5/02/2005

Farpas Verdes CCVII

Com a publicação, hoje, de um relatório da Direcção-Geral de Geologia e Energia sobre a produção e consumo de energia em Portugal durante o ano passado, dei-me ao trabalho de compreender como são «cozinhados» os dados para o cumprimento das metas de consumo de electricidade por fontes renováveis. Isto porque no relatório da DGGE afirmava-se que a electrcidade por fontes renováveis atingiu 34%, corrigido o índice de produtibilidade hidroléctrica (IPH), quando fazendo os cálculos a «coisa» rondava apenas os 22,5%, sem correcção.

Por outro lado, refere-se nesse relatório que a produção por fontes renováveis subiu de 31% em 2003 para 34% em 2004, com as tais correcções. Isto quando, em termos absolutos, houve de facto uma redução real: em 2003, a produção por via renovável foi de 35,4% e em 2004 foi de apenas 22,5%.

A razão destas abruptas diferenças, prende-se com as correcções da hidraulicidade: ou seja, quer chova menos, quer chova mais, os valores da produção são corrigidos para o valor médio.

No entanto, pensava eu que a correcção de hidraulicidade era feita ao factor 1 - ou seja, a produção de 2004 de hidroelectricidade deveria ser multiplicada por um factor 1,235 (visto que o IPH foi de 0,81). Mas não: afinal como os valores de referências para efeitos da directiva comunitária são de 1997 - que foi um ano muito chuvoso, que teve um IPH de 1,22 -, a produção de 2004 foi multiplicada por 1,51!

Contas feitas, produzimos por via hídrica apenas 10.036 GWh em 2004, mas para efeitos de contabilidade relativamente à directiva comunitária que nos obrigará a produzir 39% de electricidade por energia renováveis é como se tivessemos produzido 16.295 GWh.

Ora, esta correcção para um IPH de 1,22 é uma autêntica falácia, por duas razões.

Primeiro, nos últimos 8 anos, o IPH tem atingido uma média de 1,0125 - ou seja, próximo do índice de hidraulicidade 1 (o que parece normal, pela sua própria definição), pelo que partir do referencial do ano de 1997 (IPH de 1,22) é uma maquilhagem estatística, porque raramente se verifica. Portanto, se num ano médio (IPH igual a 1) Portugal conseguir produzir 32% de energia por via renovável estará automaticamente a cumprir a directiva que estabelece os tais 39%. É esquisito, mas será assim.

Segundo, essa correcção parte do pressuposto de que o aumento da produçao hidroeléctrica é directamente proporcional ao IPH, o que não é verdade. Basta, aliás, comparar 2004 com 2003. Em 2003, o IPH foi de 1,33 (ou seja, superior ao 1,22 da referência) e obteve-se uma produção de 15.894 GWh - ou seja, menos do que o valor de 2004 corrigido (16.298 GWh). Vejam o absurdo desta correcção: em 2003 produziu-se mais 5.858 GWh por via hídrica do que em 2004, mas para efeitos de contabilidade da directiva é como se 2004 tivesse produzido mais energia renovável hídrica do que 2003.

P.S. Espero que tenham compreendido esta arrazoado técnico.

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