10/31/2006

Ignorância blasfémica

João Miranda - que não faço a mínima ideia de quem seja nem o que faz - escreve no Blasfémias, um dos mais populares blogs nacionais, onde também participam duas pessoas que conheço bem (João Gabriel Silva e mais recentemente a Helena Matos). João Miranda escreve bem, no sentido de que expõe as suas ideias com desenvoltura. João Miranda, pelo que por vezes leio, assume-se como um liberal, no sentido economicista do termo. João Miranda também gosta de escrever sobre ambiente. Mas sobre esta temática, Joao Miranda escolhe sempre uma visão «fracturante», caricaturando os seus supostos «adversários», negando tudo, mesmo as evidências. atacando todos, chamando-lhes alarmistas, fundamentalistas e outras coisas que tais.

Hoje, João Miranda «atira-se» aos jornais que divulgaram com destaque o Relatório Stern, que parece ele não ter também lido. E tem depois uma pérola neste post. Escreve ele que «para se chegar a um relatório sobre os impactos económicos das emissões do CO2 é necessário», entre outras coisas, «estimar o impacto no clima de todos os factores naturais e antropogénicos (gases de estufa, uso da terra, radiação solar directa, raios cósmicos, aerosois naturais e de origem antropogénica, efeitos de feedback positivos e negativos etc)». Até aqui tudo bem, mas esborra a pintura - estatela-se mesmo ao comprido - quando acrescenta que «é sobre isto que é suposto haver consenso, mas pelos vistos há quem discorde», adiantando mesmo, mais à frente, que «actualmente a comunidade científica ainda discute se [aquela premissa] está correcta».

Antes de ler isto, pensava que era por tique liberalista que João Miranda escrevia disparates sobre temas ambientais. Agora penso que é por pura ignorância.
Facto inédito

Três dos principais diários portugueses - Público, Diário de Notícias e Jornal de Notícias - com manchetes sobre o Relatório Stern relativo ao aquecimento global em que aponta Portugal como um dos países mais afectados da Europa. É talvez inédito na imprensa portuguesa e, por isso, merece nota de relevo.
Contudo, não deixa de ser curioso que grande parte dos efeitos apontados pelo Relatório Stern já são há muito conhecidos em Portugal, designadamente ao nível dos estudos do SIAM (coordenado pelo Prof. Filipe Duarte Santos), não tendo tido uma cobertura mediática sequer comparável. A única «novidade» deste relatório é ter sido coordenado por um economista que trabalhou no Banco Mundial - e portanto insuspeito de ser ambientalista - e de comparar os efeitos económicos relacionados com as alterações climáticas à depressão económica decorrente de uma guerra mundial. Não é pouco, claro. Mas mostra um pouco que o alarme (desde que não seja alarmista no sentido depreciativo do termo) e as notícias que vêm de fora têm sempre mais impacte do que o que é feito (e sabido) cá em Portugal.
Ai o nosso rico dinheirinho!

Ontem, segunda-feira, fiquei muito satisfeito ao ver a manchete do Correio da Manhã abordar e aprofundar alguns dos aspectos que tinha referido neste meu post de domingo. Ou seja, que mais do que a questão das ligações perigosas entre a empresa que fez o estudo das SCUT e um assessor do Governo, aquilo que mais estava em causa era a forma como, por dá cá esta palha, se encomendam estudos a entidades exteriores quando as entidades públicas detêm os dados e técnicos.

A notícia do Correio da Manhã - que surpreendentemente «arrisca-se» a ser o melhor diário nacional em termos de investigação - também explora muito bem a questão das verbas que estão previstas em Orçamento de Estado para o próximo ano nos diversos ministérios. E aqui surge à cabeça o «minguado» Ministério do Ambiente. Aquele mesmo que não tem dinheiro sequer para pagar contas de telefone em algumas áreas protegidas, mas dispõe de mais de 25 milhões de euros (!!!!) para estudos de não sei bem o quê nem para quê. Aliás, o Ministério do Ambiente parece aquele aluno que adora estuda não para aprender e depois executar, mas sim porque estudando e mais estudando desculpa-se da falta de vontade em trabalhar.

10/30/2006

Um livro de oferta para comemorar

Coloquei o Sitemeter uns meses após a criação do Estrago da Nação em Janeiro de 2004, pelo que desconheço ao certo o número total de visitantes. Porém, para efeitos «históricos», eis que o contador se apresta para chegar às 100.000 visitas (na altura em que escrevo contabiliza 99.864, e neste momento poderá consultar aqui).

Deste modo, para comemorar, estou disposto a oferecer um exemplar do meu livro «Portugal: O Vermelho e o Negro» ao visitante 100.000, desde que me contacte via e-mail (estragodanacao@clix.pt, ou clicar aqui ao lado em CORREIO), fornecendo-me os dados suficientes para eu comprovar tal «façanha» (isto inclui hora aproximada da visita e local de acesso, de modo a eu puder «checkar» através do Sitemeter).

Como, obviamente, poderá acontecer que o visitante 100.000 esteja desatento (ou não queira aceitar a oferta), o livro será endereçado ao visitante que mais se aproximar desta fasquia até ao limite da 100.010ª visita. Deste modo, aqueles que estiverem dentro deste intervalo devem enviar-me também por e-mail, com as mesmas referências para eu puder confirmar.

Nota: Claro que os portes de correio serão por minha conta, depois do vencedor me indicar o endereço postal.

10/29/2006

Nós pagamos tudo, claro... e caro

A manchete do semanário Sol sobre a abjudicação, por ajuste directo, de dois estudos sobre as auto-estradas sem portagem à antiga empresa de um adjunto do secretário de Estado das Obras Públicas não é apenas grave pelo eventual tráfico de influências.

Na verdade, mesmo que tudo tivesse sido feito por total transparência, dever-se-ia questionar as razões de se encomendar os estudos a uma empresa externa, quando a Estradas de Portugal - empresa pública - tem certamente técnicos qualificados ou suficientes para essa tarefa. Pode o Governo alegar que um estudo feito por uma entidade exterior garante uma maior independência. Mentira! Não é o hábito que faz o monge. Um estudo mostra a sua independência no conteúdo e no rigor. E mais ainda: se um estudo é encomendado por ajuste directo (sabe-se lá as razões...) é legítimo pensar que «condiciona» à partida as conclusões finais; neste caso, a manifesta intenção do Governo em acabar com a maioria das SCUT.

Por fim, chocam-me os montantes que estão em causa. Os dois estudos atingiram valores de 275 mil euros, o que é um perfeito exagero. Fui dar uma vista de olhos aos relatórios sobre os tempos de percurso entre as SCUT e as alternativas, e basicamente a esmagadora maioria da informação foi prestada pela Estradas de Portugal, a que se somaram uns «passeios» de automóvel em quatro dias da semana, mais umas quantas contas simples, uns factores de correcção e ponto final. Na parte que diz respeito ao poder de compra, não me parece também se se demore muito tempo em contas e a informação é detida pelo INE. Ou seja, muito dinheiro e não havia necessidade de os contribuintes estarem a pagar um estudo que deveria ter sido feito por entidades públicas. E sem ligações perigosas...

10/27/2006

A culpa celibatária

Jorge Coelho, ministro das Obras Públicas no segundo Governo Guterres demitiu-se, como se sabe, em Março de 2001 a seguir à queda da ponte de Entre-os-Rios. A decisão política foi louvada, mas na verdade era o mínimo que poderia então fazer. Do ponto de vista político, ele era um dos responsáveis por ter tornado possível uma ponte num país dito desenvido cair no século XXI por falta de inspecções que evitasse o colapso durante um caudal mais forte (mas não anormal) do que o habitual num rio. Os louvores à atitude de Jorge Coelho - que não foram assumidos por outros seus colegas do Governo, com similares responsabilidades políticas - não deveriam um apagar das suas responsabilidades como uma das caras desse ser abstracto chamado Estado.

Mas, estamos em Portugal, claro. E como se viu, sentaram-se no banco dos réus, as pessoas erradas, porque não eram as caras que representam o Estado. Por isso, foram absolvidas. Agora, surgiu Jorge Coelho com uma capa de dignidade a mostrar-se surpreendido e lastimado com o fim deste processo judicial, afirmando mesmo que «não é possível que 59 pessoas tenham morrido a atravessar um equipamento cuja manutenção é da responsabilidade do Estado e, feita a investigação, ninguém seja responsabilizado». Enfim, Jorge Coelho deve estar, no íntimo, a pensar para os seus botões: ainda bem, neste caso, que a culpa morreu solteira....

10/26/2006

E os impostos vão diminuir?

O princípio do utilizador-pagador para custear um sistema pré-existente é todo muito bonito, mas apenas quando, após a sua aplicação, o princípio do contribuidor-pagador, que o suportava anteriormente, se modifica - a favor do contribuinte, claro.

Por isso, o mais engraçado nesta discussão das SCUT (e de tudo o que seja despesa do Estado que este Governo quer endossar para o consumidor) é que ninguém questiona o Governo sobre se os impostos vão diminuir. É que diminuindo as despesas do Estado - as poupanças vêm apenas do lado da redução das despesas -, não existe justificação plausível para que as receitas do Estado (ou seja, os impostos que pagamos que, por exemplo, iam para suportar as despesas das SCUT) mantenham os mesmos níveis.

Se se mantiverem, quem andar a partir de agora nas SCUT paga então o dobro: como contribuinte e como utilizador. E quem não andar nas SCUT não se livra de continuar a pagar como contribuinte.

10/25/2006

O ambiente na imprensa, hoje n'a Dois

Hoje, na RTP 2 (ou n'a Dois), a partir das 23:30 horas, o programa «Clube de Jornalista» será dedicado às abordagens dos assuntos de ambiente na imprensa portuguesa. Estarei presente nesse debate (aliás, na verdade, já estive... foi gravado), na companhia da Luísa Schmidt (Expresso) e do Ricardo Garcia (Público). O debate conta também com depoimentos de Carlos Pimenta e Eugénio Sequeira.
Vindo do Governo, não me admira... mas do IKEA, já é outra história

Na segunda metade do século XVIII, o Marquês de Pombal conseguiu expulsar os jesuítas de Portugal e procurou, durante anos, que os outros países europeus o seguissem na medida. O então embaixador francês escreveu mesmo que o dito Sebastião José até entregaria uma província portuguesa a Espanha se aquele país também «extirpasse» a Companhia de Jesus. E conseguiu... pagando até subornos ao papa.

Dois século depois, noutro contexto, a obsessão do Governo em atrair investimento estrangeiro leva a que não olhe a meios, nem a soberanias, nem a direito nem a moral. Ele seria até capaz de vender as nossas avós e os periquitos, gaiolas incluídas, para atingir os seus objectivos. Por isso, não me admira que o Governo ofereça, desta feita, uma zona de Reserva Ecológica Nacional, com sobreiros (não há muitos naquela região), para o IKEA construir uma fábrica em Paços de Ferreira, mesmo havendo alternativas (por certo um bocadito mais caras em termos de preço dos terrrenos) noutras zonas.

Na verdade, o que já me admira neste processo é que a multinacional IKEA, que se arroga de empresa com preocupações ambientais, aceite este presente. E que mostre, assim, que talvez não construisse a fábrica em Portugal se o Governo não permitisse edificar em Reserva Ecológica Nacional.

Perante isto, como pequeno consumidor, IKEA está riscada do mapa, por falta de coerência e por publicidade enganosa. A uma empresa que usa o ambiente como marketing exige-se que seja como a mulher de César.
Diabruras e desprimores

Deliciosa a leitura do caso exposto num parecer, ontem inserido na página da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, sobre um recurso de uma junta de freguesia do Porto à recusa do Jornal de Notícias à publicação de um texto de direito de resposta por este incluir a palavra «diabruras». Será diabruras uma «expressão desprimorosa», como defendia a direcção do JN? Saiba aqui, na Deliberação 30-R/2006, qual foi a decisão da ERC, que meteu ao barulho os dicionários da Lello & Irmãos , de 1980, e o da Academia das Ciências de Lisboa, de 2001...
Uma questão de justiça

Por lapso, ontem tinha-me faltado referir este bom artigo da Rita Carvalho, no Diário de Notícias, que releva a redução de 50% do orçamento do Instituto de Conservação da Natureza entre 2002 e 2007, tendo passado de 55 milhões para 28 milhões.

Acrescento, porém, que a redução ainda será maior a preços reais, se considerarmos a taxa de inflação. Mas, em todo o caso, contas feitas - e tendo em consideração que o ICN «gere» áreas protegidas e Rede Natura; portanto, 1/5 do território nacional -, no próximo ano pingará cerca de 15 euros (3 contos na moeda antiga) por cada hectare de área sujeita a intervenções de conservação da Natureza em Portugal durante todos os 365 dias. Uma esmola, portanto. Obrigado, engenheiro José Sócrates - o que seria da conservação da Natureza em Portugal se o senhor, sendo agora primeiro-ministro, não tivesse imbuído de uma extraordinária sensibilidade ambiental por já ter tutelado este sector.

10/24/2006

Quem com ferros mata, com ferros morre... (com adenda)

... ou como o João Morgado Fernandes se mostra aqui um paladino da defesa da sua honra na blogosfera, mas no seu papel de director-adjunto do Diário de Notícias se comporta de forma completamente diferente. Ou seja, ele critica Pacheco Pereira por o autor do Abrupto não lhe permitir a defesa da honra de jornalista, mas fora da blogosfera, como director-adjunto do Diário de Notícias, recusou-me a defesa da minha credibilidade jornalística. Enfim, incoerências. Talvez lhe faça bem saborear esta amargura, mesmo se a posição de Pacheco Pereira (de lhe recusar a defesa) seja, sempre, criticável.

Nota 1: O título deste post também poderia ser: quem semeia textos opinativos sem estudar a matéria colhe tempestades.

Nota 2: Depois deste post, JMF no seu French Kissin' (ver aqui), vitimiza-se. E eu fico compungido do seu sofrimento. Escreve ele que na última semana já o insultaram por três vezes - chamando-lhe Luís Delgado, Daniel Oliveira e Duarte Moral - supostamente, segundo ele, devido «à falta de melhores argumentos» para o atacarem. Admito que em relação ao Duarte Moral, fiz uma referência neste post. Mas longe de mim, primeiro, de considerar isso como um insulto (sobretudo ao Duarte Moral, que é assessor de imprensa e que, portanto para a sua função, tem feito o trabalho que deve fazer). O que escrevi, para que conste, foi que JMF com os seus argumentos em matéria de fogos «ainda vai tirar o lugar ao seu ex-colega Duarte Moral». Nada mais disse do que isso. Quanto à minha falta de argumentos, enfim, é escusado relembrar o que fui escrevendo ao longo dos últimos meses, numa tentativa (parece que frustrada) de ver se JMF acabava por admitir a sua evidente ignorância... e se calava. Aliás, chamar-lhe ignorante (nestas matérias) não é um insulto; é apenas um qualificativo daquilo que ele é.

Desconfio que me andam a ler o livro...

Olhem, afinal parece que o meu livro dos incêndios está a servir para alguma coisa. Segundo o Jornal de Notícias de ontem, o «Governo quer controlar verbas e serviços feitos por bombeiros». Não deixa de ser curioso um aspecto na notícia: se o Governo quer controlar, significa que não controlava. Era o que eu desconfiava; ou melhor, tinha fortes suspietas; ou melhor ainda, tinha certeza.

Nota: E por falar em bombeiros, quando é que eles param de se zangar uns com os outros - como em menos de um mês aconteceu em Matosinhos e agora em Braga?

Acabem com a conservação da Natureza, se faz favor...

Portugal tem cerca de 8% do seu território classificado como áreas protegidas, a que acresce mais 12% se considerarmos o estatuto comunitário de sítio da Rede Natura. Ou seja, um quinto do país deveria beneficiar de investimentos que os distinguissem das outras áreas. Esses investimentos deveriam ser feitos em conservação da Natureza, nas suas diversas valências: biodiversidade, paisagem e população local. Sem apostas integradas e credíveis nestes três vectores não faz sentido exitirem áreas protegidas, parece algo de bom senso.

Gerir e conservar bem as áreas protegidas - ao contrário do que pensam, na sua ignorância, os detractores na aposta em investimentos de conservação da natureza -, tem enormes vantagens económicas, porque um país sem preocupações em biodiversidade, perde a sua paisagem, perde mesmo o seu interesse turístico. E eu já nem me queria referir o aspecto integeracional. Porém, nada disto se tem visto nos últimos anos em Portugal; diria mesmo nas últimas duas décadas.

Actualmente, as áreas protegidas não apenas estão ao abandono. São mais maltratadas do que as restantes áreas do país não protegidas - e estou a falar das pessoas ou daquilo que interessa às pessoas. Se não vejamos. Onde há mais atrasos no saneamento básico? Onde se bebe a pior água canalizada? Onde faltam mais escolas? Onde há mais falta de médicos? Onde há mais falta de actividades culturais? Onde a economia está mais depauperada? E, helas, onde são mais frequentes os incêndios florestais? Vejam e hão-de reparar que onde há menos de tudo isto é nas localidades situadas nas áreas protegidas.

E, claro, neste aspecto, os sucessivos Governos têm sido coerentes. Se não apoiam as populações humanas, seria criminoso apoiar os animais. De forma muito democrática, não apoiam nenhuns.

Por isso, já não me surpreende que o Orçamento para o próximo ano do Instituto de Conservação da Natureza diminua ainda 18% em relação a 2006. Por mim, reduzia-se 100%. Desse modo, acabava a palhaçada da pseudo-conversação da Natureza e o Governo português ,liderado por um antigo ministro do Ambiente, assumia claramente que se está borrifando para a conservação da Natureza, para a biodiversidade, para a paisagem, para as pessoas que ali vivem (e pela ordem inversa do que aqui escrito...).

10/22/2006

As nuances da electricidade

Na minha opinião, continua sem ser bem explicada, pela generalidade da comunicação social, as verdadeiras razões dos preços da electricidade dispararem este ano. Na verdade, o que está em causa não é bem a revogação de um diploma que impedia que a evolução do preço da electricidade ultrapassasse a taxa de inflação, decorrente da liberalização do sector eléctrico. Ou melhor, as coisas estão relacionadas, embora o que efectivamente aconteceu é que o Estado (ou seja, o dinheiro dos contribuintes) deixou de financiar a produção de electricidade. E, portanto, antes era o contribuinte a financiar os preços baixos; agora é o consumidor a pagar os preços. Parece confuso, não é?

No entanto, é de uma grande simplicidade - e eu ainda vou tentar simplificar mais. Até ao ano passado, as centrais de produção termoeléctrica funcionavam como uma espécie de padaria em que o Estado assegurava a matéria-prima. Ou seja, o Estado assumia as flutuações dos preços dos combustíveis primários, pelo que as empresas acabavam apenas por receber uma margem de lucro pela transformação de combustível primário em electricidade. Significava isso que o Estado é que estava a arcar com os aumentos do petróleo (e do resto dos combustíveis, por tabela), mas isso não era reflectido nos preços ao consumidor.

Ora, como esses contratos expiraram, as empresas têm agora que incorporar os custos
directamente aos consumidores, já que o Estado deixou de lhes dar a «almofada» para suportar os custos dos combustíveis. Daí que o aumento directo de cerca de 15% proposto pela ERSE. Ou seja, o Estado poupa dinheiro, mas os consumidores gastam mais dinheiro. Até aqui tudo justo, mas fica a questão pertinente: para onde irá agora o dinheiro que o Estado recebia antes dos contribuintes para que a electricidade não aumentasse?

10/19/2006

E ele, com mais um beijo, volta a atacar... (com adenda)

A ignorância não tem limites, mas em casos concretos pode ter uma cara. O João Morgado Fernandes que há um par de anos confessava que «nada percebo de política florestal, muito menos de combate a fogos», lançou-se este ano a dizer, militantemente, disparates sobre estas matérias. Insiste e volta a insistir nas suas peregrinas teses, diz e desdiz-se, mete os pés pelas mãos e a cabeça pelo umbigo, não olha para o ridículo das suas opiniões. Ele consegue ser até mais exultante do que o ministro António Costa e o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. Ainda vai tirar o lugar ao seu ex-colega Duarte Moral.

Nem a sua viagem a Nova Iorque lhe fez cessar as estultas dissertações. Regressado às terras lusas, ataca de novo, com este post de ontem. É mais um must. Parece que ele agora ficou surpreendido por Viana do Castelo ser dos distritos que mais arde(u) em Portugal, embora seja das regiões menos secas (ou mais húmidas, como se queira) no Verão. Mas, pronto, ele também confessa que não sabe fazer contas. Mas mesmo esta sua carência não justifica que a sua cabecinha jamais consiga enxergar que exactamente por situações como as de Viana do Castelo (e também Braga e Évora), o Governo não pode estar de parabéns. Se o distrito de Viana do Castelo foi «lavrado» pelas chamas em 48% do seu território entre 2000 e 2006 (o que dá 8% ao ano, 16 vezes superior à taxa de deflorestação da Amazónia), somente por inépcia poderia arder, como ardeu, mais 7% no presente ano, mesmo chovendo o que choveu. Imaginemos, portanto, o que seria se não chovesse.

De resto, já nem me vou dar ao trabalho de lhe tentar explicar pela enésima vez como os mais de 900 mil hectares que destruíram as zonas de maior risco entre 2003 e 2005, bem como a precipitação intercalada e intensa que marcou este Verão, tiveram um efeito condicionador da formação de incêndios de grandes dimensões. Nem por que motivo o Alentejo, mesmo sendo mais quente e seco, arde menos do que a generalidade das regiões (embora a tendência de agravamento seja preocupanente). Somente lamento ter-lhe oferecido o livro que escrevi, pois parece que, além de não saber fazer contas, ele também não gosta de ler.

Nota 1: Além disso, João Morgado Fernandes parece que leu uma edição diferente do Público. Não consegui encontrar nenhuma parte do artigo de opinião do eng. José Pinto Casquilho em que expressamente dê os parabéns ao Governo. A única referência ao Governo apenas se encontra nesta frase: «Baixando drasticamente as áreas ardidas por ano, reconvertendo interesses e mentalidades na perspectiva do bem comum - o que aliás me parece ser o eixo do conjunto de medidas que o Governo tem estado a anunciar neste domínio -, consegue-se automaticamente aumentar muito o sequestro de carbono e assim compensar parte do excesso das emissões, nalguns milhões de toneladas de carbono por ano, de acordo com os meus cálculos». Interpretar que esta frase significa dar os parabéns ao Governo, é algo um bocadinho enviesado. Mas, enfim...
Nota 2: Cometi um lapso quando procurava o texto do eng. José Pinto Casquilho e, de facto, quem leu a edição errada do Público fui eu, pelo que a nota 1, que escrevi, não faz sentido. A citação que coloquei foi de um artigo do mesmo autor publicado no dia 16 de Agosto, e esse engano deve-se ao facto de ter acesso a todas as edições e ter feito a pesquisa pelo nome e veio-me logo aquele texto. E, portanto, não li o texto do dia 17 de Outubro onde ele escreve que «Está o Governo - e todos os agentes de boa vontade, do terreno e dos gabinetes - de parabéns, com o esforço e o resultado, ajudado pela bondade das chuvas de Agosto» (e eu acrescentaria de Julho e de Setembro). O artigo comete, porém, um erro, na minha perspectiva: faz uma análise muito simplificada em termos estatísticos não considerando que a floresta e os matos não são nenhuma fénix renascida. Ou seja, o que ardeu nos últimos 3-4 anos não poderia arder este ano e funcionava como tampão à progressão dos incêndios.
Nota 3: Isto não invalida que mantenha absolutamente tudo o que escrevi no post propriamente dito.

10/18/2006

Os novelos das poupanças

Nem por acaso, as duas primeiras notícias que surgem neste preciso momento no Público Online destacam supostas poupanças do Estado. A primeira intitiula-se «Mário Lino: as portagens em três Scut poupam ao Estado cem milhões por ano»; a segunda «Estado poupou 36 milhões de euros em medicamentos entre Janeiro e Setembro».

Um rápido raciocínio pode levar a supor que, poupando o Estado esse dinheiro, que os contribuintes beneficiam imediata e directamente. Mas, na verdade, essa poupança acaba por não ser evidente: no primeiro caso, serão os os utilizadores das Scuts que pagam aquilo que o Estado passará a poupar; no segundo, a poupança derivada do acréscimo do uso dos genéricos (mais baratos) acaba por ser compensado pelo aumento do preço dos não genéricos, pelo que o Estado poupa, mas alguém terá de pagar esse valor às farmacêuticas.

A questão essencial não é, porém, a justeza em que os serviços sejam pagos por quem os utiliza - e no actual modelo económico caminha-se a passos largos para a plenitude do consumidor-pagador. Mas se assim é, não é pertinente questionar se eu deverei pagar os mesmos impostos que pagava antes destas «poupanças» do Governo se não uso as Scuts nem compro medicamentos?

10/17/2006

Os perigos do triunfalismo

Já aqui referi que, apesar de muitos bombeiros voluntários me verem como um diabo (nem imaginam o teor de alguns emails que me chegam), tenho a melhor das opiniões sobre o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Duarte Caldeira. Mais uma vez concordo, quase na sua totalidade, com as suas recentes declarações contra os «triunfalismos» do ministro António Costa em relação à área ardida este ano.

De facto, os Grupos de Primeira Intervenção da GNR terão contribuído, por certo, para uma melhoria na eficácia da extinção nos fogos nascentes, embora a pouca credibilidade nas estatísticas dos fogachos não permitam uma avaliação muito rigorosa. Porém, o maior problema nos incêndios em Portugal nunca foi tanto a primeira intervenção (cujos índices sempre foram melhores do que em Espanha, apesar do país vizinho ter áreas ardidas de menor dimensão). O problema está nos fogos que, não sendo extintos numa fase inicial (e é utópico julgar possível ter taxas de 100%), continuam a arder tornando-se gigantescos. Mesmo num ano «calmo» como o de 2006 existirem 25 incêndios com mais de 500 hectares é muito. Diria mais: é perigosíssimo, tendo em conta o factor cíclico dos incêndios. Por outro lado, como já referi, a taxa de incêndios (mais de um hectare) que superaram os 100 hectares é superior à generalidade dos anos da última década (com excepção dos «anormais» anos de 2003 e 2005), o que é demonstrativo das deficiências estruturais no combate estendido.

Não perceber isto - e o ministro António Costa parece não querer perceber - e privilegiar apenas a primeira intervenção é meio caminho andado para perpetuar o drama dos incêndios. E neste cenário, o que não ardeu este ano, por ajuda do São Pedro, irá acrescer ao que arderá nos próximos anos. O fogo não dorme, apenas descansa...
Ora, tomem lá...

Protestar, enfim um direito que a liberdade democrática nos concede, tem apesar de tudo alguns riscos. Por regra, o poder não gosta. Daí que se sofra represálias, mais ou menos sublimes. Ou seja, para exercer um direito de cidadania tem de existir algum espírito de sacrifício.

Daí que o presidente da autarquia do Porto tenha «ajudado» os «protestantes» contra a entrega do Rivoli a uma gestão privada e, vai daí, corta-lhes a luz e mete o ar condicionado na temperatura mínima. E não se queixem. Se isto faz escola, prevê-se que, proximamente, depois da chegada a casa vindo de uma qualquer manifestação contra o Governo, os «protestantes» serão presenteados com cortes na electricidade, água, gás e telefone...

10/14/2006

Elogio da loucura segundo Pinho

Manuel Pinho, ministro da Economia, quer que sejamos felizes. E por isso, certamente, segue a máxima de Sofócles: quanto maior for a sabedoria, menos feliz a vida. Durante anos, tive a vã esperança de ser feliz sendo sabedor. Acho agora que tenho mais hipóteses, mesmo que remotas, em ser sabedor. A menos que para ser feliz me veja obrigado a ser estulto (Erasmo explica isso bem no Elogio da Loucura), como Manuel Pinho pretende que eu e todos sejamos.

Isto vem a propósito do anúncio, na semana que passou, do fim da crise, anunciada pelo nosso optimista governante, que acenou com «dados» económicos, onde se destacava a subida das exportações - tanto assim que, ele, insistia em referir sermos o terceiro país comunitário com maior crescimento ao longo deste ano (percentual, diga-se).

Apenas quem não conhece as «manhas» da estatísticas pode acreditar que estamos perante qualquer evidente recuperação económica. Pelo contrário, a tendência de desequilíbrio da balança comercial agravou-se e permitem evidenciar perdas de produtividade. De facto, apenas não conhecendo - e analisando com algum detalhe - os dados económicos dos primeiros sete meses deste ano se poderá acreditar no ministro. E ficar satisfeito. Mas infelizmente, as loas de Manuel Pinho são apenas isso: loas e ainda por cima parolas - lérias, em vulgata. Com efeito, vejamos o que está, por exemplo, por detrás de um aumento de 32,1% nas exportações portuguesas nos primeiros sete meses do ano.

Primeiro verifica-se que uma parte considerável das exportações nos primeiros sete meses deste ano deveu-se aos combustíveis: Portugal exportou 1.067 milhões de euros, quase o dobro do período homólogo do ano anterior. Mas o «problema» é que este aumento deveu-se quase em exclusivo ao crescimento substancial das importações de produtos petrolíferos primários (que passaram de 2.439 milhões de euros para 3.509 milhões). Ou seja, Portugal além de consumir mais combustíveis, serve agora como simples «plataforma» de transformação de petróleo nos seus diferentes derivados. Ganha-se alguma coisa com isto? É certo que sim, mas quase apenas as refinarias. E um país não se desenvolve quando um monopólio (como é o da refinaria) concentra uma fatia considerável das exportações.

Mas o mais curioso é que o aumento da produção de produtos refinados - que permitiu uma quase duplicação das exportações de combustíveis no período em análise - não significou que Portugal deixou de importar menos produtos refinados. Pelo contrário, o valor das importações no segmento produtos transformados (gasolinas e gasóleo, entre outros) foi 279 milhões de euros superior às exportações durante os primeiros sete meses deste ano.

Além disto, a categoria económica dos combustíveis e lubrificantes foi a que registou uma variação da balança comercial mais desfavorável: era negativa em 3.040 mihões de euros nos primeiros sete meses de 2005; atingiu os 3.787 milhões nos primeiros sete meses de 2006! Portanto, estamos perante um evidente caso de dumping ambiental. Aliás, veremos quanto aumentarão as emissões de emissões de dióxido de carbono apenas por esta via...

De resto, em termos económicos para os sete primeiros meses de 2006, não existe qualquer categoria relevante em que a balança comercial seja favorável às exportações - é claramente desfavorável -, como se pode verificar na lista abaixo, fazendo umas simples contas com os dados do INE:

Produtos alimentares e bebidas - saldo negativo de 1.654 MEuros
Fornecimentos industriais - saldo negativo de 1.874
MEuros
Combustíveis e lubrificantes - saldo negativo de 3.787 MEuros
Máquinas e outros bens comerciais - saldo negativo de 2.508 MEuros
Material de transporte e acessórios - saldo negativo de 426 Meuros
Bens de consumo - saldo negativo de 105 Meuros

Além disso, comparando os dois períodos em análise, a balança comercial na categoria produtos alimentares e bebidas, bem como de combustíveis e lubrificantes, registou mesmo um agravamento significativo em termos absolutos. Por outro lado, os dados do INE indiciam uma estagnação na produção agrícola e também na produção automóvel nacional, um dos sectores mais importantes da indústria portuguesa. Aliás, nesta última categoria, a balança comercial somente não foi mais desfavorável neste ano porque se verificou uma acentuada retracção na importação na categoria material de transporte e acessórios, que registou uma quebra de 324 milhões de euros (embora afectando sobretudo material de transporte que não de automóveis de passageiros).

Por tudo isto, ou o ministro da Economia anda a brincar connosco ou então está mesmo convencido de que a crise económica acabou. Se estiveramos perante a primeira hipótese, é lamentável, pois está a gozar-nos; se for a segunda hipótese, está então no sítio errado, por incompetência, e deveria ser demitido, obviamente.

10/13/2006

Depois queixem-se da perda de leitores

Na edição de Lisboa do Público de hoje surge uma noticia que é reveladora do actual estado do jornalismo: aguarda-se que a informação caia no regaço do(a) jornalista e não se faz qualquer análise crítica. Transmite-se simplesmente a informação. Todos parecem ficar assim satisfeitos: as fontes, geralmente oficiais , por canalizarem tudo o que lhes interessa, o jornal por rapidamente «produzir» uma notícia. Quem perde é, obviamente, o leitor.

A notícia a que me refiro - intitulada «Área ardida baixa 84 por cento no distrito de Santarém», da autoria do jornalista Jorge Talixa - aproveita uma conferência de imprensa do governador civil de Santarém que destaca esta redução quando se compara a área queimada este ano (cerca de 3.280 hectares) com a média dos seis anos anteriores. Claro que aproveitou isto para dizer que «estou convencido que o reforço quantitativo e qualitativo de meios que conseguimos organizar não será alheio a esta redução da área ardida».

Ora, mas uma pequena análise daquele período, mostraria que essa descida deve-se sobretudo ao simples facto de em 2003 e 2005 ter ardido, respectivamente, 66.929 e 28.871 hectares - ou seja, valores escandalosamente anormais. Porque se se excluir esses dois anos (2003 e 2005), a média anual da última década é de 3.988 hectares - ou seja, pouco superior ao valor deste ano.
Aliás, pegando na última década de meia (15 anos), o ano de 2006 foi apenas o 6º melhor. Por isso, nada de extraordinário. Em suma, com um pouco de trabalho, chegar-se-ia à conclusão de que se estava perante um embuste: a melhoria propalada pelo governador civil de Santarém era fruto das degraças de 2003 e 2005, que foram responsáveis por 83% da área queimada neste distrito no período 2000-2005!

Sinceramente, gostaria de ver na imprensa - e provavelmente não serei o único (ou sou?) - uma análise mais exaustiva sobre este ano de incêndios, cuja «máquina governamental» conseguiu «transformar» num sucesso. Os valores com que este ano deverá terminar (um pouco acima dos 80 mil hectares) será o dobro daquilo que o então Governo de António Guterres em 1999 prometeu que teríamos em média por ano durante o período de 2003-2008 (para mais esclarecimentos, ver aqui). A área ardida este ano está acima daquilo que se considera admissível para tornar a floresta sustentável. E, mais grave do que isso, apesar de o desempenho de alguns distritos ter dado indicações de melhoria evidente (casos sobretudo de Castelo Branco e Guarda), noutros a situação foi péssima (casos de Viana do Castelo, Évora e Braga) ou sofrível (casos de Aveiro e Leiria), mesmo quando comparamos com os anos de 2003 e 2005

Aqui em baixo, para uma melhor percepção do que destaco, coloco, por distrito, a área ardida neste ano e a respectiva classificação tendo em conta os últimos 10 anos (1997-2006). Ver-se-á que mantêm-se os motivos para recear o futuro.

Aveiro - 2.312 hectares (4º pior ano)
Braga - 9.925 hectares (3º) este valor é substancialmente superior à média 1996-2005 (cerca de 5.600 hectares por ano)
Lisboa - 684 hectares (10º)
Porto - 6.096 hectares (6º)
Beja - 1.240 hectares (6º)
Bragança - 2.847 hectares (9º)
Castelo Branco - 1.626 hectares (9º)
Coimbra - 905 hectares (9º) curiosamente, o ano em que menos ardeu foi o de 2004 (524 hectares) e o que ardeu mais foi o de 2005 (50.803 hectares); este caso mostra só por si que jamais se pode fazer uma festa quando se tem um valor baixo num determinado ano.
Évora - 6.346 hectares (2º) este valor é o triplo da média 1996-2005 (cerca de 2.170 hectares por ano)
Faro - 139 hectares (10º)
Guarda - 5.251 hectares (10º)
Leiria - 4.096 hectares (3º)
Portalegre - 624 hectares (6º)
Santarém - 2.847 hectares (valor da DGRF, 8º)
Setúbal - 898 hectares (7º)
Viana do Castelo - 16.211 hectares (2º) este valor é o quase o dobro da média 1996-2005 (cerca de 8.470 hectares por ano)
Vila Real - 3.913 hectares (8º)
Viseu - 6.405 hectares (8º)
PORTUGAL - 72.364 hectares (valor provisório, 8º)

Nota: Ao longo dos próximos tempos procurarei apresentar aqui no blog mais umas quantas análises sobre esta época dos incêndios em que «o Governo está de parabéns».
Adeus, crise, até amanhã...

É oficial: a crise acabou, nas palavras do ministro Manuel Pinho. Aguarda-se apenas a publicação da morte da crise em decreto-lei...

10/12/2006

Águas turvas

Não sei se pelo meu afastamento da imprensa, mas certo é que cada vez estou mais irritado com a superficialidade das abordagens das notícias e, mais grave ainda, quando feito por jornalistas que, conhecendo-os, sei que têm traquejo para as questões ambientais. Ontem, no Público, Ricardo Garcia escreveu um pequeno texto sobre o relatório da qualidade da água, elaborado pelo IRAR, relativamente ao ano passado, que é intitulado «Milhares de portugueses ainda bebem água imprópria». A primeira frase é a seguinte: «Milhares de portugueses continuam expostos a água poluída, apesar da progressiva melhoria dos mecanismos de controlo da qualidade.

O primeiro erro começa logo nessa frase. Melhorar o controlo da qualidade da água não significa obrigatoriamente que a água seja de melhor qualidade. O controlo da qualidade da água «apenas» detecta os problemas; não os resolve. E por isso mesmo a notícia deveria questionar sobretudo a manutenção dos problemas apesar dos investimentos em saneamento básico nas últimas décadas e de se saber que paulatinamente a qualidade da água continua más em muitas regiões (sobretudo interior e de pequenos sistemas de abastecimento de água). Aliás, como o próprio relatório do IRAR destaca, verificou-se um agravamento dos maus resultados nos parâmetros de rotina do grupo 1 (que integra sobretudo parâmetros bacteriológicos) entre 2004 e 2005 (passou de 4,23% para 4,56%).

O segundo erro reside na deficiente análise dos dados do IRAR. Na verdade, este relatório vem confirmar que os problemas de qualidade da água são crónicos, não se verificando qualquer melhoria relevante ao longo dos anos. Senão vejamos a evolução anual da percentagem de violações no total das análises em todo o país:
  • 2001 - 2,47%
  • 2002 - 2,37%
  • 2003 - 2,10%
  • 2004 - 2,72%
  • 2005 - 2,53%
Dir-se-á que são valores residuais. Apenas são para quem vive no litoral, bebendo água de qualidade. Mas nem sou apenas eu que considera estes valores inadmissíveis num país europeu. No ano passado, a União Europeia condenou Portugal por causa da qualidade de água distribuída nos anos de 1999 e 2000, cujos resultados eram similares aos que continuamos a apresentar. Isto é, Portugal vai levar mais uns puxões de orelha quando a União Europeia confirmar esta falta de evolução positiva. E isto porque este problema é crónico, sobretudo por ser quase exclusivo de concelhos do interior do país. Ou seja, de zonas que ficaram fora dos grandes investimentos dos últimos anos. Em suma, também a má qualidade da água é mais um factor de «marginalização» dos pequenos aglomerados populacionais. E isto é admissível.

Nota: Nos próximos dias tentarei publicar um ou dois textos que abordarão a ideia governamental de estabelecer um preço único para a água canalizada e sobre a ausência de apresentação dos resultados da qualidade da água nas facturas.
Uma Verdade Inconveniente em português

Já se encontra à venda a tradução em português do livro «Uma Verdade Inconveniente», de Al Gore, editado pela Esfera do Caos. Louva-se esta rapidez, mas mais uma vez o mercado livreiro nacional continua a julgar que os portugueses são ricos. O livro encontra-se na FNAC a 29,70 euros, o que significa que o PVP é de 33 euros (!!!), para uma edição em tudo semelhante à original, que actualmente se encontra à venda na Amazon americana a 13,17 dolares, qualquer coisa como 10,5 euros ao câmbio actual (está agora com desconto, pois a mim custou-me, quando estive em Nova Iorque, cerca de 21 dólares, mesmo assim a cerca de 17 euros ao câmbio de então).

Obviamente, este preço retrai bastante os potenciais compradores, sobretudo tendo em consideração que este é um livro que ganha também muito pelas imagens, e a escrita em inglês é bastante acessível. Por isso, perante a versão em português a 29,70 euros e a versão inglesa também à venda na FNAC a 19,80 euros, temo bem que a Esfera do Caos tenha feito uma péssima aposta, pois não venderá muito e os potenciais consumidores (que, nesta área, lêem inglês) optarão pela versão original, mesmo se comprada em Portugal.

Nota: O problema do preço excessivo dos livros de ensaio, em geral, é crónico em Portugal. Aliás, eu mesmo foi «prejudicado» por esse problema recentemente, com o PVP do «Portugal: O Vermelho e o Negro». São aspectos que estão fora do controlo dos autores e que constituem uma questão de pescadinha com rabo na boca: os livros de ensaio não vendem porque têm preço elevado; logo só se editam livros de ensaio encarecendo-se os preços; estes por terem o preço elevado vendem pouco....
O lince espanhol

Em Portugal, o lince ibérico é uma espécie de anti-tese do monstro de Loch Ness. Ou seja, enquanto em relação ao monstro do lago escocês alguns vêem-no, mas quase ninguém acredita que exista, o lince no nosso país é uma espécie que ninguém vê, mas quase todos acreditam que existe.

Sinceramente, mesmo sendo uma espécie fugídia, tenho poucas esperanças de que o lince ibérico em Portugal ainda se mantenha, sobretudo depois dos incêndios florestais que afectaram a zona algarvia. Isto sem contar com estradas e auto-estradas, mais a barragem de Odelouca (em construção) e face à fraca aposta (e estou a ser benevolente, considerando que há aposta...) em medidas sérias de conservação ou recuperação de habitas. Note-se também que há mais de uma década não existe qualquer confirmação, nem visual, da sua presença em território português. Por ironia, temos um parque natural que tem como símbolo esta espécie, mas salvo erro nunca foi visto qualquer destes animais após a sua criação (não há, obviamente, qualquer relação causa-efeito).

Ao contrário, na Espanha, e sobretudo na Andaluzia, as autoridades de conservação da natureza apostam na recuperação da espécie e qualquer nascimento de uma cria é visto como uma vitória. De acordo com esta notícia, apenas em Donana e Serra Morena nasceram já este ano 58 crias. Penso que já é tempo de mudar o nome comum desta espécie: de lince ibérico para lince espanhol.

Nota: Um dos projectos Life aprovados recentemente pela União Europeia é para conservação de habitats na zona de Barrancos onde supostamente existe lince. Julgo que esse projecto é dinamizado pela LPN e procurarei saber se, de facto, existe alguma confirmação científica da existência de lince naquela região...

10/09/2006

A revolução agrícola à portuguesa

O Correio da Manhã traz hoje manchete «Agricultores com cadastro digital» que remete para uma notícia onde se diz que «o Ministério da Agricultura está à beira de uma revolução tecnológica». Lê-se depois a notícia e afinal chega-se à conclusão que a montanha pariu um rato. A revolução é afinal quase apenas a integração por parte da Administração Pública dos processos, em sistema informático, de cada agricultor e do histórico dos subsídios atribuídos. Mas afinal como é que antes desta revolução o Ministério da Agricultura funcionava?

10/08/2006

Helena, não havia necessidade...

O artigo de opinião de Helena Matos no Público de sábado - «Os Verdocas» (ver aqui, mas apenas se for assinante) - contém aspectos que, não sendo inéditos na denúncia - por exemplo, quando assinala que «não é simples coincidência que a maior parte dos casos de corrupção envolvendo autarcas, ministros, governos... nos conduzem agora aos pelouros do ambiente» -, eu subscrevo inteiramente.

Porém, a abordagem geral parece-me redutora, simplista e injusta em muitos aspectos. E não havia necessidade. Que o país - ou seja, os portugueses - são na teoria muito ambientalistas mas desde que isso não afecte as suas vidinhas, é verdade. Que as associações de defesa do ambiente sejam hoje caricaturas de si mesmas, também é verdade. Mas, Helena Matos esquece-se de questionar o papel dos investigadores e professores universitários das áreas de ambiente que, quase sempre, se arredam das discussões com implicações políticas (e sabe-se, em muitos casos, as razões...). Aliás, na minha opinião, a actual situação das associações ambientalistas deve-se, em grande medida, aos constrangimentos de encontrar pessoas que possam dar-se ao luxo de ser independentes. O estado caricatural dos ambientalistas e do próprio modo como o ambiente é tratado em portugal são apenas os reflexos da nossa sociedade que Helena Matos até caracteriza bem.

Mas há uma passagem do artigo de Helena Matos que me parece extremamente incorrecto e injusto: ela acusa, generalizando, que «os dirigentes que deram protagonismo à Quercus e transformaram a LPN dum clube de biólogos numa associação interventiva declinaram os convites de Cavaco Silva para integrar os seus governos - mas entraram nos corredores do poder na companhia de António Guterres e, sobretudo, de José Sócrates».

Como fui dirigente regional da LPN, em Évora, e mais tarde, entre 1993 e inícios de 1995, dirigente nacional da Quercus (então com algum destaque, sobretudo nas áreas dos recursos hídricos e resíduos), posso assegurar que nunca declinei convites de Cavaco Silva nem entrei em corredores de poder na companhia de António Guterres nem de José Sócrates. Pode-se sempre contra-argumentar que não os recebi convites desse género - nem me «coloquei» à disposição para os receber -, mas o meu percurso dos últimos 10 anos (desde que me desliguei do associativismo ambiental) talvez me dessem o direito de não ficar incluído nesse limbo de supostos «vendidos ao poder» que actua(ra)m apenas com o objectivo de benefício pessoal.

10/07/2006

Os labirintos do poder

Conhecia Carmona Rodrigues razoavelmente bem antes dele ter assumido cargos políticos. E recordo-me particularmente de uma entrevista que lhe fiz umas semanas após Santana Lopes ter vencido em finais de 2001 as eleições autárquicas e de o ter indicado como vice-presidente da câmara de Lisboa. A entrevista não era de cariz político, mas sobre recursos hídricos - Carmona Rodrigues era então presidente da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos -, mas houve um pormenor que me fez pensar que o poder talvez não lhe fosse subir à cabeça: a meio da conversa, tivemos de fazer uma interrupção para ele - que já fora indicado como futuro vice-presidente da autarquia - ir meter mais moedas no parquímetro da EMEL.

Depois desta conversa, ao longo de todos estes anos, apenas me cruzei com ele uma ou duas vezes, sempre de forma muito fugaz. Desse modo, o meu acompanhamento do seu meteórico percurso político foi feito mais pelas suas acções do que de outra forma. E assim, como munícipe de Lisboa, não posso deixar de manifestar a minha frustração ao ver o seu «modus operandi» em variados assuntos. Já nem falo do túnel do Marquês - que «herdou» do seu «pai político» -, mas sim das suas posturas em várias opções urbanísticas para a cidade e sobretudo da forma como não tem travado a especulação urbanística e as «trapaças» de alguns projectos - como foi o caso do empreendimento na Infante Santo -, optando pela via do «show off» e da vitimização.

Agora que está na ordem do dia o «caso EPUL», Carmona Rodrigues deu-se aos golpes de teatro. Em vez de procurar esclarecer os meandros desta empresa municipal - em vez de ser um remédio dos males urbanísticos da cidade se transformou num autêntico cancro -, tudo tem feito (pelo menos assim parece) para desviar um assunto que é claramente um caso de polícia para a esfera politiqueira. O que fez ontem - abandonar uma reunião extraordinária da autarquia que ouvia o presidente da EPUL (aqui relatado no Diário de Notícias) - é uma vergonha. Terá Carmona Rodrigues aprendido pela pior cartilha política?

10/05/2006

Veremos no que isto vai dar

A Cimpor parece interessada em co-incinerar resíduos de animais em Loulé, na sua cimenteira que fica perto dos campos de golfe de Vilamoura (vd. aqui no Público de hoje). Os pareceres positivos do Governo já foram feitos, as autarquias já protestam. É um tema a acompanhar e a confrontar com o que virá a acontecer na Arrábida e em Souselas. Ou seja, se avançar na Arrábida e em Souselas e não em Loulé poderemos tirar umas quantas interessantes conclusões...

10/04/2006

O que é o interesse público?

Nos últimos tempos, o actual Governo tem vindo a usar, por sistema, o argumento de «interesse público» sempre que pretende fazer vingar a sua vontade. Ele foi o encerramento dos hospitais, ele já foi até o campeonato de futebol, ele foi agora o processo de co-incineração, para não falar do interesse público para vários projectos turísticos.

Ora, o «interesse público» como é algo que, na verdade, é pouco mensurável, mesmo difuso ou escorregadio, convinha que ficasse objectivamente consagrado em que situações e que critérios podem ser aduzidos para que tal argumento seja accionado e validado. Caso contrário, o «interesse público» pode vir a confundir-se com o «interesse governamental», leia-se do Governo. E não devemos admitir a infalibilidade do Governo em saber sempre o que é melhor para servir o interesse público.

Nota: Aliás, o subterfúgio «interesse público» acaba por mostrar, em alguns casos, uma tibieza de argumentação; por isso convinha que o Governo, quando o invocasse, também apresentasse argumentos mais objectivos...

10/03/2006

Oca e bacoca

Já se perderam a conta aos planos e promessas de revitalização da Baixa-Chiado que, ao longo das últimas décadas, tem vindo paulatinamente definhando. Ontem, foi apresentado mais um, desta feita coordenado pela vereadora Maria José Nogueira Pinto. O novo plano tem 163 páginas e até estava curioso em lê-lo. Não o vou fazer, depois de ler o que se relata no Diário de Notícias.

E nem é por Sá Fernandes dizer que o estudo tem ideias antiquadas. É simplesmente porque detesto perder tempo na leitura de um documento cujo responsável diz, na sua apresentação, a seguinte frase oca e bacoca: «A primeira oportunidade da Baixa-Chiado é a própria Baixa-Chiado»...

Nota: Por falar em Maria José Nogueira Pinto, a sua entrevista no Sol, é um hino à futilidade (dela e do jornalista). Mas apreciei, em particular, as suas considerações filosóficas sobre o uso de casacos de pele. A senhora depois de relatar um caricato quiproquo em Londres (que meteu cuspidelas e caneladas), defende o uso de peles naturais porque «hoje são todas de animais criados em cativeiro» e que «não há casacos feitos com peles de animais selvagens». Brilhante solução: prendam-se então os animais e depois de estarem cativos, podem-se matar e usar as peles. Se a «coisa» depende apenas de uma questão de gradeamentos pré-morte...
Os santos protectores

Alguém chegou ontem ao Estrago da Nação através do Google, procurando pelo santo protector dos bombeiros. Foi assim dar a um post que tinha escrito em 8 de Junho de 2005 - portanto, no início do Verão do ano passado - que rezava assim:

«Os fogos começaram em força. Procurei saber quem é o santo protector contra os incêndios. Uns dizem que é Santa Catarina de Sena; outros, São Benito de Aniano; outros ainda, Santa Irene; aqueloutros São Egidio; ainda há quem indique Santa Bárbara ou São Lourenço. Eu, por mim, aconselho que se rezem a todos. Até porque, se este ano não for terrível em matéria de incêndios, é por milagre, porque nada se fez de substancial para evitar a tragédia. E, assim, no caso de o saldo final não for demasiado catastrófico, se deve entregar os méritos a quem de direito...

Nota: E, claro, há o São Marçal, patrono dos bombeiros... mas esse, visto está, tem valido de pouco nos anos anteriores».

No ano passado, parece que estes santos não ajudaram (arderia, até ao final do ano, mais de 330 mil hectares). Este ano sim, vieram em nosso auxílio (embora o Governo os renegue). Vejam, aliás, aqui como tão calminho foi o mês de Setembro em termos de número de ignições. E vejam também aqui que há um ano atrás o país continuava a arder e bem; porque ao contrário deste ano de 2006, não estava a chover a cântaros.

Pelas lusitanas gazetas

1. O Público voltou a disponibilizar as edições impressas na Internet. É uma boa medida: os parcos ganhos pelas vendas das edições online não compensavam, por certo, a perda de influência mediática (mormente na blogosferat) que o jornal estava registando nos últimos dois anos.

2. Eu sei que a culpa é do meu computador, mas a forma como o Sol disponibiliza o jornal é exasperante. Nunca consigo chegar à terceira ou quarta página sem que o computador fique lento e depois quase bloqueie.

3. Tenho dito a amigos que o Expresso, com a «coisa» de oferecer DVDs, anda a fazer um grande favor ao Sol, em termos de vendas. Por duas razões. Por um lado, como se vende a 2,80 euros e oferece um DVD, significa que as pessoas optam por comprar também o Sol, dado que gastando 4,80 euros o DVD acaba por ficar ainda em conta. Por outro lado, como a corrida ao Expresso, á conta do DVD, o faz como esgotar rapidamente, as pessoas (e sobretudo os habitueés do Expresso) acabam por comprar apenas o Sol.