2/28/2005
Em Évora, uma procissão para pedir chuva foi cancelada, este fim-de-semana, por causa da queda de chuva. A cena seria de filme cómico, se não fosse já a organização de uma procissão o ser em si mesmo. Ainda se compreendia que, por exemplo, até ao século XVIII se fizessem este tipo de pedido (tenho, aliás, uma descrição fantástica de procissões ralizadas em 1750 organizadas então pelo patriarca de Lisboa), mas faze-lo agora é caricato.
No entanto, façamos uma discussão teológica sobre esta questão. Admitamos que Deus , perante uma seca e face aos pedidos, fazia chover. Ora, isto significava face à situação de seca que teriamos um Deus que seria ou negligente - esquecendo de fazer chover - ou castigador - provocando a carência de chuva - ou caprichoso - «exigindo» preces especiais para dar chuva. Ora, como não acredito que seja nenhuma destas situações, julgo que Deus terá mandado chover por irritação: não se invoca o Seu nome em vão e, portanto, abortou essas preces.
2/27/2005
A falta de memória é uma bênção para os políticos. Ontem, ao ler uma pequena entrevista na GR ao presidente da autarquia de Tavira e da Junta Metropolitana do Algarve, Macário Correia, fiquei estarrecido e bastante preocupado. As respostas chegam a ser surrealistas e, algumas, denotam uma atitude de enorme irresponsablidade perante um processo que é tudo menos surpreendente. Secas em Portugal são cada vez mais frequentes: nas décadas de 90 registo situações de carência de água, em maior ou menor grau, nos anos de 1992, 1993, 1995, 1997, 1997, 1998, 1999 e inícios de 2000, de acordo com uma base de dados noticiosa que estou a editar para o Instituto de Ciências Sociais.
No entanto, os políticos - como claramente demonstra a entrevista de Macário Correia - têm a infeliz tendência de culpar os Céus, apesar das orações que lhe fazem, e de proporem mais construção de barragens e agora até de uma estação de dessalinização. Quanto a medidas de gestão e de eficiência de uso, nada. Como há dias escrevi, o Algarve é a região do país que paga menos pela água que consome e a que mais desperdiça. Li também há dias que foi apresentado um trabalho académico que revelava que o volume de águas residuais tratadas dariam para regar todos os campos de golfe do Algarve, mas que praticamente nada é aproveitado.
P.S. As campanhas de sensibilização do Ministério do Ambiente nas televisões para a situação de seca são completamente inconsequentes. Não vale a pena apelar para um uso regrado se, paralelamente, pouco mais se faz. A água deve, na minha perspectiva, ser um recurso que, cada vez mais, deverá ter flutuações de preço em função das suas disponibilidades temporais. Por isso, mensagens avulsas e não direccionadas a públicos-alvo, sem que as pessoas sintam essa necessidade de forma clara - isto é, nos bolsos -, têm efeitos praticamente nulos. A não ser para as finanças dos órgãos de comunicaçao social, que agradecem a publicidade paga.
2/25/2005
É sempre bom saber que, a partir de hoje, o Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território do Governo cessante tem a sua lei orgânica publicada em Diário da República. A «casa» está arrumada agora que o Governo PSD-PP está «arrumado». Esta faz-me lembrar um diploma legal que saiu em 2002, já depois do Governo socialista ter perdido as eleições, ter estabelecido as normas de um logotipo para o então Ministério liderado por José Sócrates. Como a denominação mudou depois para Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente (MCOTA), aquilo foi para o «arquivo cesto» - o mesmo destino que terá a nova lei orgânica hoje publicada. Ai, desperdícios de papel...
2/24/2005
É apenas um pequeno sinal - simbólico mas marcante -, de que as questões ambientais poderão marcar o próximo Governo. O artigo de opinião publicado hoje no Público e assinado por José Sócrates, pelo primeiro-ministro da Suécia e pelo presidente do Partidos dos Europeus Socialistas tem seis referências ao ambiente.
Para quem tiver curiosidade pelos números detalhados das catástrofes dos incêndios florestais, a Direcção-Geral dos Recursos Florestais colocou umas interessantes estísticas aqui neste local do seu site, em que se pode saber as ocorrências e áreas ardidas por freguesia (entre 1999-2003), por concelho (1980-2003), por núcleo florestal (idem), por distrito (idem) e nacional (1980-2004). Estes dados (muitos inéditos) deveriam servir de base à organização dos serviços de prevenção e de colocação de meios de combate no terreno. Veremos se estas estatísticas servem para mais do que uma listagem de números.
Será que este país existe mesmo? É a esta a pergunta obrigatória quando se lê as respostas dos «vox populi» de jornais insuspeitos como o Público (caramba, quero acreditar que eles escolhem as mais obstusas...). Vejam as respostas hoje à questão: «Gostava de ver alguém em especial no Governo de José Sócrates?»
1 - «Não. Ainda não tive tempo para pensar bem nisso.»
2 - «Gostava de lá ver o actual ministro dos Transportes, António Mexia. Acho que fez um bom trabalho e por isso deveria continuar.»
3 - «Por curiosidade, gostava de ver a Leonor Beleza como ministra da Saúde.»
4 - «Não. O estado da nação está péssimo, o que coloca as minhas expectativas muito em baixo.»
Irra!
A autarquia de Lisboa e a sua Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) continuam o «bom» serviço na defesa dum certo urbanismo na capital portuguesa que, como se tem visto, tão tristes resultados tem dado. Surge agora mais uma «cereja» em cima do «bolo»: a construção da sede da EPUL e da Ambelis na Praça de Entrecampos, um edifício de 51 metros de altura em forma de obselisco, que terá assim uma dimensão cerca do dobro do habitual. A vereadora do urbanismo da autarquia, Eduarda Napoleão, diz no Público que aquela altura «pode ser permitida, em termos de licenciamento, desde que o edifício seja uma mais-valia arquitectónica e urbanística».
Continuo sem compreender quais são os critérios para se considerar um edifício de 51 metros de altura como uma mais-valia arquitectónica e urbanística. Não vejo que o sejo do ponto de vista arquitectónico e muito mais urbanístico. A menos que mamarrachos, vestidos de formas esquisitas sejam mais-valias. Não vi o projecto, mas com formas estranhas e esotéricas sob a forma de obeliscos, certamente que deve ficar uma linda coisa, bem integrado na malha urbana de um país mediterrânico (já agora sugiro o nome de Edifício Obelix e podem convidar para a inauguração o Gerard Depardieu).
Apenas vejo uma mais-valia economicista, porque, na verdade, a dimensão da EPUL e da Ambelis - esta é uma das mais estranhas empresas de capitais semipúblicos que existe no país, com um dos objectos sociais mais estranhos e intangíveis que conheço e sem mais-valias que se vejam - não justifica um edifício daquelas dimensões. Claro está que construindo um prédio de cerca de 25 andares, haverá muitos pisos que serão vendidos e, portanto, por aqui se vê quais são as mais-valias de que estamos a falar. Quando o dinheiro é o objectivo principal de fazer cidade estamos conversados.
2/23/2005
O Tribunal Constitucional aprovou por maioria «renhida» (por voto de qualidade do seu presidente) um acórdão que considera inconstitucional uma norma que permitia à CP desresponsabilizar-se por qualquer indemnização a pagar aos passageiros nos casos de atrasos e supressões de transportes. A partir de agora, abre-se caminho ao pedido de indemnizações ou, o que seria preferível, ao bom funcionamento dos caminhos-de-ferro em Portugal.
O acórdão pode ser consultado aqui..
Coisa pouca: 2937 edificações ilegais, mais cerca de três centenas com processo de embargo, de demolição ou com fortes suspeitas em análise - são estes os números hoje revelados pelo Diário de Notícias relatiavamente às construções em plenas áreas protegidas. Não inclui isto as (inúmeras) situações no Parque Natural da Arrábida e também na Reserva do Estuário do Sado. O grosso das ilegalidade estão no Parque Natural da Ria Formosa que José Sócrates prometeu, quando ministro do Ambiente em 2000, vir a demolir.
Aquilo que mais choca no meio disto tudo não são as ilegalidades cometidas pelos proprietários, mas sim as atitudes passivas e coniventes de autarcas e de alguns dirigentes do ICN e das áreas protegidas. Agora é mais difícil inverter um facto consumado do que evitá-lo.
O resumo das ilegalidades pode ser consultado no site do ICN (ver no destaque) ou aqui.
P.S. Já agora, por falar em ilegalidades nas áreas protegidas, será que o futuro primeiro-ministro do Ambiente do Governo de José Sócrates irá, finalmente, mandar demolir a casa ilegal do deputado socialista José Magalhães no Parque Natural da Arrábida, fazendo cumprir uma ordem judicial?
2/22/2005
Tempos novos, novas sondagens. Gostaria de saber a vossa opinião sobre o «impacte ambiental» de termos agora como primeiro-ministro um antigo ministro do Ambiente, bem como «palpites» sobre quem poderá vir a ser o novo ministro do Ambiente. As sondagens estão aqui colocadas no lado direito, mantendo-se também a da seca. Votem e muito obrigado.
P.S. O blog Estrago da Nação tem registado, nas últimas duas semanas, um crescimento bastante apreciável, ultrapassando aos dias da semana mais de uma centena de visitas. Ontem bateu mesmo o recorde diário com 129 visitas (um bocadito longe do Abrupto, é certo...). E este mês quase garantidamente que será o que registará maior frequência desde a sua criação em Janeiro de 2004. É certo que tenho conseguido fazer mais actualizações do que era normal em meses anteriores, mas é sempre bom receber o estímulo que as vossas visitas representam. Muito obrigado.
2/21/2005
Face aos resultados e numa análise exclusivamente centrada em deputados de cariz ambiental, temos o seguinte:
a) os dois deputados do MPT (Pedro Quartim e Luís Carloto Marques) foram eleitos, mas o segundo um pouco à rasca (3º na lista do PSD de Setúbal, que só elegeu três, tendo sido o 15º dos 17 deputados eleitos por este distrito)
b) Humberto Rosa, que se encontrava em 23º lugar na lista do PS em Lisboa foi eleito directamente (embora já seria certo ir para o Parlamento por «substituição» dos ministros e secretários de Estado... se é que ele não vai ser um deles)
c) Jorge Moreira da Silva, actual secretário de Estado, estava em 13º lugar na lista do PSD em Lisboa. Por causa do acordo com o MPT e PPM, não foi eleito. É, contudo, provável que seja deputado, porque alguns dos que o antecedem não ocuparão certamente o cargo. Mas este é um evidente caso de que o PSD fez um péssimo negócio.
d) O Partido Ecologistas «Os Verdes» obteve dois deputados: um é Heloísa Apolónio (que já era antes) e outro será Francisco Lopes, que aparece identificado na site do PCP como advogado estagiário de 30 anos.
e) José Eduardo Martins também foi eleito como deputado por Viana do Castelo. Só o cito aqui como político com costela ambientalista (que, na realidade, não tem), porque o antigo secretário de Estado do Ambiente teve uma estrondosa derrota (tinha sido também cabeça de lista nas anteriores eleições) ao descer dos 45,5% em 2002 para os 33,5% agora.
f) Luís Nobre Guedes, ministro do Ambiente, também não foi eleito, apesar da radicalização do seu discurso contra a «co-inceneração» (como apareceu, durante algum tempo, nos seus outdoors). Somente teve 5,61% (4ª força política no distrito) e no concelho de Coimbra (onde fica Souselas) , embora tenha tido 6,6% dos votos, foi o 5º melhor, tendo aqui sido também ultrapassado pelo Bloco de Esquerda.
d) E, claro, José Sócrates e Pedro Silva Pereira foram eleitos, embora o primeiro vá para primeiro-ministro e o segundo é o mais provável próximo ministro do Ambiente e Ordenamento do Território.
2/20/2005
A única conclusão que retiro é que os visitantes deste blog (e votantes da sondagem) não são representantes do «país real». Quem me dera que 79% dos eleitores vissem na componente ambiental um peso muito importante ou importante na orientação de voto... Provavelmente teríamos melhores programas e melhores políticas neste sector.
Selection | ||
Muito importante | 38% | 15 |
Importante | 41% | 16 |
Relativamente importanyte | 18% | 7 |
Pouco importante | 0% | 0 |
Nada importante | 3% | 1 |
Eis aqui os resultados finais da sondagem sobre o melhor programa na área do ambiente e ordenamento. Nota-se que a CDU e o PS são os partidos - e a «esquerda» em geral - que merecem uma opinião mais favorável, embora «competindo» com a opinião de que nenhum partido tem, de facto, um bom programa nestes sectores.
Selection | ||
PSD | 12% | 8 |
PS | 23% | 15 |
CDS-PP | 5% | 3 |
CDU (PCP-PEV) | 25% | 16 |
Bloco de Esquerda | 9% | 6 |
Outro | 3% | 2 |
São todos bons | 0% | 0 |
São todos medíocres | 23% | 15 |
Em anteriores actos eleitorais houve inúmeros boicotes por razões ambientais, grande parte dos quais por falta de saneamento básico ou em contestação a algum projecto com impactes ambientais negativos.
Desta vez, temos o oposto: a população de Germil, em Ponte da Barca, está a boicotar as eleições legislativas em protesto contra a proibição de instalação de torres eólicas na serra Amarela , em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). Um delegado da mesa de voto disse à TSF que «o PNPG proibiu a instalação das torres na Serra Amarela, pelas quais a freguesia já estava a receber uma renda mensal, e a população não se conforma com a perda desta importante fonte de receita».
Embora não aceite este argumento, compreendo-o. Na verdade, o Instituto de Conservação da Natureza é o principal responsável por este tipo de conflitos, que seriam desncessários caso - como há anos defendo - definisse as áreas onde fosse proibido qualquer tipo de instalação de aerogeradores. Ao não definir essas áreas cria expectativas e conflitos que seriam evitáveis.
Aliás, ainda há dias atrás defendi que deveria ser proibido, para já, a instalação de aerogeradores em áreas protegidas. Se houvesse essa clarificação, as empresas nem sequer apresentariam projectos naquelas zonas. Assim sendo, ficamos sujeitos a conflitos e a aprovações apenas para agradar aos «lobbies».
2/19/2005
2/18/2005
Bastante interessante a iniciativa que a associação Amigos do Mindelo fez para «orientar» a votação nas próximas eleições: convidou os candidatos de seis partidos (PS, PSD, CDS, BE, CDU e PND) a dizerem de sua justiça sobre questões ambientais, embora ficalizados na região de Vila do Conde. As respostas podem ser acessíveis através deste link.
Seria interessante que nas próximas eleições autárquicas houvesse mais associações locais a questionarem os candidatos sobre estas matérias.
2/17/2005
Carmona Rodrigues, presidente da autarquia de Lisboa disse ao Público, a respeito da decisão de Jorge Moreira da Silva em arquivar o estudo de impacte ambiental do túnel do Marquês, o seguinte: «Se o Supremo Tribunal determinou que não havia razões para se fazer o processo de Avaliação de Impacte Ambiental, acredito que a função pública, se calhar, tem mais que fazer que estar a fazer coisas que são inconsequentes».
Além de ser necessário frisar que este caso não está fechado em termos judiciais, convinha perguntar se Carmona Rodrigues teria a coragem de dizer aos seus estudantes de engenharia do ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa, de onde é(foi) professor, que avaliar os impactes de um túnel daquelas dimensões, com as repercussões no tráfego de uma cidade, são coisas «inconsequentes». A política, de facto, altera uma pessoa.E não é para melhor...
Há poucos meses aplaudi aqui - coisa rara - o facto do Governo actual ter decidido criar brigadas aerotransportadas para combate aos fogos florestais, um pouco à semelhança do que, por exemplo, ocorre com bons resultados na Andaluzia.
Contudo, pela amostra, teme-se o pior: o curso de formação para bombeiros aerotransportados, que estava a ser ministrado na Lousã, foi suspenso por não estar cabimentado em orçamento. As aulas serão agora retomadas na próxima semana, depois de uma reunião de emergência, anunciou ontem o Público.
Ficou-se também a saber que os 30 formandos tiveram de pedir licença sem vencimento e que somente há garantias de financiamento das brigadas por um período de apenas três anos, ou seja, não haverá estabilidade, nem incentivo. Não se está a levar isto a sério. Não têm desculpa...
Uma boa notícia: Ontem o protocolo de Quioto entrou plenamente em vigor.
Uma má notícia: Portugal poderia aumentar em 27% as suas emissões em 2008-2012 comparativamente a 1990. Já vamos em 40% em 2004. Ou seja, teremos agora que reduzir 10% até 2008-2012 comparativamente a 2004. Alguém acredita?
Uma péssima notícia: Não se vislumbram quaisquer medidas. Os diferentes partidos - todos - praticamente ignoram as alterações climáticas, as políticas de energia (metem umas pitadas sob a forma de energias renováveis, como se a questão energética fosse reduzida a painéis solares e aerogeradores), de transportes, de edificação, de incentivo às novas tecnologias de eficiência energética*, etc.
Uma horrível notícia: Vai sair-nos caro. Não só os efeitos das alterações climáticas em si, mas sobretudo as penalizações previstas no protocolo de Quioto. Quem vai pagar somos nós, contribuintes.
* - aprofundarei, e a talho de foice do famoso Plano Tecnológico, esta questão em breve.
2/15/2005
Acabo de receber uma carta que no sobrescrito avisa: «Se não costuma votar, leia esta carta». Eu costumo votar, mas como sou curioso abri-a. Não dei o tempo gasto por mal empregue. O seu conteúdo é um hino ao delírio e o seu autor, Pedro Santana Lopes, deveria merecer um lugar na História.
Pede, logo na arrancada: «Não pare de ler esta carta». A «ameaça» - qual rede de mensagens que quebrada implica desgraças - é de que interromperemos, como o Presidente da República, um conjunto de medidas que beneficiam os portugueses e... claro, as portuguesas.
Para os absenticionistas, Santana Lopes dá-lhes a bênção: «Afastou-se pelas mesmas razões que eles nos querem afastar». E quem são eles?, queremos nós perguntar, mas que Santana também o faz. Eles, responde o próprio, são «alguns poderosos a quem interessa que tudo fique na mesma». Bolas, nós até gostávamos de saber um nomezito que fosse de entre eles.
Mas, pronto, eles, de qualquer modo, são uns maus. Diz Santana que os ditos eles «acham que eu (ele, Santana) sou de fora do sistema que eles querem manter». Caramba, ia jurar que Santana Lopes andava na política ainda eu era menor, além de que não sei a que sistema se refere.
Mesmo não sabendo de que raio de sistema estamos a falar, Santana Lopes está convicto de que não nos damos bem como ele (o sistema), nem ele (o Santana). Por isso, «provavelmente nos temos algo em comum».
Em seguida surge o acto de contrição e uma sacramental pergunta em tom de lamento: «Tenho defeitos como todos os seres humanos (chuiff), mas conhece algum político em Portugal que eles (mas quem são os gajos, raios...) tratem tão mal (buá buá...)?»
Mas calma, não há só injustiças para Santana Lopes. O próprio diz que «também o (a si e a todos, presumo, menos os eles) tratam mal a si», pelo que «já somos vários».
Portanto, lança Santana Lopes o apelo contra os maus que nos tratam mal: «Ajude-me a fazer-lhes frente».
E como»? Santana Lopes dá a receita: «Desta vez, venha votar. É um favor que lhe peço!».
Oh, Pedro, menino guerreiro, quem é que lhe anda a dar conselhos para escrever cartas deste género?
2/14/2005
Em 21 de Julho do ano passado escrevia no Farpas Verdes CIII o seguinte:
Parece que Jorge Moreira da Silva vai ser secretário de Estado do Ambiente. Tenho boa opinião dele e há quem o veja como um sucessor de Carlos Pimenta (a começar pelo próprio saudoso secretário de Estado dos longínquos anos 80). Se assim acontecer, Moreira da Silva fará mal em aceitar: liga o seu nome e actual prestígio a este Ministério do Ambiente. Se o «navio» naufragar, como temo, será como o crude: díficil de sair e mesmo quando sai deixa mazelas.
Pois bem, parece que no meio do pânico do naufrágio, Moreira da Silva decidiu mostrar o seu valor: talvez a mando do seu chefe Santana Lopes, interrompeu a avaliação de impacte ambiental do túnel do Marquês, alegando que este «foi iniciado no estrito cumprimento da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, a qual foi entretanto revogada pelos tribunais superioreso Tribunal».
Não está aqui em causa a justeza de uma decisão judicial, mas sim uma questão ambiental e de condições de vida das populações. Em qualquer projecto - e isto prevê claramente a lei - pode o Governo exigir estudo de impacte ambiental, mesmo se não estiver contemplado nos anexos do diploma, para salvaguardar e minimizar impactes. Tornou-se claro que o projecto do túnel do Marquês possuía bastante debilidades. Portanto, mesmo havendo uma declaração favorável por parte do Ministério do Ambiente, deveria este continuar a avaliação, pois haveria sempre recomendações positivas para a fase de obra e para a subsequente monitorização.
Assim, ao usar este argumento, Moreira da Silva veio dizer uma coisa muito singela e grave: que os estudos de impacte ambiental somente se fazem em Portugal porque há uma lei para cumprir; não porque há impactes que têm de ser minimizados. Uma triste despedida, sem deixar saudades...
O Instituto da Água está, final mas tardiamente, a acordar para o facto de estarmos perante a iminência de uma seca gravíssima. Os sinais já estavam lançados no final de Dezembro do ano passado, agravaram-se com a precipitação de Janeiro passado, que se mantém agora no presente mês.
Nas Farpas Verdes CL, de 1 de Fevereiro, alertava para a surpreendente minimização da situação que o Instituto da Água manifestava e referia mesmo que os cálculos que eles apresentavam da capacidade de armazenamento serem enganadores, porquanto se deveria ter em consideração o volume morto das albufeiras.
Agora que a porca está a torcer o rabo, surgem as medidas de mitigação. Mas, mais uma vez, não se conta a história toda. Os maiores consumos de água são, de longe, os da agricultura. Pode haver água suficiente para o consumo humano, mas é bom que se comece a inculcar nos agricultores que, em algumas regiões, este ano vai ser para esquecer no regadio.
Por fim, um curto comentário. O presidente do Instituto da Água considerou que as questões da qualidade da água «não se afiguram preocupantes», porquanto «a qualidade da água nas albufeiras, mesmo com estes volumes armazenados [a baixo da média], é idêntica à do ano passado». Pois é, só que no ano passado, como nos outros anos, a água da generalidade das nossas albufeiras já é má.
P.S. Recordo que se encontra em curso aqui ao lado uma pequena sondagem para avaliação do comportamento do Governo em relação ao actual espectro da seca - cada vez menos espectro e mais seca.
2/13/2005
Um dia a comunicação social terá de reflectir sobre o seu contributo para o desprestígio da política e dos políticos em Portugal. Não por denuncuiar determinadas condutas, mas por ter entrado descarada e despudoradamente no mesmo jogo. No jogo da mentira e de esquemas ínvios. Ontem, mais duas «belas» notícias no Expresso baseadas em fontes e convições; sem factos, sem opinião dos visados. Uma já foi desmentida (Cadilhe); a outra é tão estapafúrdia (sobre a fonte da notícia do Público sobre a posição, que nunca foi, de Cavaco Silva) que nem merece desmentido.
2/12/2005
Para confirmar como o processo Freeport teve alguma água no bico, vejamos a cronologia com detalhe, para um comentário final:
Primeiro estudo de impacte ambiental
Início em 10/6/2000, não houve consulta pública por ter sido considerado em desconformidade com a lei em 25/10/2000. A análise pelos serviços do Ministério do Ambiente demorou 81 dias úteis.
Segundo estudo de impacte ambiental
Início em 22/5/2001 e confirmado a sua conformidade iniciou-se a consulta pública em 9/8/2001, ou seja, 56 dias úteis depois. A consulta pública decorreu até 18/9/2001, ou seja, teve direito a 30 dias. A declaração de impacte ambiental (chumbando o projecto, com carácter vinculativo) surgiu em 6/12/2001, isto é, 57 dias depois.
Terceiro estudo de impacte ambiental
Início em 18/1/2002 e, confirmado a sua conformidade, iniciou-se a consulta pública em 5/2/2002, ou seja, apenas 12 dias úteis depois. A consulta pública decorreu até 5/3/2002, ou seja, teve direito apenas 20 dias. A declaração de impacte ambiental (aprovando o projecto, com carácter vinculativo) surgiu em 14/3/2002, isto é, apenas 6 dias depois
Basta ver as diferenças (enormes) na celeridade com que o terceiro estudo foi analisado. O segundo demorou 143 dias para ser chumbado; o terceiro estudo demorou apenas 38 dias para ser aprovado. Estranho, não é?
2/11/2005
Acompanhei, quando ainda estava no semanário Expresso, o processo do Freeport Alcochete. A minha notícia foi mesmo a primeira a falar no «caldinho» que se estava a preparar, embora saiba que teve o condão de refrear a celeridade do processo, a ponto de ter sido «chumbado» o primeiro estudo de impacte ambiental em Dezembro de 2001. Entretanto, sabemos que houve uma alteração de última hora nos limites da ZPE e a aprovação do projecto em vésperas de eleições e com um governo socialista de gestão. Uma coisa parece-me evidente: havia já quem andava a fazer «lobby» para aquilo avançar e quem tentasse rumar contra a maré, protegendo aquela área. Venceram os que queriam construir, como quase sempre ocorre.
Ao contrário daquilo que agora José Sócrates e o PS vieram dizer, não é indiferente a alteração dos limites da ZPE e a aprovação do projecto. À luz do direito nacional, surgem-me algumas dúvidas, porquanto claramente essa alteração tinha como objectivo final enquadrar um projecto específico, o que a lei não permite. No entanto, essencialmente o objectivo era evitar conflitos com a Comissão Europeia.
Houve, para mim, claramente, um benefício concedido à empresa britânica - tal como houvera pouco tempo antes para a construção do centro de estágios do Sporting (também escrevi sobre isso). Se este processo envolveu ou não contrapartidas financeiras a partidos ou a políticos, é matéria para investigação policial e judiciária. Ainda bem que está a ser feita e somente se lamenta que não se investigue mais. Mas que este é um processo que cheira a esturro por todos os poros, ai isso cheira... que tresanda.
Por outro lado, o argumento de José Sócrates de que delegara poderes no secretário de Estado do Ambiente é uma falácia. Alguém acredita que o então ministro do Ambiente não falou sequer com o secretário de Estado sobre estas matérias? E não se achará estranho que depois de um «chumbo» do projecto em Dezembro de 2001 - quando a autarquia era da CDU - tenha sido aprovado somente quatro meses depois, em em gestão autárquica socialista? E um ministro não é, pelo menos politicamente, responsável pelos actos dos seus secretários de Estado? Se assim não for, então teremos todos os ministros a delegarem poderes aos secretários de Estados e servirão apenas como papel decorativo para cortar fitas. Por isso, Sócrates - para o bem e para o mal - não pode dizer que é completamente alheio ao processo de aprovação do Freeport.
Em baixo, coloco a notícia que então publiquei no Expresso, na sua edição de 1 de Setembro de 2001. O projecto será aprovado quando o Governo socialista estava de malas feitas (diga-se que esta «brincadeira» é normal em fases de transição: PSD em 1995 também fizera isso em três empreendimentos no Algarve...).
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Centro comercial invade Tejo
João Carlos Santos O ministro do Ambiente, José Sócrates, terá parecer vinculativo na aprovação do projecto |
Para uma área de quase 13 hectares está projectada a construção de um centro comercial em modelo «outlet» - espaço aberto -, com 28 salas de cinema, um «health club», uma zona de restaurantes e bares, uma discoteca, um centro de «bowling» e um hotel com 120 camas e centro de congressos.
Contudo, associado ao centro lúdico-comercial, será construído também um parque de estacionamento para cerca de três mil veículos, englobando perto de 11,5 hectares. Além disso, noutra zona adjacente, bastante próxima dos sapais, a Freeport Leisure pretende implantar, em 13 hectares, «um projecto de renaturalização, visando uma qualificação do ponto de vista ambiental».
Estas duas parcelas estão totalmente integradas na ZPE e, segundo a Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET) - a entidade gestora daquela área - estão ainda abrangidas pelo regime da Reserva Ecológica Nacional (REN), que proíbe a ocupação e movimentação de solos. O representante da empresa britânica em Portugal, João Cabral, diz que «o projecto de renaturalização é uma forma de compensar a ocupação da área do estacionamento».
Divergências ambientais
Nessa altura, o então vice-presidente do ICN, José Manuel Marques, referia que «a implementação do projecto (...) não constitui uma incompatibilidade face aos objectivos da conservação da natureza (e da avifauna em particular) e ao quadro normativo e legal que sobre a zona incide». E considerava que seria suficiente a renaturalização da área do antigo pomar para eliminar os efeitos negativos.
No entanto, o plano de gestão, aprovado ainda em 1999, refere que na área da ZPE se deve «manter o carácter rural do espaço» e que «as densidades de povoamento urbano (deverão ser) idênticas ou inferiores às actuais». Isto significa que, quanto muito, se poderia substituir o volume de ocupação da fábrica de pneus por uma área idêntica de uso comercial, mas sem intensificar a presença humana.
Apesar dessa posição inicial do ICN, Antunes Dias, director da RNET,diz que «um parecer daquele género não tem qualquer validade, porque nada pode contrariar a legislação específica de protecção da zona».
O presidente do ICN, Carlos Guerra, afirma que o seu então vice-presidente - que, no ano passado, foi exonerado por José Sócrates por causa do empreendimento do Abano, no Parque Natural de Sintra-Cascais - terá emitido um «parecer voluntarioso». «Não será tido em conta na avaliação do projecto», garante.
Antunes Dias relembra também que a autarquia de Alcochete não pode aprovar nada para aquela zona. Com efeito, a Resolução de Conselho de Ministros de 17 de Julho de 1997 - que aprovou o plano director municipal de Alcochete - excluiu a possibilidade de ocupação da área da antiga fábrica de pneus com actividades de usos urbanos.
Sporting cria precedente
De qualquer modo, sob este projecto paira o precedente criado pela aprovação do centro de estágios do Sporting, em Alcochete, que também se encontra na ZPE do estuário do Tejo. Carlos Guerra defende, contudo, que «são processos distintos, porque a ocupação é diferente».
Este tipo de precedentes tem sido criticado por vários quadrantes. Ainda há poucos meses, o presidente da autarquia da Figueira da Foz, Pedro Santana Lopes, afirmava ao EXPRESSO «não compreender que se tivesse aprovado o projecto do Sporting e o Ministério do Ambiente tenha chumbado o empreendimento turístico da Lagoa da Vela», na zona de Buarcos, também localizado na Rede Natura.
PEDRO ALMEIDA VIEIRA, EXPRESSO (1/9/2001)O artigo de opinião do Miguel Sousa Tavares não traz, infelizmente, qualquer novidade. E digo, infelizmente, porque ele - como outros, nos quais eu humildemente me incluo - tem, de tempos a tempos, escrito sobre os escândalos dos projectos aprovados em áreas protegidas, sobre os projectos ditos estruturantes, sobre os compadrios da Administração Central e das autarquias que «abrem as pernas» e os bolsos aos empresários, do embuste em que se tem tornado o Alqueva. Contudo, nada disto, ano após ano, muda o modus operandi destas gentes.,
Mas o artigo também tem o (muito) mérito de nos fazer recordar - e recordar aos portugueses - mais uma vez esta situação. Água mole em pedra dura, um dia há-de furar. Por outro lado, tem também o mérito de ser publicado no preciso moment0 em que o projecto do Freeport Alcochete está em investigação, construído em área de ZPE do Tejo. Sobre esta matéria, leiam o post em cima.
P.S. O texto de MST pode ser consultado aqui, em permanência: O Público não se importará, certamente; e o público agradecerá, certamente.
O (correcto) acto de contrição da direcção do Público na edição de ontem, por causa da manchete do dia anterior, sobre a posição (não feita) de Cavaco Silva em relação às próximas eleições, não deve fazer esquecer o essencial. Mesmo os jornais de referência (Expresso, Público, Diário de Notícias, etc.) usam e abusam, sobretudo em notícias políticas, no uso de «fontes anónimas», «fontes próximas», «colaboradores identificados», etc.
Ora, os jornalistas que usam deste modus operandi podem, no limite, escrever uma notícia ficciosa, até porque têm a seu favor o (correcto) dever de protecção das fontes, mas que, para os menos escrupulosos, jeito dá quando esta não existe.
Mas mesmo que não estejam a ficcionar - e portanto, tenham mesmo uma fonte -, convém usar do máximo cuidado. Por exemplo, eu jamais usei fontes não identificadas num artigo sem que o material que possuísse podesse confirmar ou deduzir de forma inequívoca aquilo que me era trasmitido. Em alguns casos mais sensíveis, pedi mesmo, como salvaguarda, que me mostrassem (e preferencialmente me dessem cópia, que não divulgaria), documentos que confirmassem determinada situação ou denúncia. Perdi, é certo, algumas «cachas» por causa deste procedimento, mas também evitei muitos desmentidos ou situações embaraçosas para qualquer jornalista. Mais vale ter uma «cacha» sem desmentidos do que 100 «cachas» e uma delas com um desmentido.
No entanto, sabemos que o jornalismo político se dá mais ainda um certo «casamento de conveniência» entre o jornalista e as fontes. Um jornalista que «consiga» ganhar as graças de um político destacado arranja «cachas» por uns bons tempos. Mas isso tem dois graves prejuízos: tira-lhe a lucidez (para não dizer outra coisa), se for necessário investigar e/ou escrever algo depreciativo sobre essa sua fonte; e corre o risco de cair numa cilada, caso o «bom» do político queira «tramar» alguém (o que acontece frequentemente) sob a capa do anonimato.
2/10/2005
A postura de António Capucho, presidente da autarquia de Cascais, em reduzir fortemente os índices de construção na revisão do PDM - atitude que se saúda -, apenas vem demonstrar que as políticas de urbanismo dependem muito da sensibilidade política dos autarcas.
Capucho é uma (boa) excepção, mas o país não resolve os problemas urbanísticos com as excepções à regra geral, que é a de deixare construir ao desbarato. Não pode Cascais, ou outro concelho, estar dependente de um autarca: se este é insensível, deixa construir; se é sensível, retrai a construção. Como os ciclos eleitorais são o que são significa que a longo prazo teremos sempre mais a construir do que a não construir.
Por isso, deveria haver uma profunda análise dos PDM actualmente em vigor e estabelecidas orientações da Administração Pública - a uma escala regional e local - no sentido da obrigatória redução das áreas e índices de construção. O ordenamento e o urbanismo são assuntos demasiado sérios para serem deixados, em exclusivo, na mão dos autarcas.
A pretexto das últimas notícias que referem estar a confirmar-se a generalização de escrituras de habitações muito abaixo do seu valor real (da ordem dos 40%), coloco aqui em baixo um trecho de uma abordagem que fiz no livro «O Estrago da Nação». Aí defendo que se deveria acabar com a sisa (a denominaçao agora é diferente, como sabem), pois era ela que incentiva a fuga do IRC das empresas de construção civil e imobiliárias. E neste balanço, as contas públicas perdem mais do que ganham. Mais valia um IRC pago integralmente sem sisa do que IRC+sisa pagos de forma fraudulenta.
No antigo sistema tributário (mudou um pouco mas os valores não se terão alterado significativamente), por cada mil euros não declarados na escritura de compra e venda, as autarquias deixavam de encaixar no máximo 100 euros, mas o Estado «perdia» 300 euros por não tributar esse lucro desviado pelos promotores imobiliários. Ou seja, se o Estado não penalizasse o comprador com a sisa - ou até dar-lhe um incentivo em termos de aumento das deduções fiscais na habitação -, perdiam as autarquias 100 euros por cada 1000 euros, mas o Estado arrecadava 300 euros em IRC. Destes, poderia dar os devidos 100 euros à autarquia e mesmo 50 euros ao contribuinte (incentivando-o assim a fazer escrituras correctas) e ficava com um «lucro» de 150 euros. E era uma questão de justiça social e fiscal. Somente quem «perdia» eram os construtores: pagavam os impostos devidos. Mas é, por isso, que o status quo não se altera.
___________________
in «O Estrago da Nação» (pp. 112-113), D. Quixote (2004)
Contudo, essa alteração (do modelo de tributação) em nada modificará os esquemas de fuga ao fisco que consiste em celebrar a escritura com um valor mais baixo do que o preço de venda efectiva. Até agora esse é um expediente em que comprador e vendedor beneficiam mutuamente: o primeiro por pagar menos sisa e o segundo por desviar da sua contabilidade – e portanto de tributação em sede de IRC – a parte remanescente que não consta da escritura.
E diga-se que, neste caso, o Estado perde mais com a fuga ao IRC do que as autarquias com a fuga à sisa pelos compradores. Até agora, por cada mil euros não declarados na escritura de compra e venda, as autarquias deixavam de encaixar no máximo 100 euros, mas o Estado «perdia» 300 euros por não tributar esse lucro desviado pelos promotores imobiliários.
Por isso, caso a sisa fosse extinta, obviamente que as autarquias teriam um decréscimo acentuado nas suas receitas, mas que poderia ser compensado pelo reforço das transferências do Orçamento Geral do Estado, uma vez que seria expectável um incremento substancial das receitas fiscais do IRC pagas pelos promotores imobiliários. É que numa situação em que o comprador nada beneficia de uma fuga à sisa, tem todo o interesse – se houver um reforço dos benefícios fiscais em termos de amortizações – em exigir que a escritura se faça ao valor da compra. E, dessa forma, os promotores imobiliários ver-se-iam obrigados a contabilizar integralmente o valor da venda, aumentando assim os lucros declarados e, em consequência, os montantes pagos em IRC.
Assim, com a manutenção da sisa, o statu quo manter-se-á – incluindo a fuga à sisa e ao pagamento do IRC –, aumentando mesmo a tentação das autarquias, caso as receitas decresçam muito, em criar novos perímetros urbanos e promover a especulação. No caso da futura contribuição autárquica, a significativa diminuição da tributação para os fogos mais recentes e o agravamento dos mais antigos poderá também trazer efeitos nefastos.
Como grande parte das autarquias que mais têm vivido à custa dos impostos do betão e que mais construíram desde 1985 vão registar decréscimos acentuados a curto prazo na contribuição autárquica – essa será uma certeza por mais desmentidos oficiais que surjam –, poderão ser tentadas a sobrevalorizarem as actualizações do valor patrimonial dos fogos antigos para compensar essa redução. Isso mesmo está previsto na nova lei: as autarquias podem maximizar até um máximo de 30 por cento. Se para evitar um choque social – sobretudo em zonas socialmente mais carenciadas –, essa actualização for gradativa e iniciando-se com factores de ponderação baixos, então haverá muitas autarquias a fazerem contas à vida.
2/09/2005
Criminosa é a intenção do presidente da autarquia de Loures, Carlos Teixeira, de transformar Loures numa cidade de 100 mil habitantes, à custa (ou benefício), helas, do betão (vd. Público de domingo passado).
A argumentação do autarca é de bradar aos céus. Diz que «se o concelho de Odivelas tem 150 mil habitantes em 26 quilómetros quadrados, a nós basta juntarmos a cidade de Loures à de Santo António dos Cavaleiros e ficamos com 37 km2, onde hoje em dia só vivem 45 mil», para concluir que «se há espaço para se viver com qualidade, não irá ser difícil duplicar o número de habitantes actuais, é só preciso criar condições para que eles venham viver para esta nova cidade que se prepara para nascer».
Ora, é esta visão tacanha dos autarcas (e/ou os interesses inconfessados que estão por detrás) que transformou a Grande Lisboa num caos urbanístico. Saberá o presidente da autarquia de Loures que a região da Grande Lisboa estabilizou a sua população nas duas últimas décadas (deixou de atrair, portanto, habitantes) e que os crescimentos demográficos de alguns concelhos dos arredores de Lisboa (como Sintra ou os da Margem Sul) se fizeram à custa do despovoamento (e degradação patrimonial) da capital portuguesa? E saberá a sua cabecinha, que cativando habitantes - com o simples e redutor objectivo de se fazer importante -, estará a retirá-los dos concelhos vizinhos e a criar (ou a agravar) os problemas daqueles? E quem pagará toda a «transferência» de infra-estruturas que isso acarreta? (convém, por exemplo, ver que há medida que fecham escolas em Lisboa por falta de alunos, têm de se gastar mais dinheiro a construir escolas nos subúrbios)
E o que diz a tudo isto o Ministério do Ambiente (e também do Ordenamento do Território)? E o do Planeamento? E afinal para que está a servir o Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa?
Espero que a ausência de reacções a esta intenção de Carlos Teixeira seja apenas por se acreditar que esta ideia é idiota e tonta. Mas convém não pensar nestes moldes. Afinal, o caos urbanístico que possuimos nasceu de ideia semelhantes de autarcas iguais desde há duas décadas a esta parte.
Através do blog Ondas, soube que na Escócia está para «nascer» do maior parque eólico do Mundo, com cinco mil aerogeradores com uma potência de 10.000 MW - o que, acrescento eu, daria teoricamente para abastecer Portugal inteiro. A notícia original refere também os protestos do botânico David Bellamy. Sendo prudente não comentar a argumentação deste botânico com base numa notícia, diria que tenho tendência a concordar com ele, mesmo se de forma parcial.
Tendo em conta que Portugal também está rendido à energia eólica, tomo aqui a minha posição sobre esta matéria.
A energia eólica não pode ser vista como panaceia para a solução energética do país, pelo menos nos moldes em que é apresentada. Darei um exemplo.
Peguemos no caso escocês e imaginemos que colocavamos os 10.000 MW de energia eólica em Portugal. Teríamos a electricidade para abastecer mesmo todo o país? A resposta é negativa. A energia eólica é, tal como a hidroelectricidade, variável no tempo e no espaço. Tem mesmo uma grande desvantagem em relação às barragens - que armazena a água para a gerir mais tarde - , isto é, não se pode armazenar o vento.
Um aerogerador produz aquilo que o vento fornece, noite e dia, mas não é constante ou variável em função das curvas de consumo diário, semanal e sazonal. Por isso, se uma central térmica tem uma potência instalada de 1000 MW e eu lhe colocar combustível ela pode produzir numa hora 1000 MWh. Mas, ao invés, se não houver vento, ou for reduzido, eu jamais conseguirei num parque eólicos de 1000 MW de potência produzir, numa hora, os tais 1000 MWh.
Ora, a Rede Eléctrica Nacional nunca poderia - mesmo que tivesse potência instalada em parques eólicos suficientes para tal - estar descansada apenas com aerogeradores, porque se necessitasse de energia e não houvesse vento, chapéu, haveria um «apagão». As centrais térmicas servem, devido à sua inércia e garantia de estabilidade na produção, de suporte essencial para os consumos (grosso modo - e não tendo agora aqui à mão os dados para confirmar - cerca de 5.000 MW durante as 24 horas). Acima disso, ao longo do dia existem fortes variações (com picos em determinados períodos da manhã e da tarde e da noite), em que se poderá recorrer aí sim às fontes renováveis.
Por isso, se um dia me viessem dizer: Portugal vai ter 4.000 MW de potência de parques eólicos, eu seria contra. Porque isso significava que essa energia serviria sobretudo para ser exportada e ficariamos com as nossas serras - e muitas áreas protegidas - enxameadas de aerogeradores que têm, de facto, impactes ecológicos e paisagísticos directos e indirectos importantes.
Será um erro achar que os parques eólicos irão substituir as centrais térmicas convencionais a carvão ou a fuel (isso será feito pelas de gás natural). Quanto muito serão uma almofada para situações de picos (sempre que possível) e sobretudo um bom negócio para as empresas porque terão sempre garantia, num mercado ibérico e europeu de livre circulação de energia, de a vender sempre. Não haverá nada contra este direito das empresas em lucrarem com isto, mas deveria ser melhor ponderadas as autorizações dos parques eólicos. Por mim acho que, por exemplo, por agora deveria numa primeira fase ser proibido a implantação de aerogeradores em áreas protegidas, enquanto todos as outras zonas com potencial eólico não fosse esgotado. Depois far-se-ia um balanço. E sobretudo deveria isto ser acompanhado de fortes medidas de melhoria de eficiência energética: é que não poderemos continuar a ter crescimentos de consumos de electricidade de 6% ao ano, quando o PIB regride ou tem crescimentos quase nulos.
2/07/2005
Causa-me alguma estranheza ver alguns «opinion makers» do país (vd. director do Expresso e, de forma mais suave, Helena Matos, no Público) a zurzir na alegada ignorância de Miguel Esteves Cardoso e Francisco Louçã pelo facto de ambos desconhecerem quem foi Candido dos Reis.
Não censuro ninguém por ignorar alguns acontecimentos particulares e personalidades que viveram há um século atrás, nem penso que seja um demérito pelo contributo que tenham tido para o país. Não somos uma enciclopédia histórica, nem convém que sejamos. Eu, ignorante confesso, admito que também não sabia a origem do nome da avenida, nem o seu papel na história(graças à maravilha da Internet sei agora quão lamentavelmente triste foi o fim de Cândido dos Reis, que se suicidou na véspera do 5 de Outubro de 1910 por pensar que a revolução iria fracassar).
E não me considero ignorante pelo simples facto de que também não vos considerarei por não saberem, por exemplo, aspectos do século XVIII que tenho estado a estudar afincadamente. Ou de muitos outros assuntos - de índole histórica ou ambiental. Tal como não me podem considerar ignorante por não saber muitas e muitas, imensas coisas.
Nos políticos acho grave sim que, por exemplo, não conheçam os problemas reais do país e ignorem as estratégias de desenvolvimento. Que caiam de paraquedas em ministérios para os quais não sabem sequer o abecedário (o do Ambiente tem sido pródigo nestes casos).
Em matérias de debates políticos que mostram, sim, uma atroz ignorância, recordo-me particularmente de um debate em 1999 entre Guterres e Portas em que o moderador lhes meteu uma folha de papel na frente com o símbolo @ e perguntou-lhes que sabiam o que representava. Ambos disseram que não sabiam!
Parece que, durante alguns dias, o PP colocou uma série de cartazes em Coimbra para mostrar quão ambientalista é Nobre Guedes, o ministro do Ambiente e candidato popular naquele distrito. O retrato ( tirado pelos Manos Metralhas) apresenta-o sem óculos, razão que explicará o erro ortográfico... ou não.
Que interessante seriam as nossas eleições legislativas se em vez de Sócrates, Santana Lopes e tantas outras, surgisse uma candidata como a nova primeira-ministra da Ucrânia, Yulia Timoshenko...
P.S. Pela necessidade (e vontade) de abordar outros assuntos, o Estrago da Nação passará também a incluir outros assuntos mais mundanos (como é este post o exemplo) e de outras áreas temáticas, a que chamarei Derivações ambientais. O ambiente é, afinal, uma questão transversal nos assuntos do Mundo. Manterá, obviamente, o seu objectivo inicial de forma preponderante.
2/06/2005
Depois de um longo interregno nas «sondagens», eis que criei agora logo três, que se encontram no lado direito do ecrã.
A primeira para saber qual o melhor programa eleitoral na vertente ambiental e de ordenamento do território.
A segunda para saber se as questões ambientais são ou não relevantes para o vosso sentido de voto.
A terceira para saber se o espectro de uma seca em Portugal está ou não a ser atacada pelo Governo.
Espero a vossa participação. Votem lá, não custa nada.
A taxa de mortalidade na blogosfera é, de facto, avassaladora. Estive a renovar e actualizar os links dos blogs - que já não fazia desde há quase um ano - e registei cerca de 175 «mortes». Acrescentei mais umas boas dezenas, porque a divulgação é sempre necessária (embora com uma listagem tão grande não sei se é assim tão útil).
De qualquer modo, se houver algum visitantes, proprietário de um blog, que não o tenha aqui linkado, é favor enviar-me um mail ou colocar o endereço nos comentários.
Farto-me de rir ao ouvir os tempos de antena na rádio. No do PSD diz-se que o tribunal reconheceu a necessidade do túnel do Marquês para a cidade de Lisboa. No do CDS-PP surge Nobre Guedes a destacar que recusou a co-incineração (na verdade, foi um ministro do PSD...), recusou uma central de incineração na região centro (que foi proposta por um seu antecessor na coligação, ministro do PSD) e recusou alterar a lei da REN (que também foi proposta pelo mesmo antecessor do PSD). De onde se conclui que para se ser um bom ministro do Ambiente não é preciso fazer nada; basta «chumbar» projectos!
P.S. Nesta «leva» não veio o do PS, mas estarei atento...
2/05/2005
Enviaram-me uma notícia saída no jornal »Região Sul» em que surge o cabeça de lista do PSD do Algarve, Mendes Bota, conhecido empresário do sector imobiliário, em que lança umas autênticas pérolas, num chorrilho de , das quais destaco as seguintes
Acusa José Sócrates de, enquanto ministro do Ambiente, ter "determinado" a inclusão de 43% do território do Algarve na Rede Natura 2000, considerando a percentagem excessiva, até porque a nível nacional a área abrangida é de apenas 24% e na União Europeia a média não ultrapassa os 12%. O doutor Mendes Bota apenas não explicou por que razão a área de Rede Natura tem de ser igual à da média nacional ou da média europeia. Por outro lado, continua a cegueira dos políticos e empresários algarvios em relação ao futuro daquela região. Se o turismo de massas está a dar os resultados que se tem visto nos últimos anos, a preservação de extensas áreas naturais (sem betão) é a única escapatória económica. Alguém terá de explicar ao doutor Mendes Bota que ter 43% do território algarvio como Rede Natura não é um fardo; é uma bênção.
Mais diz ele: que assume o compromisso de «defender a redução da aplicação da rede natura» na região, uma vez que os sítios em causa têm «especial incidência nas zonas interiores», impedindo o seu desenvolvimento e «favorecendo a desertificação humana e os fogos florestais». Acrescenta também que as zonas do interior do Algarve abrangidas pela Rede Natura 2000, «com todas as limitações que isso acarreta», estão hoje «entre as mais empobrecidas da Europa». Estas afirmações são completamente obtusas. Tem de se questionar o doutor Mendes Bota para saber como estavam aquelas regiões antes da criação da Rede Natura. Seriam as mais ricas do país e da União Europeia? Claro que não. E já agora qual a relação entre a Rede Natura e, por exemplo, o facto de os concelhos de Monchique e de Alcoutim serem os que no país têm os mais baixos índices de saneamento básico? Será por causa da Rede Natura que os autarcas não fazem redes de abastecimento de água e de drenagem de esgotos? Será que não se tratam os esgotos por ser Rede Natura? E a Rede Natura proíbe que se faça gestão florestal adequada?
Mendes Bota quer também saber se Sócrates «mantém, ou não, a intenção, manifestada enquanto ministro do Ambiente do Governo de António Guterres, de arrasar as 1500 casas existentes nas chamadas Ilhas Barreira da Ria Formosa», defendendo a elaboração de Unidades Operativas de Planeamento e Gestão para todos os núcleos habitacionais, tal como foi decidido para a Ilha Culatra, ou, em alternativa, deve-se «levar à prática o Plano de Ordenamento e Regulamento do Parque Natural da Ria Formosa (...) com a participação das autarquias». Ou seja, o que o cabeça de lista do PSD quer dizer é que nada se faça - legalize-se o ilegal, beneficie-se os infractores, pague mesmo o Estado (nós, os contribuintes) tudo isto, e que se lixe os custos ambientais e paisagísticos desta situação.
Continua o doutor Mendes Bota na sua cruzada sobre questões ambientais, defendendo a revisão da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN), «no sentido de uma maior flexibilização», para «libertar o interior do Algarve de um espartilho que lhe inviabiliza qualquer desenvolvimento», além de defender a «desclassificação da zona sul Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina», como o objectivo «de lhe conferir possibilidades de desenvolvimento». E ainda continua, defendendo o compromisso de «levar por diante o processo de viabilização para a Urbanização de Vale da Telha, em Aljezur». Caramba, doutor Mendes, apetece dizer: E não se pode exterminá-lo?
A notícia completa pode ser consultada aqui.
2/04/2005
É patético assistir às atitudes de Nobre Guedes das últimas semanas, em que não se percebe onde começa o ministro do Ambiente e acaba o político popular (e populista). Nobre Guedes está a levar-se tão a sério - caramba!!!, o homem fez 80 medidas em quatro meses (estou a ironizar, caso não se perceba) - e se julga o arauto do Ambiente, um paladino ecológico. Por tanto afã em mostrar serviço, apetece perguntar: «Onde estava o senhor ministro no XX de YY?» (deixando ao vossso critérios a escolha dos dias e dos anos passados a que correspondam acontecimentos relevantes em matéria de ambiente, sobre os quais nunca se soube a opinião do doutor Nobre Guedes).
Perigosa a promessa de Santana Lopes em separar a componente do ordenamento do território do Ministério do Ambiente num eventual futuro Governo. Não é perigosa apenas em si mesma, mas por ter sido anunciada onde foi: durante um almoço com representantes do sector do turismo organizado pela confederação patronal do sector. Está visto que não é para proteger melhor o ambiente, nem o ordenamento do território.
Coloco aqui um texto da minha autoria, que me parece agora oportuno - tendo em conta a proximidade das eleições legislativas -, que saiu publicado no Anuário Notícias (saído na segunda-feira passada), embora tenha sido escrito ainda em Dezembro.
É uma certeza: o Ministério do Ambiente está amaldiçoado. No último Dia Mundial do Ambiente, no passado dia 5 de Junho, num balanço que elaborei para a revista Grande Reportagem sobre a evolução da política e dos políticos do ambiente, numa altura em que em dois anos esta pasta já tinha conhecido três titulares, escrevia: «Quando Arlindo Cunha, o novo ministro, comemorar o seu primeiro ano no seu gabinete da Rua do Século não deve festejar: nos últimos tempos aquele não tem sido poiso seguro depois dos primeiros 365 dias».
Se então já não estava muito optimista em relação ao futuro, a realidade ainda foi mais madrasta. Arlindo Cunha não «sobreviveu» sequer dois meses – tendo saído com a formação do Governo de Santana Lopes –, e o seu sucessor (já com menores poderes e o «ultraje» de ser «despejado» da tradicional sede do Ministério, na Rua do Século) está agora a prazo com a dissolução do Parlamento, malgrado as suas 50 promessas de medidas, algumas inexequíveis mesmo se o mandato tivesse durado até 2006.
Quatro ministros – Isaltino Morais, Amílcar Theias, Arlindo Cunha e Nobre Guedes – em menos de três anos de um Governo mostram uma enorme instabilidade orgânica e estrutural, mais grave ainda se se acrescentar que nenhum deles estava «talhado» para aquelas funções. Foi penoso assistir à inacção da política de ambiente – se é que ela jamais existiu – e, pior ainda, o período de governação iniciado em 2002 desbaratou o capital e peso político que o Ministério do Ambiente obteve nos últimos dois anos do Governo socialista, através de José Sócrates. Convém, contudo, fazer um parêntesis: o actual secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro terá sido o melhor ministro do Ambiente desde 1990, mas não por merecimento próprio, mas por demérito dos titulares que ocuparam aquela pasta.
De facto, desde que Carlos Pimenta, em finais da década de 80, passou pela secretaria de Estado que o celebrizou, a política de ambiente em Portugal tem sofrido uma autêntica involução. De país à beira-mar plantado, o nosso país tem acordado para uma triste realidade: afinal, os problemas ecológicos são bastante graves e em vários indicadores de eficiência energética e ambiental apresentamos uma evolução catastrófica. Portugal continua a ser um país atrasado ao nível do saneamento básico – que se repercute na péssima qualidade dos rios e da água potável –; mantém uma triste novela de duas décadas para encontrar uma solução para os lixos industriais perigosos; desbarata energia sem produzir, sendo um dos países europeus com menor eficiência energética e não conseguindo inverter as crescentes emissões de dióxido de carbono e de outros gases poluentes; apresenta níveis de poluição atmosférica em zonas urbanas (sobretudo no ozono e partículas) que são autênticos atentados à saúde pública; e o estado de decrepitude da conservação da natureza atingiu níveis tão pungentes que as direcções das áreas (des)protegidas nem verbas já têm para pagar o telefone. Acresce a tudo isto, a incapacidade – ou, acredito mais, a inércia intencional – de conter a irracional urbanização que, a pretexto das finanças das autarquias e de negócios poucos claros (que, aliás, seria interessante os magistrados do Ministério Público demonstrarem maior empenho em deslindar) tem transformado a nossa paisagem rural e as cidades e vilas do país num amontoado disforme de prédios e construções, com efeitos nefastos no tráfego, na poluição, enfim, na qualidade de vida. Tem sido, valha-nos isso, a nossa integração na União Europeia, com as suas normas ambientais e a sua supervisão contra maiores desvarios, que nos tem salvado do Inferno, que no Purgatório já vivemos.
Num panorama deste quilate, os cenários futuros, para 2005 e anos seguintes, não são risonhos em todas as áreas da política ambiental: água, resíduos, ar, floresta, conservação da natureza, energia, urbanismo, etc.. Como a situação actual se apresta a essa «futurologia» – tanto mais que, em política de ambiente, a sensibilidade ideológica e dos potenciais titulares desta pasta são determinantes –, diria que uma eventual vitória do PSD daria mais do mesmo: ou seja, desastre. A alternativa – ou seja, a vitória do PS – teoricamente seria mais vantajosa: na verdade, nesse cenário, Portugal teria, pela primeira vez, um antigo ministro do Ambiente a liderar um Governo. Mas a «realpolitik» portuguesa já nos obrigou a deixar de ser ingénuos. Enquanto o Ambiente não for assumido como um pilar do desenvolvimento económico e social do país não esperemos milagres.
2/03/2005
Na segunda-feira passada, no jornal Público surgia uma notícia em que o presidente da autarquia de Aljezur se insurgia contra o facto de se ter autorizado o corte raso de uma área florestal em zona de Reserva Ecológica Nacional, «deixando montes e vales nus, expostos à erosão». E rematava: «O regime da REN constitui o maior atentado ecológico deste concelho».
Compreendo a posição deste autarca - que aliás parece-me ter uma posição de alguma sensatez e pertinência nos argumentos que usa -, pois a dualidade de critérios com que o regime da REN é a causa para os sucessivos ataques a este instrumento de planeamento e de defesa do ambiente.
Existe, de facto, algum radicalismo em algumas situações e, por outro lado, algumas cedências incompreensíveis ao regime da REN que fazem com que haja legitimamente uma sensaçao de injustiça. No caso em apreço, a Direcção Geral dos Recursos Florestais deveria ter condicionado o corte raso ou exigido medidas de minimização, porque de facto se o solo ficar nu aumentam os riscos de erosão e o objectivo da classificação daquela área é inconsequente.
Gostaria também de tecer algumas considerações sobre um crónico exemplo que repetidamente é referido pelos autarcas: a bendita casa de banho que não pode ser construída numa casa por estar dentro de REN.
Não sejamos ingénuos. A casa de banho tem apenas um sentido figurativo e, na realidade, o problema é complexo e tem um efeito mais abrangente. Se hoje fosse a casa de banho, amanhã seria o quarto do filho, a sala para as visitas e por ai fora. Tenho plena consciência que, em alguma zonas, poder-se-ia «sacrificar» áreas de REN, se houvessem salvaguardas bem regulamentadas.
Por exemplo, admitiria - como chegou a ser usado informalmente em algumas comissões de REN - um acrescento de uma habitação se pudesse fazer até uma percentagem da área original. Recordo-me que o usualmente aplicado era de 20%. Contudo, deveria ser obrigatório que essa habitação não pudesse ser vendida por um prazo de, pelo menos, 10 anos para evitar que se fizesse negócio com esta cedência.
Por outro lado, é bom recordar que ao evitar-se construção em áreas de REN é também uma medida de ordenamento e de economia. A dispersão habitacional acarreta - em muitos casos - um acréscimo dos custos de saneamento básico (pagos por todos). Dessa forma, deveria ser liminarmente proibido construções de habitações em áreas de REN onde nada existisse. No caso de equipamentos de apoio à agricultura, admito que se pudesse sacrificar áreas de REN, mas em casos especiais e convenientemente regulamentados. No entanto, as sanções pelo desrespeito do uso deveriam ser bastante pesadas.
No entanto, quero frisar que mesmo a actual lei da REN tem mecanismos de excepção que permitem ao Governo desanexar áreas por razões de economia regional e local. O grande problema é que quase nunca as desanexações que se pretendem têm essa bondade. São tão-somente um ardiloso esquema de construir em apetecíveis áreas naturais - vd. investimentos turísticos - com preços dos terrenos bastante baratos. E baratos porquê: exactamente porque os anteriores proprietários não poderiam lá construir. Por isso, digo: no dia em que modificarem as áreas da REN ou mutilarem os seus pressupostos haverá muita gente a enriquecer. A manutenção da REN é, por isso, também uma questão de elementar justiça.
2/02/2005
Tenho-me esquecido de referir aqui que o último «Expresso da Meia Noite», na SIC Notícias, foi uma viagem ao passado. Foi convidado um senhor, nem me lembro já o nome, que era engenheiro electrotécnico, a contestar tudo, contra todos, chamando embusteiros, falsificadores e o diabo a quatro (nem o Bush já consegue arranjar ninguém assim) aos que defendem existir um fenómeno chamado aquecimento global, provocado pelas emissões com efeito de estufa.
A culpa, coitado, não foi dele. Foi de quem o convidou. A SIC e o Expresso fizeram não um «Expresso da Meia Noite», mas sim uma «Carroça da Meia Noite», atrasada no tempo. Desaproveitando uma excelente oportunidade de discutir aquilo que tem sido feito - ou melhor, não feito - em Portugal para reduzir as emissões, melhorar a eficiência energética. Mas não: o programa ficou-se pelo senhor a brandir quixotescamente e os outros participantes (Francisco Ferreira, Nuno Ribeiro da Silva e Ricardo Moita), pasmados porque contra a ignorância pouco se pode fazer.
2/01/2005
O Instituto da Água (INAG) veio ontem desdramatizar a situação de seca em Portugal, dizendo que, exceptuando a barragem do Arade, a situação ainda não é preocupante. Olhando para os números apresentados pelo INAG, de facto até parece que não existe motivo de alarme. Só que existe um pequeno pormenor que se deve ter em conta e que altera, no caso de imporantes albufeiras, a verdadeira situação das suas disponibilidades hídricas.
Passo a explicar. Os valores em percentagem que o INAG apresenta são em referência à capacidade máxima de armazenamento - ou seja, em situação em que a albufeira está completamente cheia. Contudo, quase nunca toda a água de uma albufeira se encontra disponível. Existe aquilo que se denomina por «volume morto», que é o volume que está, regra geral, no nível inferior aos orgãos de descarga. Essa água - a menos que seja bombeada (com enormes custos energéticos) - está assim indisponível.
Pois bem, o «volume morto» de uma albufeira é bastante variável - por exemplo, na barragem de Alqueva, cerca de 25% da sua capacidade da sua capacidade máxima de armazenamento. Noutras barragens pode ser mesmo inferior a 5%.
Por isso, seria sempre mais adequado fazer os cálculos através da capacidade útil (capacidade máxima de armazenamento menos o volume morto). Fiz estes cálculos para algumas albufeiras e verificam-se diferenças significativas. Eis alguns casos (a negrito destaco aquelas que apresentam uma variação superior a 10 pontos percentuais):
Situação actual do Alqueva
74,4% se se considerar a capacidade máxima de armazenamento (CMA)
65% se se considerar a capacidade útil de armazenamento (CUA)
Situaçao actual de Montargil
77,9% se se considerar a capacidade máxima de armazenamento (CMA)
74,5% se se considerar a capacidade útil de armazenamento (CUA)
Situação actual do Maranhão
65,8% se se considerar a capacidade máxima de armazenamento (CMA)
61,1% se se considerar a capacidade útil de armazenamento (CUA)
Situação actual de SantaClara
70,8% se se considerar a capacidade máxima de armazenamento (CMA)
41,1% se se considerar a capacidade útil de armazenamento (CUA)
Situação actual da Aguieira
68,4% se se considerar a capacidade máxima de armazenamento (CMA)
38,2% se se considerar a capacidade útil de armazenamento (CUA)
Situação actual do Arade
12,9% se se considerar a capacidade máxima de armazenamento (CMA)
8,4% se se considerar a capacidade útil de armazenamento (CUA)
Portanto, se repararem, a situação muda um pouco de figura se se usar - como, na minha opinião, se deveria fazer - a capacidade útil de armazenamento. E seria bom também que o INAG fizesse projecções para as albufeiras que ainda nem começaram a usar água de forma mais intensiva (como são, por exemplo, os casos das barragens hidrogrícolas do Maranhão e Montargil)