Ontem foi mais um dia de foguetório energético. O Governo aproveitou a «inauguração» de uns pequenos equipamentos de produção de energia maremotriz (que nem é o primeiro a nível mundial) para anunciar que Portugal quer um «cluster» para a energia das ondas. A coisa daria para rir não fosse o caso de a generalidade da comunicação social «embarcar» (o que nem é despropositado, estando o mar em cenário) nesta pura jogada de marketing político e de alguns negócios à mistura. De facto, se outras coisas mais não houvesse, estamos a falr de um «parque de ondas» com uma potência de 2,25 mega-watts (MW).
O «mega» enche o ouvido, mas em electricidade 2,25 MW são coisas ridículas. Significa, com base na potência total existente em Portugal, um aumento «extraordinário» de cerca de 0,015%!!! Ou seja, não aquece nem arrefece. Mas para quem lê e vê o foguetório do Governo em matérias que se relacionam com energias renováveis, desconhecendo isto, pensa que estão a vender lebre, quando na verdade nem gato é.
Significa isto que defendo a irrelevância deste projecto? Claro que não, mas assusta-me este embandeirar em arco e a pressa em anunciar a criação de «uma sociedade semelhante à Parque Expo que permita agilizar todos os processos de licenciamento, através de um regime de excepção», de modo a «garantir os pontos de ligação das futuras centrais à rede eléctrica nacional», cujos custos «serão posteriormente repassados para o consumidor final».
Ora, é aqui que há negócio na cotsa - moscambilha, em linguagem informal. Tal como há dois anos sucedeu com o famigerado parque fotovoltaico no Alentejo - e acontece, em larga medida, com a energia eólica - estas coisas do «cluster» acabam por trazer mais vantagens para os grupos económicos do que para os consumidores. Ou seja, o Governo abre os braços aos investidores para que desenvolvam os seus negócios mesmo que do ponto de vista económico não sejam compensadores, porque há sempre o consumidor a pagar a factura sob a forma de tarifas mais elevadas ou do pagamento das infra-estruturas de ligação à rede eléctrica.
Em suma, o crescimento da energia renovável em Portugal tem estado a ser sustentado pelo consumidor final, mas não deveria assim ser. Algo está desvirtuado quando os recursos endógenos (sobretudo vento e sol, e agora mar) se tornam mais caros para o consumidor do que os recursos exógenos (carvão, gás natural e fuel). E se assim sucede é porque este Governo quis ter um crescimento artificial e rápido (insustentável economica e socialmente), porque oferece (à custa do consumidor) demasiadas benesses aos investidores. É um pouco como aconteceu com a Campanha do Trigo do Estado Novo: cultivou-se onde se devia e onde não se devia, porque havia garantia de compra a preços apetecíveis. O resultado sabe-se: deu a curto prazo, foi desastroso a médio e longo prazo.
O actual panorama nas energias renováveis leva a que, actualmente, os investidores não precisam de ter dinheiro: basta-lhes ter crédito bancário e os ganhos pelas receitas inflacionadas (à custa dos consumidores, repita-se) permitem-lhes pagar os juros e amortizações e ficar ainda com um bom lucro. Quando um Governo, por pressão dos consumidores, terminar com a «mama», veremos muitos cemitérios de parques eólicos, pois só sobreviverão aqueles que, na verdade, têm sustentabilidade económica e ambiental. Mas quem sair, deixando esses cemitérios, fez um excelente negócio...
Mas poder-se-ia dar até o caso de isto ser um «custo» a pagar pela necessidade de aumentarmos a produção eléctrica por energias renováveis. Porém, os números acabam por mostrar que estamos ainda muito longe de sermos um paraíso nas energias renováveis, por muito que o Governo diga o contrário, Olhando para as estatísticas da REN até Agosto de 2008 temos a seguinte situação neste ano em termos de origens da electricidade consumida:
- Renovável (hídrica, eólica e fotovoltaica) - 8.344 GWh - 24,9%
- Térmica (centrais a gás, carvão, co-geração, etc.) - 18.790 GWh - 56,2%
- Importação (proveniente sobretudo de centrais térmicas e nuclear) - 6.322 GWh - 18,9%
Em termos da proveniência (origem territorial) dos recursos temos então:
- Recursos endógenos - 8.344 GWh – 24,9%
- Recursos exógenos (importação de electricidade ou de combustíveis para a produção de electricidade) – 25.112 GWh – 75,1%
Donde resulta que apenas um quarto da electricidade que consumimos este ano é proveniente de recursos renováveis e endógenos – o que, convenhamos, está longe do paraíso «construído» por este Governo.*
Poderia escalpelizar ainda mais outros aspectos. Mas fico apenas por mais este: se compararmos os primeiros oitos meses de 2008 com período homólogo de 2007, verificaremos que em termos absolutos as centrais térmicas nacionais registam um acréscimo de 4% na produção, o que indicia que talvez pouco se alterou em termos de emissões de dióxido de carbono devida à produção de electricidade**.
* - Este valor será, obviamente, corrigido pelo Governo no âmbito daquilo que está estabelecido nos diplomas comunitários, porque haverá depois uma correcção feita com base no coeficiente de hidraulicidade, que mede se um ano é seco ou húmido. Como este ano civil está a ser mais seco do que o normal, haverá uma correcção para cima (sempre artificial, portanto). Por isso, não se admirem se o Governo vier, no final do ano, anunciar que produzimos mais de 50% da electricidade por via renovável não acreditem. A realidade é, por uma directiva comunitária, susceptível de ser deturpada.
** - É provável até que tenha ocorrido uma ligeira diminuição das emissões, mesmo se aumentou a produção eléctrica por via térmica, pois noto, na página da REN, que as centrais térmicas do Carregado e da Tapada do Outeiro (a gás natural) produziram em 2008 muito mais do que as centrais de Sines e do Pego (a carvão), ao contrário do sucedido em 2007. As centrais a gás natural emitem, por GWh, um pouco menos que as de carvão, por isso, admito que terá até ocorrido uma ligeira diminuição, embora não retire aquilo que é um paradoxo nacional: grande aposta nas renováveis mas sem impacte nas produção por via de energias não renováveis.