3/10/2004

ASSIM VAI A VERDE NAÇÃO IX

Dois anos medíocres


Dois anos após as eleições legislativas de Março de 2002, não existem motivos para festejos em matéria ambiental. A situação já não sendo famosa nos anos de governação socialista, tiveram, contudo, o condão de reforçar o peso político do Ministério do Ambiente no seio da estrutura do Governo. José Sócrates acabaria mesmo por se transformar num «super-ministro» (as aspas é porque além do Ambiente e Ordenamento, herdou a pasta do Equipamento Social com a saída prévia de Ferro Rodrigues).

Tempo de balanço, a questão que se coloca é a seguinte: o que mudou no Ambiente com o Governo de coligação PSD-PP? Em termos orgânicos, teoricamente houve até um reforço, com a junção de parte das competências do Ministério do Planeamento na orgânica do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. Contudo, o actual Governo quis dar a ideia de reforço das políticas urbanas, arranjando a denominação de Cidades, o que, à partida, foi uma ideia algo saloia, porquanto os problemas os problemas de urbanismo e demografia não se circunscrevem às cidades. Mas, enfim, uma mera questão forma, que pouco significado tem.

O Governo PSD-PP tinha, desde logo, uma decisão antecipadamente tomada: abandonar o processo de co-incineração dos lixos industriais perigosos. Foi uma bandeira das eleições autárquicas e legislativas, que acabou, sem surpresa, por ser cumprida. A alternativa, contudo, foi um beco sem saída. Sabe-se hoje que haverá centros de tratamento, mas pouco se conhece da tecnologia a usar, dos locais, etc., etc., etc.. Ou seja, nesta matéria estamos na estaca zero.
A área dos resíduos, aliás, mereceu poucos avanços. A reciclagem continua mais sujeita à «engenharia estatística» da Sociedade Ponto Verde do que a medidas concretas de promoção da recolha selectiva. Quase todo o país continua na «idade da pedra» neste sector e somente por irrealismo se pode justificar a «ameaça» do secretário de Estado do Ambiente de multar quem não separar o seu lixo, Neste sector, assiste-se também, actualmente, a um poderoso «lobby» liderado pelo secretário de Estado do Ambiente e algumas autarquias da região Centro para se construir uma central de incineração para lixos urbanos. Além da falta de coerência política (vd. a posição do PSD sobre a co-incineração) esta posição é de uma enorme irresponsabilidade em matéria ambiental e de gestão de resíduos que apenas beneficia alguns poderosos «lobbies» económicos da incineração.

Passemos para os recursos hídricos. Além de termos ficado a saber, recentemente, que Espanha continua a fazer «gato sapato» dos rios internacionais, verificamos também que a gestão dos nossos rios é feita na mais completo desprezo ambiental. Rios sem caudal, erros e lacunas de monitorização, qualidade dos rios péssima, incumprimento dos prazos de transposição da Directiva-Quadro da Água, não aplicação do princípio do poluidor, são apenas exemplos de um sector estático. Diria mesmo estagnado e a cheirar mal.

No sector da poluição atmosférica, basta olhar para o número de dias que, por exemplo, no ano passado se excederam as concentrações de partículas, além das violações continuadas no ozono. Em relação ao sector industrial, continua sem haver qualquer tipo de controlo e quando há chega-se à conclusão de que as violações são sistemáticas. Em relação às emissões de dióxido de carbono e de outros gases com efeito de estufa, já muito se tem falado: Portugal é o país da União Europeia com maior crescimento nas emissões e garantidamente não era cumprir as metas de Quioto, o que poderá resultar em fortes penalizações financeiras.

Em relação às áreas protegidas, a situação é lamentável. Se no Governo socialista as coisas já não estavam bem, agora pioraram. Continua sem existir uma política de conservação da natureza, os estudos e monitorização de espécies são praticamente inexistentes, a Rede Natura apenas existe no papel. Quase sempre as áreas protegidas são notícia pelas piores razões: ou porque arderam ou porque as pressões imobiliárias continuam a espreitar.

Embora não seja apenas um sector ambiental, os incêndios florestais do ano passado foram o corolário das políticas de ordenamento e planeamento do país. Com o interior desertificado e com a floresta abandonada, os fogos inclementes apenas surgiram pela incapacidade de gestão de um bem que é sobretudo económico.

Em termos de política de transportes, além dos folclóricos – e em alguns casos contra-producentes – restrições ao tráfego local, continua a senda da construção de estradas e o desinvestimento dos transportes públicos. Projectos como o túnel do Marquês e o aumento exorbitante dos preços do metropolitano são as duas faces da mesma moeda que tem apenas como resultado o incentivo ao transporte individual e o desincentivo ao transporte de passageiros.
A fiscalização continua uma lástima. Agora, a nova moda é fazer inspecções pelo correio – um método anedótico, mas infelizmente demonstrativo do «deixa andar».

Em termos de políticas urbanas, o marasmo é absoluto. Não houve sequer uma medida para amostra. Não fosse o sector imobiliário ter atravessado uma crise – apenas em algumas regiões – e o regabofe continuava como sempre. Contudo, este Governo mostrou, à saciedade, que a especulação urbana é a melhor «arma» para equilibrar as finanças públicas. Ou seja, o Estado reforçou o seu estatuto de «pato-bravo».

Em termos estritamente políticos, o ministro inicialmente indigitado, Isaltino de Morais, foi um horror. Estava visto que o homem estava ali para tratar de negócios, se não particulares, pelo menos dos seus amigos autarcas. Saiu e não deixa saudades. O mesmo aconteceu com o seu secretário de Estado do Ordenamento, do qual não me estou a lembrar do nome, mas também não desejo gastar tempo a recordar-me.

O actual ministro do Ambiente, Amílcar Theias, é um «outsider» em todos os aspectos. Embora pareça – e julgo ser – sério, tem sido incapaz de dinamizar coisa alguma. Não basta ter um ministro sério... é necessário ter um ministro a sério. O mesmo se aplica ao seu secretário de Estado do Ordenamento, Taveira de Sousa. Nunca vi o homem, nem sei o que pensa sobre ordenamento do território e urbanismo. Se calhar nem ele...

Em relação ao secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, tem vindo a acumular declarações a atitudes inqualificáveis. As últimas – em que deu «luz verde» à CRIL com a oposição dos seus técnicos, a aposta na incineração da região Centro, a posição a favor da barragem do Baixo Sabor e as diversas declarações no sector da reciclagem – mostram que está impreparado técnica e política gritantes.

Posto isto, vamos aos resultados da sondagem do Estrago da Nação sobre a avaliação do actual Ministério do Ambiente. Votaram 47 visitantes, o que deu a seguinte distribuição:

1 ponto – 21 votos (44,68%)
2 pontos – 6 votos (12,77%)
3 pontos – 10 votos (21,28%)
4 pontos – 4 votos (8,51%)
5 pontos – 3 votos (6,38%)
6 pontos – 2 votos (4,26%)
7 pontos – 1 voto (2,13%)
8 pontos – 0 votos (0,00%)
9 pontos – 0 votos (0,00%)
10 pontos – 0 votos (0,00%)

Isto significa que a avaliação ponderada da actuação do Ministério do Ambiente deu uns medíocres 2,40 pontos, num máximo de 10. Transposto para uma avaliação académica (de 1 a 20), teremos apenas 4,80 pontos – nem daria para ir à oral. Já agora, por curiosidade, atribui 3 pontos, embora porventura hoje daria 1 ponto.

Outro aspecto que merece reflexão é o facto de somente 12,8% dos votantes ter atribuído nota positiva à actuação do Ministério do Ambiente (pontuações de 5 ou mais pontos). Em suma, este Ministério do Ambiente perdeu o prazo de validade. O problema é que o se o mudarem pode vir sempre pior.


A Bela...

Não o conheço pessoalmente, nem é por já ter recebido da sua parte alguns elogios ao Estrago da Nação. É tão-somente pelo excelente trabalho, sobretudo de recolha de informação e de algumas «achegas» que tenho o prazer de aqui colocar o Ondas. Vou lá quase todos os dias saber o que se passa pelo Mundo em termos ambientais.


... e o Monstro

A aprovação do troço da CRIL – que afectará zonas residenciais e o Aqueduto das Águas Livres – por parte do Ministério do Ambiente contra o parecer da comissão de avaliação é um retrocesso democrático. José Eduardo Martins, secretário de Estado do Ambiente, merece, por isto e muito mais, estar aqui neste local. Mas não sozinho. A posição do Instituto Português do Património Arquitectónico de não se opor à demolição de um troço de um Monumento Nacional é de uma irresponsabilidade atroz. Com amigos deste, quem precisa de inimigos?

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