3/05/2004

Farpas Verdes XL

Insisto mais uma vez. Vivemos tempos perigosos. Tempos em que alguns políticos pensam que a democracia somente tem lugar durante os actos eleitorais, e onde ao autismo perante a opinião pública se junta agora a subversão da opinião dos técnicos da própria Administração Central.

Repito isto a pretexto da declaração de impacte ambiental assinada pelo secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, para o último troço da CRIL. A comissão de avaliação, segundo o jornal Público, considerava que o traçado deveria ser chumbado, pelas seguintes razões:

a) Demolição de um troço de 180 metros do Aqueduto das Águas Livres e parte do Aqueduto Subsidiário das Francesas, classificado como Monumento Nacional - para mim, isto é uma dor de alma.

b) Impacte na área envolvente das Portas de Benfica, imóvel inventariado no PDM de Lisboa

c) Criação de ilhas residenciais rodeadas pela CRIL e os seus acessos, ou entre a CRIL e outras infra-estruturas de transportes

d) Impacte ao nível da geologia, hidrologia e estabilidade, uma vez que o viaduto das Portas de Benfica poderá ter um ou mais pilares sobre o caneiro de Alcântara, podendo também vir a prejudicar diversos edifícios construídos no leito de uma antiga ribeira, com fundações sem protecção anti-sismica e de vibrações

e) Isolamento do aglomerado de Alfornelos, com o consequente impacte paisagístico e violação dos planos municipais em vigor

f) Aumento dos níveis de ruído, dificilmente minimizáveis pela implementação das barreiras acústicas previstas

g) Degradação da qualidade do ar e consequentes problemas de saúde

h) No cálculo dos níveis de poluição, o projecto do IEP considerou, injustificadamente, velocidades de 40 km/h e percentagens de veículos a gasóleo de 10 por cento. Como tal, a Comissão de Avaliação afirma que os valores apresentados no projecto referido poderão ser subestimados

i) A ligação entre a Venda Nova e Benfica faz-se através de vias cujo traçado se considera desadequado, afectando importantes áreas para a vivência urbana

São 9-nove-9 razões mais que suficientes para que esta opinião dos técnicos fosse seguida pelo secretário de Estado. Mas do alto do seu efémero cargo - como são todos os dos políticos -, José Eduardo Martins julgou-se mais sapiente do que os seus técnicos. E decidiu dar «luz verde» a um atentado patrimonial, ambiental e social. Não satisfeito ainda teve o desplante de exarar no seu despacho - e continuo a citar o jornal Público - que fazia isso «tendo por base o parecer final do Processo de Avaliação de Impacte Ambiental».

Entretanto, o presidente da autarquia de Lisboa - que julgo pretender vir a ser lembrado como o «Marquês de Pombal do século XXI», mas que se arrisca a ficar com o cognome de «Nero de Lisboa» - veio louvar a decisão do secretário de Estado do Ambiente porque - e passo a citar mais uma vez o jornal Público - «os técnicos emitem os seus pareceres e os secretários de Estado, tal como os ministros, os vereadores e os presidentes de câmara, decidem».

Decidem mal. Porque se decidem contra a opinião dos técnicos e contra as razões aduzidas, não precisam deles. Tornam-se déspotas. E não foi para isto que existe democracia.

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