade ligada à Assembleia da República -, o Metro do Porto ou as empresas de saneamento básico tuteladas pelo Ministério do Ambiente divulgam tais dados. No caso do Metro, as negociações entre o Governo e os autarcas obrigaram estes a baixar as suas exigências salariais

Embora com atrasos e derrapagens, as obras do Metro do Porto estão à vista, ao contrário dos vencimentos dos administradores
A EMPRESA de capitais exclusivamente públicos que está a construir o metro ligeiro no Grande Porto recusa divulgar os dados sobre o regime remuneratório do seu conselho de administração. A Metro do Porto, SA é controlada em 60% pelas autarquias que integram a Área Metropolitana do Porto (AMP), tendo o Estado os restantes 40%. Aquele órgão social tem sete membros - mais dois do que, por exemplo, o Metropolitano de Lisboa -, quatro dos quais são autarcas: Vieira de Carvalho (presidente da Câmara da Maia), Nuno Cardoso (Porto), Valentim Loureiro (Gondomar) e Manuel Seabra (vereador da Câmara de Matosinhos, que ocupou a presidência da edilidade enquanto Narciso Miranda foi secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária).

O Metro do Porto e as empresas multimunicipais de saneamento básico tuteladas pelo Ministério do Ambiente são os casos mais paradigmáticos de autarcas-administradores de empresas controladas, de uma forma ou de outra, pelas próprias autarquias. E neste universo, o regime remuneratório dos administradores é um assunto tabu na generalidade das maiores empresas.

Na investigação do EXPRESSO sobre as participações empresariais dos municípios portugueses - cuja publicação se iniciou na passada edição -, a regra foi a recusa em facultar informações sobre os encargos assumidos com o pagamento dos administradores, bem como outras regalias salariais (abonos, despesas de representação, etc.) ou sociais.

Autarcas do Metro do Porto exigiram vencimento

Vieira de Carvalho
A administração do Metro do Porto alegou, em carta enviada em Maio último, que se tratava de «documentos nominativos e dados pessoais, consensualmente sujeitos a reserva».

Perante a recusa, o EXPRESSO solicitou um parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) - um órgão ligado à Assembleia da República, integrando, entre outros, um juiz-conselheiro e três deputados - que, quatro meses após o pedido, se pronunciou no sentido de contrariar as teses do Metro do Porto .

No parecer da CADA, aprovado por unanimidade, salientava-se que as remunerações «poderão conduzir, é certo, à emissão de juízos valorativos; mas esta eventual circunstância não tem a virtualidade de fazer confundir factos com juízos».

O relator do parecer - que analisou também outros casos solicitados pelo EXPRESSO, como empresas municipais e multimunicipais - defendeu que o acesso deve abranger «muito em particular as entidades que gerem o dinheiro dos cidadãos que pagam impostos». A CADA solicitou ao Metro do Porto, em 14 de Setembro último, que fornecesse uma resposta a todos os pedidos do EXPRESSO.

Cerca de uma semana depois, aquela empresa responderia ao EXPRESSO referindo que, «à data do pedido apresentado (...), nenhuma deliberação do órgão competente existia quanto à fixação dos membros dos órgãos sociais», acrescentando que não existia plano de actividade para este ano.

Valentim Loureiro
Apesar da sucessão de recusas, o EXPRESSO apurou entretanto que, quando em Julho do ano passado o então ministro Jorge Coelho - preocupado com os atrasos do projecto - convidou três administradores-executivos para integrar o Metro do Porto (prometendo-lhes cerca de 1800 contos por mês), os autarcas exigiram receber também uma remuneração. A primeira proposta da Área Metropolitana do Porto era de um ordenado ilíquido de 660 contos para Vieira de Carvalho e 600 contos para os restantes, a que se acrescentaria 90 contos por cada reunião - que se somaria ao salário nas câmaras. Ou seja, em caso de duas reuniões mensais, por exemplo, Vieira de Carvalho e Nuno Cardoso receberiam cerca de 1500 contos por mês.

Recorde-se que os salários dos presidentes da Câmara da Maia e do Porto são de 673 e 740 contos, respectivamente.

No entanto, o Ministério do Equipamento não concordou com tal proposta, exigindo que as senhas de presença desaparecessem e que os autarcas concordassem com uma redução de 50% no seu salário camarário - o que, mesmo assim, somados os dois rendimentos, faz com que o montante auferido por aqueles administradores não-executivos ronde os mil contos mensais.

Contudo, a atribuição daqueles salários só foi acordado numa Assembleia Geral de Maio deste ano, mas o conselho de administração estava a ser remunerado, segundo a proposta inicial, desde Agosto de 2000. Nos últimos cinco meses do ano passado, o Conselho de Administração do Metro do Porto custou cerca de 53 mil contos. Uma situação que contrariava os estatutos da empresa pública e que, aliás, foi salientado na última certificação legal das contas da empresa pelo revisor oficial.

No ano passado, o Metro do Porto registou um prejuízo líquido - não contabilizando a «derrapagem financeira» do projecto, de cerca de 53 milhões de contos para a primeira fase - de cerca de 106 mil contos. Mas, curiosamente, se porventura a empresa tiver, algum dia, resultados positivos, os administradores terão direito a receber dividendos e uma parte dos lucros.

Empresas de saneamento dão resposta combinada

Nuno Cardoso
Também no caso das 25 empresas multimunicipais criadas em parceria pelo Ministério do Ambiente para os sectores do saneamento básico - e que têm vários autarcas nos conselhos de administração -, as remunerações e outras regalias também são um assunto escondido.

Com excepção da Valorsul, gestora dos lixos urbanos da Grande Lisboa Norte, aquelas empresas - tuteladas pelo ministro José Sócrates - recusaram-se a divulgar o regime remuneratório, por considerarem tais informações «de carácter nominativo». Curiosamente, na resposta às perguntas do EXPRESSO, as cartas das 25 empresas obedecem a uma mesma minuta.

A CADA também aqui salientou que as empresas estavam sujeitas à obrigatoriedade de facultar os elementos solicitados pelo EXPRESSO - situação que, até à data, não foi ainda satisfeita, apesar das insistências.

De entre os autarcas que são administradores destas empresas multimunicipais - como, por exemplo, as Águas do Cávado, do Algarve, do Douro e Paiva, Simlis, Valorlis, Resioeste e Algar -, destacam-se vários presidentes de câmara: Mário de Almeida (Vila do Conde), José Macedo Vieira (Póvoa de Varzim), José Manuel Biscaia (Manteigas), José Maria Fortunato (Fundão), Jacinto Leandro (Torres Vedras), Isabel Damasceno (Leiria), David Catarino (Ourém), Luís Coelho (Faro), Manuel António Luz (Portimão), Vítor Aleixo (Loulé), José Valentim Rosado (Lagos) e Francisco Leal (Olhão).

Além destes, existe cerca de uma dezena de vereadores em várias destas empresas, entre os quais Orlando Gaspar, vereador e dirigente socialista do Porto.

Nuno Cardoso também é presidente da empresa multimunicipal Águas do Douro e Paiva - tendo suspenso o seu mandato até Dezembro. Recorde-se que o seu caso foi notícia em 2000 por ter optado nesse ano pelo salário da empresa pública em detrimento da remuneração de autarca.

Na sua declaração anual no Tribunal Constitucional, Cardoso apresenta um rendimento de 21,6 mil contos no ano passado - mais do dobro daquilo que ganharia apenas como autarca com salário por inteiro.

No ano passado, o então presidente da autarquia de Belmonte, Dias Rocha, renunciou ao seu mandato para assumir em exclusivo a presidência das Águas do Zêzere e Côa. E também, em Lisboa, o «histórico» vereador do Ambiente, Rui Godinho, abandonou o seu cargo para assumir funções a tempo inteiro na Valorsul.

Governo ignora alertas do Tribunal de Contas

Manuel Seabra, um dos quatro autarcas (fotos acima) que integram a administração do Metro do Porto, S.A.
O secretismo nos salários dos administradores das sociedades anónimas de capitais autárquicos contrasta com as recomendações, de Janeiro de 1999, pelo Tribunal de Contas (TC), numa auditoria ao sistema remuneratório dos gestores públicos. Nessa altura, o TC constatara «múltiplas fragilidades e inconsistências que constituem factores de risco quanto à legalidade», diversas irregularidades e mesmo práticas usuais de pagamentos que poderiam «conduzir a situações de evasão fiscal».

O TC recomendava ao Governo que promovesse e determinasse «a transparência e a publicidade» das remunerações globais dos administradores, bem como das suas componentes. E dizia também que esses valores deveriam, todos os anos, constar do relatório e contas das respectivas empresas, que são tornados públicos. Recomendações que nunca foram acatadas.




As razões do Metro

EIS alguns excertos da carta enviada pelo Metro do Porto S.A. à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos em 28 de Maio de 2001, relativa à queixa do EXPRESSO, julgada procedente, na qual a empresa - de capitais exclusivamente públicos - recusou revelar os salários dos administradores.

«O Metro do Porto, como qualquer outra sociedade comercial, ao estabelecer a relação de administração com os membros do seu Conselho de Administração, obrigou-se perante estes a uma conduta de boa fé e confiança recíproca»

«A divulgação unilateral, a terceiros, dos rendimentos auferidos representaria uma intolerável quebra do dever de confiança que esta sociedade deve aos seus administradores»

«No que toca às informações relativas ao regime de opção em caso de acumulação de funções, não é esta sociedade a entidade legalmente responsável pela verificação de tal acumulação, não sendo a si dirigida as declarações pertinentes»

«Evidentemente, o acesso às informações solicitadas envolveria apreciações ou juízos de valor a pessoas singularmente identificáveis (os administradores), sendo assim de carácter nominativo, como tal apenas acessíveis a quem demonstre ter um interesse directo, pessoal e legítimo»

«(...) Se (...) o acesso a estes documentos pelo queixoso (o jornalista do EXPRESSO) sempre seria de qualificar de legítimo (...), a verdade é que não conseguimos vislumbrar neste caso qualquer interesse pessoal e directo»

«(...) A aplicabilidade, ao Metro do Porto, do regime previsto na Lei do Acesso aos Documentos Administrativos decerto se revelaria extremamente prejudicial à consecução do seu objecto social (...)»

«(...) Esses documentos dizem apenas respeito à vida interna da sociedade e não contendem com os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (...)»

«(...) Dada a especulação a que está sujeita a actividade do Metro do Porto, a divulgação generalizada e indiscriminada dos seus documentos poderia, em muitos casos, contribuir para confundir a opinião pública, sem qualquer benefício para esta e com óbvios inconvenientes para o desenvolvimento do projecto».

PEDRO ALMEIDA VIEIRA

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