1/13/2004

Farpas Verdes VI

Confesso que tentei ler a entrevista do ministro do Ambiente deste fim-de-semana na Rádio Renascença e editada ontem pelo Público imbuído de uma dose acrescida de boa vontade e compreensão. Em vários aspectos pareceu-me que Amílcar Theias deu respostas adequadas e com conhecimento de causa - como em relação à privatização do sector do saneamento básico. Mas houve um aspecto que me chocou particularmente, por ser demonstrativo do seu desconhecimento (factual e histórico) do "estado das coisas" em matérias essenciais, como seja a poluição e a aplicação dos normativos ambientais aos poluidores.

Respondeu Amílcar Theias, sobre a questão da impunidade dos poluidores, que "a acção punitiva, embora seja necessária, não deve ser a primeira via. Devemos primeiro promover a consciência ambiental e fazer com que as pessoas todas tenham cuidado na protecção do meio ambiente, que, como se sabe, uma vez degradado, é muitas vezes difícil a sua recuperação".

Mais à frente, acrescenta que "aposto em primeiro lugar na educação e na consciência dos cidadãos. Mas não afasto, e considero necessário reforçar, a fiscalização. Provavelmente a curto prazo haverá notícias importantes nessa área. Nomeadamente, uma proposta de lei que já está pronta e que será submetida à Assembleia da República neste primeiro trimestre, no sentido de alterar a moldura contra-ordenacional, aumentando as penalidades".

Primeiro ponto, estamos fartos de promoção da consciência ambiental dos infractores; há décadas que isso é feito ou é usado como argumento para continuar a dar cenoura em vez de cacete. Actualmente, ninguém na indústria polui por ignorância nem falta de sensibilização. Polui por razões económicas; polui porque não há fiscalização. E este benefício ao infractor é exactamente o exemplo que não se deve dar aos industriais quem já tem consciência ambiental e que cumprem as normas ambientais. Para esses, a não aplicação de coimas aos infractores, é uma injustiça e também uma deslealdade concorrencial com a qual o Estado pactua.

Segundo ponto, o aumento das penalidades como solução é uma falácia. Será que o ministro conhecerá a moldura contra-ordenacional na área do ambiente? Será que sabe quais são as coimas aplicadas, por regra, aos poucos infractores que são condenados pela Inspecção-Geral do Ambiente? Por mim, ajudo-o: para as descargas de esgotos sem tratamento, a coima pode, de acordo com a lei actual, ir até ao máximo de 2,5 milhões de euros (500 mil contos). Por mim, estes valores seriam já assustadores se porventura os infractores soubessem que poderiam ser mesmo aplicadas. Contudo, a realidade tem sido bem distinta. Pela consulta que fiz há uns meses das contra-ordenações aplicadas pela Inspecção-Geral do Ambiente entre 1997 e 2002, a coima máxima não ultrapassava os 25 mil euros (5 mil contos). Por isso, Amílicar Theias bem pode subir a coima máxima para 25 milhões de euros ou mesmo mais; será igual ao litro se a inspecção mantiver a política de paninhos quentes.

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