ASSIM VAI A VERDE NAÇÃO I
Annus horribilis
Em jeito de balanço ambiental, o ano de 2003 foi o pior de que tenho memória desde que tenho idade para me interessar por estes assuntos. Não me recordo de uma só medida ou acção de cariz ambiental que tenha sido positiva ou, pelo menos, que tivesse sido estruturante. Eis a síntese sobre várias temáticas:
Ministro do Ambiente – Será que temos? Sei que desde Carlos Pimenta que um Governo do PSD não consegue apresentar um responsável da pasta do Ambiente que simultaneamente saiba ser político e saiba de ambiente. Provavelmente, alguns recordar-se-ão que, desde 1990, indicados por este partido, tivemos Fernando Real, Carlos Borrego, Teresa Gouveia, Isaltino de Morais e agora Amílcar Theias.
Custa-me a acreditar que em algum país que leva o ambiente minimamente a sério, qualquer um destes cinco teria perfil para ser um mero subscretário de Estado do Ambiente. Aliás, nem isso mereceriam; se formos a ver, Ribeiro Telles começou por ser, em 1974, subsecretário de Estado do Ambiente e acredito que, mesmo nessa altura, se qualquer pessoa com o perfil destes cinco lhe pedisse emprego, ele os teria recusado.
Água – Mais uma vez se repete a história habitual: o Ministério do Ambiente não cumpre o prazo de elaboração do relatório anual sobre a qualidade de água potável servida aos portugueses. Por norma, dever-se-ia saber os resultados do ano anterior em Setembro do ano seguinte; ou seja, em Setembro de 2003 teríamos os resultados de 2002. Mas estamos já em 2004 e o último disponibilizado é de 2001. Mal não viria ao país se não se desse o caso de sermos o país da UE (não englobando os novos membros) com piores índices de potabilidade da água, com um dos piores índices de tratamento de esgotos e de contaminação dos rios. E continuamos sem uma Lei da Água (vi uma última versão é nem queria acreditar no seu primarismo)
Resíduos industriais – Acabou-se a co-incineração, o Governo nem quer falar de incineração e apresentou um plano que consta de dois centros de tratamento (com aterros e outras infra-estruturas de eliminação), para os quais não se sabe em que consistem, nem os estudos que estão sendo elaborados. Receio que se vá cometer os mesmos erros do passado. Basta olhar a novela dos resíduos industriais desde 1985 para se saber que as coisas descarrilaram exactamente por serem apresentadas soluções de localização sem existir qualquer informação prévia. Os políticos nem sabem ver os erros do passado para aprenderem.
Resíduos sólidos – A revolução dos lixos de José Sócrates saldou-se num fracasso total. Houve dinheiro e construíram-se equipamentos; mas a maioria apresenta já problemas estruturais e de gestão; outros já entraram em colapso porque foram recebendo lixos industriais e encurtaram o seu período de vida. Por outro lado, como não se fez reciclagem, mais lixo foi para aterros e centrais de incineração. Agora, na região Centro existe uma grande pressão dos autarcas e de alguns sectores do Ministério do Ambiente para se construir uma central de incineração algures entre os concelhos de Águeda e Anadia. Por mim, que sou natural desta região, serei o primeiro a clamar “não no meu quintal”; não por ser adepto do famoso “nimby”, mas porque não confio nos políticos.
Conservação da natureza – Não existe. As áreas protegidas caíram para o grau zero. Não há dinheiro, não há política e o facto mais marcante de 2003 foi um espalhafatoso resgate de tigres e leões de um particular que se saldou na morte dos bichos. Entretanto, vastas áreas protegidas e da Rede Natura foram dizimadas pelos fogos.
Litoral – Portugal continua a minguar por força da erosão do litoral, a costa continua sem ter um plano de protecção contra derrames de hidrocarbonetos e algumas praias tiveram de arrear a bandeira azul. O costume.
Ordenamento – A única medida que saiu dos neurónios do Ministério do Ambiente foi mandar rever a lei da Reserva Ecológica Nacional (REN). Para quem não sabe, nas áreas da REN não se pode fazer mobilizações do solo, implicando isso que não se pode construir, um empecilho para autarcas e empresas imobiliárias. Existe na lei, contudo, duas excepções: podem ser desanexados em caso de projectos públicos e de interesse público. Ora, ao alterar-se as regras do jogo – sem razões de interesse público – está-se bem a ver que será para flexibilizar as normas, ou seja, deixar construir onde antes não se podia. A ser aprovada, vai haver muita gente a esfregar as mão de contente; cheia de dinheiro da valorização do preço dos solos. Por isso, receio que as alterações vão ser aprovadas.
Construção – Apesar da crise da construção civil e da procura de habitação ter sofrido uma retracção, as betoneiras continuaram bem activas, sobretudo no litoral. A alteração das denominações do imposto de sisa e de contribuição autárquica não passaram disso mesmo
Floresta – Entre 1974 e 1986 ardeu uma média de 45 mil hectares por ano. Em 2003 ardeu 440 mil hectares. Quase duas dezenas de fogos ultrapassaram os 5 mil hectares de área ardida quando entre 1990 e 2002 tal apenas tinha ocorrido sete vezes. Foi criado uma Secretaria de Estado das Floresta que foi entregue a um ex-director-geral das Florestas que no final dos anos 80 foi responsável pelo surto de eucaliptização do país. É preciso dizer mais?
Energia – Portugal é o país europeu com uma evolução mais negativa nas emissões de dióxido de carbono e na eficiência energética e não vai cumprir as metas de Quioto. E depois aparece um secretário de Estado do Ambiente, sorridente numa entrevista, a dar ares de confiança. Ri-se de quê? E confia em quê?
Taxas ambientais – O Governo decidiu taxar a gasolina e o gasóleo verde para suportar um fundo florestal. Para além de apenas colocar um imposto sobre um terço dos combustíveis líquidos (preferiu isentar as indústrias e as empresas de camionagem, grandes consumidores de gasóleo), esta afectação não lembra ao Diabo. A lógica do imposto nestes moldes é idêntica à aplicação de um imposto especial às celuloses, empresas de cortiça e madeireiras para fomentar os transportes públicos...
Fico por aqui, para não me deprimir mais.
A Bela...
O Supremo Tribunal de Espanha condenou um suinicultor a uma pena de prisão de um ano e uma multa de 36 mil euros por contaminação dos solos devido a uma pecuária não licenciada que continuou a laborar apesar das proibições. A pena pode até ser irrisória, mas não deixa de possuir um certo simbolismo e um contraste com Portugal. No nosso país, centenas de suiniculturas continuam alarvemente a poluir, a contaminar água para consumo humano, o Estado já investiu há anos na região de Leiria quase 5 milhões de euros em estações de tratamento que foram abandonadas e não existem sequer uma multas para fazer de conta que o Ministério do Ambiente existe.
... e o Monstro
Isaltino de Morais foi considerado autarca-modelo durante anos a fio. Por isso, foi nomeado Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente pelo Governo de Durão Barroso. Caiu em desgraça, demitindo-se, quando se descobriram umas estranhas contas na Suiça. A partir daí começaram a surgir novos casos deslindados pelo José António Cerejo, no Público, sobre as negociatas de Isaltino de Morais, como seria de esperar na construção civil. Isaltino de Morais é apenas a ponta do icebergue: afinal, se o autarca-modelo fez coisas destas, o que terão feito os outros?
1/03/2004
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