1/25/2004

ASSIM VAI A VERDE NAÇÃO IV

A expulsão da Lisboa antiga

Na passada semana assisti na Junta de Freguesia de Santa Catarina a uma sessão pública promovida pela Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa (vulgo, EMEL) em que se apresentou o sistema de condicionamento para a zona de Santa Catarina-Baixa (dias antes houve outra para o alargamento à área adjacente ao Bairro Alto). Fiquei siderado com a incompetência e a desresponsabilização daquela empresa num sector vital para Lisboa. A EMEL pretende fechar a zona ao trágefo, eliminar – ainda bem – o estacionamento caótico de cerca de 300 carros. Mas as alternativas para o estacionamento não existem. Ou melhor, existir, existem, mas a várias centenas de metros de distância e em número claramente insuficiente sobretudo em vários dias da semana, sobretudo durante o horário laboral e as noites de sexta-feira e sábado.

Pode parecer um pormenor, mas este tipo de medidas é mais uma machadada que se dá para a crise demográfica da Lisboa antiga. Passo a explicar.

Nas últimas décadas, por omissão, os presidentes que passaram pela autarquia de Lisboa foram responsáveis pelo estado caótico, degradado e degradante da capital de um país de mais de oito séculos. Desde os anos 60 do século passado, Lisboa perdeu 30% da sua população – enquanto o país cresceu demograficamente cerca de 17% –, quase 23% dos seus habitantes com mais de 65 anos (contra 16% da média nacional) e somente 11,6% de jovens (contra 16% a nível nacional). Tem também, além disso, 15% do seu parque habitacional muito degradado ou a necessitar de grandes reparações.

Mas, se a nível concelhio, a situação não é muito famosa, nos bairros antigos tornou-se dramática. A zona da Baixa-Chiado-Castelo tem agora menos 152 mil habitantes do que em 1960 (uma redução de 63% em quatro décadas), tem 28,3% de idosos e somente 9,5% de jovens. Além disso, tem 22% do seu parque habitacional muito degradado ou a necessitar de grandes reparações. Freguesias como Santa Justa, Madalena, Mártires e Sé tem somente 25% da população que detinha em 1960. São já 17 as freguesias alfacinhas que por cada jovem com menos de 15 anos tem mais de três adultos com mais de 65 anos.

Esta situação não é surpreendente. Não ocorreu, como é óbvio, de uma dia para o outro. Foi antes a consequência natural da especulação que grassou pelo país, mas com especial incidência em Lisboa, que afastou para muitos jovens casais de pais alfacinhas manterem-se na cidade que os viu nascer. Ficaram assim os velhos e as crianças não nascem de geração espontânea. Daí que não surpreende que entre 1991 e 2001 a faixa etária de jovens com idade inferior a 15 anos tenha decrescido 30%, chegando mesmo a mais de 50% nas freguesias de Santa Justa, Sé, São Cristóvão e São Lourenço, Santiago e Madalena (todas no eixo Baixa-Chiado-Castelo).

Se desde Kruz Abecassis, passando por Jorge Sampaio e aportando em João Soares assistimos à mais vil das irresponsabilidades em matéria de urbanismo e demografia, por omissão, temos agora uma postura de activa irresponsabilidade nestas matérias por parte do actual presidente da autarquia, o putativo candidato a Presidente da República, Pedro Santana Lopes.

E ainda por cima através de uma medida pseudo-ambientalista que, à primeira vista, até tem boas intenções (daquelas de que o Inferno está cheio): o condicionamento ao tráfego automóvel nas zonas antigas de Lisboa. Tenho, para mim, a convicção de que estas medidas – que começaram no Bairro Alto, alargaram-se por Alfama e se anunciam agora para a Bica e Santa Catarina (onde resido) - constituem um grave desincentivo à fixação da população jovem em Lisboa; tão importante, ou mais ainda, do que a especulação no preço das casas.

Como é sabido, as zonas antigas de Lisboa não foram concebidas para o tráfego automóvel (não se imaginaria sequer essa invenção quando foram edificadas). Esta situação coloca, actualmente, graves problemas de estacionamento dos residentes que, pela ausência de medidas, foram tomando conta de passeios, becos e impasses onde colocam os seus automóveis, criando assim situações complicadas, quer em termos estéticos, quer de segurança. A alternativa, em muitas zonas, caso se queira estacionar em locais adequados, é deixar o automóvel a centenas de metros de distância da residência, sem garantias de segurança, para si e para os veículos.

Ora, condicionar o tráfego e o estacionamento em zonas antigas é uma boa medida se – e só se – forem encontradas medidas alternativas que evitem demasiados sacrifícios. Lisboa para tornar novamente atractivas as suas zonas antigas precisa urgentemente de parques de estacionamento para residentes – saliento, exclusivamente para residentes – em número suficiente e bem localizados. Porventura, poder-se-á pensar que estou a fazer a apologia do automóvel, mas não. Parece-me incontornável que os veículos são hoje um “utensílio” vital para qualquer pessoa, desde que usado de forma criteriosa. Ora, um lisboeta usa, regra geral, muito menos o seu automóvel do que uma pessoa que viva nos subúrbios, gasta menos gasolina, polui menos. Mas um lisboeta necessita também, obviamente, de espaço de estacionamento – perto da sua residência e em zona segura –, caso contrário aos preços mais elevados da habitação somam-se os transtornos do estacionamento. Nesse caso, por exemplo, um jovem casal – dos quais de que Lisboa necessita para se multiplicar e rejuvenescer – pensa duas vezes quando se apresta a comprar uma casa numa zona antiga de Lisboa...

Alternativas para isto, até existem. O problema é que falta vontade e coragem política. Existem nas zonas antigas inúmeros prédios, por vezes quarteirões inteiros, que poderiam ser demolidos para a construção de silos para estacionamento dos residentes – o que tem feito são parques para ainda atrair mais veículos para dentro de Lisboa. Com uma ou outra excepção, esses espaços devolutos não são aproveitados. Quase sempre são aproveitados, mais tarde ou mais cedo, para construção de mais edifícios de serviços ou de habitação a preços exorbitantes. E quando se dá o caso de se construirem parques de estacionamento é sempre para se ganhar dinheiro, pois os residentes de Lisboa são sujeitos a preços exorbitantes (por vezes alugados a 100 euros por mês) que os tornam desincentivadores da sua utilização. Lisboa, se não conseguir resolver este problema do estacionamento para os residentes, ameaça desertificar-se de pessoas. E esses ex-lisboetas – ou que gostariam de ser lisboetas – continuarão a trabalhar em Lisboa, andarão mais de carro nas suas deslocações para Lisboa e inundarão Lisboa com os seus automóveis. A EMEL e a autarquia de Lisboa são capazes de gostar disso, pois terão mais receitas, mas a cidade não ficará melhor. Muito pelo contrário..


A Bela...

Um dos sectores que mais beneficiou com a entrada de Portugal na União Europeia (então CEE) foi o ambiente. Não apenas com os rios de dinheiro de apoio financeiro (muito dele mal aproveitado), mas sobretudo pelas directivas que foi emanando e mais ainda pela pressão para o cumprimento da legislação. Na última semana tivemos mais dois casos de anúncio de processos por incumprimento de leis no sector dos resíduos e da eliminação de gases responsáveis pelo buraco de ozono. Como estaria Portugal em termos ambientais sem a pressão da Comissão Europeia?


... o Monstro

Começo a perder a esperança em Amílcar Theias, o ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. Não é que tivesse muita, mas sempre parecia um homem sério que não estava ligado aos habituais "lobbies". Mas o homem tem coleccionado declarações infelizes e inacções ainda mais infelizes, como recentemente se assistiu no Parlamento e numa entrevista à Rádio Renascença e jornal Público. Amílcar Theias pode ser um ministro sério. O problema é que não tem arte e engenho para ser um ministro a sério.

1 comentário:

João Pimentel Ferreira disse...

Caro autor. Alguém me explica porque razão o estacionamento em espaço urbano, deve ser gratuito? Ora ver esta ligação! Cordialmente