À Margem Ambiental XXXIX
Vale a pena ler hoje no Público, um artigo de opinião do jornalista Manuel Carvalho sobre a prevista privatização da Companhia de Lezírias. Prepara-se ali, como bem ele aponta, uma das maiores negociatas de especulação imobiliária com prejuízo para nós contribuintes. Transcrevo todo o artigo, que subscrevo na sua totalidade, uma vez que o Público retira os seus textos uma semana depois da publicação.
O "Sovkoze" de Durão Barroso
Por MANUEL CARVALHO
Sábado, 20 de Março de 2004
Na entrevista que concedeu à RTP, Durão Barroso afirmou que a privatização da Companhia das Lezírias se justifica pelo facto de o Governo não estar vocacionado para a agricultura nem tolerar a existência de "sovkozes" do tipo soviético. O raciocínio do primeiro-ministro pode sugerir um legítimo preconceito ideológico, mas, acima de tudo, evidencia uma visão confrangedora sobre o que são e o que valem as lezírias do Tejo. Porque, se é admissível que Durão Barroso sinta horror pelo facto de o Estado ser proprietário do que quer que seja, tem obrigação de saber que importância da Companhia das Lezírias está longe de se esgotar na sua valia agrícola. O que está em causa é, fundamentalmente, a possibilidade de o país perder uma importantíssima reserva ambiental que a propriedade pública tem poupado aos avanços da construção - salvo ínfimas excepções, como a desanexação de 507 hectares a favor da Portucale, do grupo BES.
Desde que a Companhia apareceu na lista dos bens privatizáveis, a ponderação destes riscos tem levado os sucessivos ministros da Agricultura a adiarem a sua alienação. E, depois das dificuldades financeiras que atravessou depois do 25 de Abril e das gestões ruinosas na primeira metade dos anos noventa, a Companhia gera receitas para o Estado e é hoje um bom exemplo de práticas agrícolas e de produção de bens públicos. Nos últimos anos, desenvolveu a sua coudelaria, organizou campos de férias e uma quinta pedagógica e dedicou-se ao turismo. Querer resumir a sua actividade à simples produção e comercialização de arroz ou de azeite é, por isso, insistir uma visão redutora da realidade.
Esvaziado este argumento, o Governo poderia recorrer à necessidade de gerar receitas extraordinárias para aplacar o défice. Mas também este argumento é vulnerável: se a Companhia for vendida com a garantia de que os seus solos estarão vedados à promoção imobiliária, pode valer 100 ou 120 milhões de euros. Uma receita insignificante, que corresponde a menos de dez por cento do buraco que se registou no orçamento apenas em Janeiro e Fevereiro (1126 milhões de euros, no subsector Estado). Querer explicar a privatização da Companhia à luz dos interesses das contas públicas é, portanto, uma falácia sem sentido.
Se o primeiro-ministro está de facto empenhado em avançar com a privatização, terá de a justificar com argumentos mais sólidos que o do Estado-agricultor. Não sendo por razões de ordem financeira, nem económica, nem ambiental, e ficando provado que a valia das Lezírias para os portugueses é a sua garantia de que a Grande Lisboa tem ali um "pulmão" com 20 mil hectares, vai ser difícil encontrar explicações convincentes. Mas, se o interesse público da privatização das Lezírias não ficar absolutamente esclarecido, teremos toda a legitimidade para supor que são os interesses privados a empurrar a Companhia para fora da esfera do Estado.
3/20/2004
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