Farpas Verdes XII
Jorge Sampaio iniciou ontem uma Presidência Aberta itinerante tendo como tema principal o Ambiente, uma década após Mário Soares ter feito uma memorável viagem pelo país durante duas semanas também sobre estas matérias.
Num período em que as questões ambientais estão perigosamente arredadas do domínio público e das prioridades do Governo, esta iniciativa presidencial é de louvar.
Mas (há sempre um mas) não se pense que a dinâmica que daí vai resultar faça renascer aquela que surgiu após a Presidência Aberta de Mário Soares.
Jorge Sampaio não tem o elan de Mário Soares no contacto com o chamado povo. Não tem também a mesma capacidade de mobilização, nem de influência política. Não tem o tipo de discurso e de improviso que marcavam a personalidade de Mário Soares e que se revelou no seu auge durante a Presidência Aberta de 1994.
E mais, importante ainda, o programa - não tanto os temas abordados em si - de Mário Soares era bem diferente. Foi mais incisivo; mostrou o verdadeiro país real, onde as pessoas vivem diariamente, que Jorge Sampaio não mostrará.
Atendendo às visitas que serão feitas - por mim, seria preferível concentrá-las num só período, pois o impacte mediático seria maior - nota-se que se os temas são prementes, já os locais escolhidos não são os mais ideias. Segundo a imprensa, todos os locais serão áreas protegidas. Sei que em muitos casos, essas zonas têm gravíssimos problemas ambientais e uma pressão enorme.
Mas, na verdade, se se pretende abordar as energias renováveis, não se deveria escolher o Parque Natural da Serra d'Aire e Candeeiros - talvez fosse mais adequado escolher uma zona de serviços onde se visse o desperdício de energia, ou uma área sob influência de uma central térmica ou ainda, por que não, a área do Baixo Sabor (onde sob a capa de ser energia renovável se prepara um atentado ecológico).
Sobre a reforma florestal e os incêndios, a escolha não deveria recair sobre o Tejo Internacional, mas sim sobre toda aquela enorme mancha desde Proença-a-Nova até Chamusca que hoje está enegrecida ou ainda na zona centro que apresenta graves problemas de gestão e que pode vir a desaparecer com os próximos fogos.
Em relação à qualidade, a gestão dos dos resíduos e a construção em áreas protegidas, concordo com a escolha da Arrábida para abordar o terceira sub-tema. De facto, a Arrábida é um must da mais selvagem construção a arrepio dos princípios de conservação da natureza. Em relação à qualidade do ar, penso que Lisboa ou as grandes cidades mereciam a primazia da escolha (tudo bem, no Sado as coisas não são muito boas). No que diz respeito à gestão dos resíduos, já não faz sentido a escolha da Arrábida porque a co-incineração já foi enterrada
Sobre as alterações climáticas faz pouco sentido sobretudo o mês escolhido (Outubro). Não se percebe por que não se escolheu o pico do Verão, onde as pessoas estarão mais sensíveis ao tema em causa. Recordemos que no ano passado, em pleno Verão, tivemos uma onda de calor de 17 dias no interior do país (e na Ria Formosa, o local agora escolhido, nem houve tecnicamente tal fenómeno). Jorge Sampaio deveria ter escolhido o Alentejo, onde aliás a mortalidade devida à última onda de calor foi elevadíssima. Já em relação ao ordenamento do território, a Ria Formosa pode ser um bom local, mas há muitissimo pior. Por exemplo, as zonas urbanas e os subúrbios das Áreas Metropolitanas, por exemplo. Ou mesmo o próprio interior, que está a sofrer o reverso da medalha da concentração económica e populacional no litoral.
1/28/2004
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