Embora seja importante «diabolizar» a atitude dos Governo de 1995 do PSD e do Governo PSD-PP em relação à questão da Portucale, convém recordar que também um Governo do PS esteve em vias de concretizar um despacho semelhante em 1999. Por acaso, saiu uma notícia antes no Expresso, caso contrário acredito que seria, por certo, assinado. Deixo-a aqui em baixo para recordar o processo.
Golfe Verga Sobreiros
PEDRO ALMEIDA VIEIRA
in Expresso, 9 de Fevereiro de 1999
OS MINISTROS da Agricultura, Capoulas Santos, e da Economia, Pina Moura, já assinaram um despacho conjunto que poderá autorizar a Portucale, uma empresa do Grupo Espírito Santo, a cortar 2600 sobreiros para instalar dois campos de golfe nos arredores de Benavente. É o passo mais recente num processo de avanços e recuos, iniciado em 1995, de entidades governamentais; caso a ministra do Ambiente, Elisa Ferreira, também dê luz verde ao pedido da Portucale, aquelas árvores protegidas serão mesmo cortadas, sob a justificação de se tratar de um empreendimento de «imprescindível utilidade pública ou agrícola de relevante interesse nacional».
A Portucale, uma empresa que inicialmente foi criada para fins agro-turísticos, tem actualmente em execução, na herdade da Vargem Fresca - antiga propriedade da Companhia das Lezírias, com cerca de 500 hectares - um projecto imobiliário, em condomínio fechado, para a construção de 1354 fogos, um campo de tiro, um clube house, um clube hípico e dois campos de golfe.
Um longo ziguezagueEmbora com alvará de loteamento para o projecto, os campos de golfe, que já obtiveram financiamento comunitário de quase um milhão de contos, estão «embargados» desde finais de 1995 quando o então recém-nomeado ministro Gomes da Silva - que tinha então Capoulas Santos como seu secretário de Estado - proibiu explicitamente o corte de sobreiros na herdade. Na altura o governante tinha ficado chocado com o processo de autorização para o abate de quase quatro mil sobreiros decretado pelo ex-ministro social-democrata, Duarte Silva que, mesmo perante as sucessivas recusas da Direcção-Geral das Florestas, concedeu luz verde para o abate já quando o PSD tinha perdido as eleições legislativas. Esta revogação da autorização feita por Gomes da Silva não chegou, contudo, a tempo de evitar que cerca de 1700 sobreiros fossem cortados. A empresa haveria de recorrer desta decisão, mas o tribunal, em Março de 1996, daria razão ao ministro da Agricultura. Tendo considerado que essa decisão do Governo do PSD tinha sido «um acto anormal em democracia», Gomes da Silva procurou reformular a lei da protecção dos montados de sobro e azinho para que essas «autorizações políticas» fossem mais dificultadas.
Assim, em Janeiro de 1997 sairia um diploma legal mais exigente na protecção das azinheiras e sobreiros - define, por exemplo, os períodos e critérios técnicos das podas e do descortiçamento - que apenas permitia o corte de árvores doentes ou para desbaste de exploração. O próprio preâmbulo da lei relevava a importância dos montados de sobro em termos ambientais e económicos, salientando que a cortiça, após transformação, representa 3% das exportações nacionais. A única excepção à autorização de cortes seria dada apenas para empreendimentos de «imprescindível utilidade pública ou agrícolas de relevante interesse para a economia nacional», que passava a necessitar de três assinaturas de membros do Governo.
Quase em simultâneo com a demissão de Gomes da Silva, a Portucale viria, em finais de Setembro do ano passado, a remeter novo pedido de autorização para o corte de sobreiros, tendo mesmo aumentado o número inicialmente definido anos antes. É aquela solicitação que acaba de receber parecer favorável dos ministros da Agricultura e da Economia.
Contactado pelo EXPRESSO, Capoulas Santos não reconhece a existência do despacho e declara que «o pedido de declaração de utilidade pública se encontra em apreciação», tendo destacado a importância «dos 500 postos de trabalho que a sua execução implicará». Estes postos de trabalho são, no entanto, os previstos para a globalidade do empreendimento que não está dependente da construção dos campos de golfe, visto que o empreendimento, além da componente imobiliária, possuirá outros equipamentos de desporto e lazer já autorizados.
Nas mãos de Elisa Ferreira
O titular da pasta da Economia, Pina Moura, não fez qualquer comentário. A «moto-serra» está agora nas mãos de Elisa Ferreira, a quem o processo foi remetido para análise há mais de três semanas. Contactada pelo EXPRESSO, a ministra do Ambiente defendeu que a sua decisão apenas será tomada «após serem realizados mais contactos ao nível do Governo para analisar todo o processo». Contudo, Elisa Ferreira diz estar «consciente das implicações da sua decisão política, mas que esta terá de ser suportada por avaliações técnicas».
Com efeito, esta área embora considerada de uso turístico pelo plano director municipal de Benavente encontra-se também sujeita aos regimes da Reserva Ecológica Nacional, cuja carta ainda não está concluída, mas que salvaguarda esta zona por ser de máxima infiltração. Daí que não só estarão em causa os impactes ambientais do corte dos sobreiros, como também os efeitos do uso de adubos e pesticidas para os campos de golfe. A concretizar-se esta autorização por utilidade pública a uma empresa privada, abre-se também um precedente para o corte de mais montados de sobro e azinho em outros empreendimentos turísticos do país.
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