3/25/2004

ASSIM VAI A VERDE NAÇÃO XI

A Panela do PNALE

No passado dia 17, o Governo apresentou o Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão de Dióxido de Carbono, vulgo PNALE. Este plano vem no seguimento da fase preparatória da aplicação do Protocolo de Quioto – ainda não em vigor, mas para o qual a União Europeia pretende ter uma posição vanguardista. Esta posição da União Europeia é inteligente: mais ano, menos ano, o Protocolo de Quioto será ratificado, mesmo se à custa de uma acumular de catástrofes naturais, que nisto os Estados Unidos e outros países renitentes só parecem aprender com a pedagogia da catástrofe.

Durante os próximos anos, com início no período entre 2005 e 2007, haverá no espaço comunitário europeu um regime experimental de comércio de emissões entre as principais indústrias que usem combustíveis nos seus processos fabris. A ideia deste regime é muito comparável ao funcionamento de uma qualquer bolsa. São emitidas licenças de emissão – individualizadas para cada indústria – retiradas do «bolo» global que cada país obteve no protocolo de Quioto. No caso de Portugal, em 2010 para se cumprir Quioto não se pode ultrapassar os 78 milhões de toneladas de CO2-equivalente, o que representa um acréscimo de 27% em relação às emissões de 1990.

De acordo com o PNALE, o Estado português está disposto a conceder cerca de 39 milhões de toneladas de dióxido de carbono às maiores indústrias portuguesas. Ou seja, cerca de metade daquilo que Portugal poderá emitir sem ter de comprar créditos a um custo que poderá ficar compreendido entre os 7 e os 10 euros por tonelada.

Ora, em 2001, segundo dados da Comissão Europeia, Portugal já tinha ultrapassado em 36% os valores de 1990. Significa isto que deveria haver, até 2010, uma forte aposta no decréscimo das emissões nacionais.

Contudo, ao invés, o PNALE concede generosos crescimentos a praticamente todos os sectores. Em relação às emissões de 2002, as licenças para o período de 2005-2007 corresponderá a um acréscimo de 6,7%. E em relação a 2000, o crescimento é de cerca de 18%.Contas feitas, significa que entre 2000 e 2002, segundo os cálculos apresentados pelo PNALE, as emissões industriais terão tido um crescimento de 11%.

Ora, é aqui que está o busílis da questão. Embora o crescimento em relação a 2002 já mostre que as indústrias não vão necessitar de grandes esforços, aquilo que estes números mostram é que houve uma inflação (um acréscimo exagerado) das emissões entre 2000 e 2002. Por exemplo, no caso do sector do cimento e cal, o crescimento das emissões é de 7,6%, quando a produção de cimento naquele período decresceu 2,5%.

Pergunta-se: quais são as vantagens para as indústrias de inflacionarem as emissões em 2002? A explicação é bastante simples. Por um lado, não dá tanto nas vistas o crescimento entre esse ano e o período de 2005-2007. Por outro lado, dá uma almofada para que possam continuar a poluir, não só garantindo que não terão de comprar créditos a empresas estrangeiras, como até podem vir a vender créditos por não atingirem os patamares que lhe foram concedidos.

O grande problema disto, é que o Estado terá de encaixar todas as restantes emissões (os outros 50%) e não terá possibilidades de cumprir Quioto. Isto é, dando demasiado «cobertor» às indústrias, destapa os pés dos contribuintes – que, assim, terão de pagar com o corpo. Mesmo se o Governo continua sem fornecer dados detalhados do PNALE – como sejam as emissões individualizadas das indústrias e os cálculos das emissões –, certo é que, sendo tão benevolente com as indústrias, haverá cerca de 6,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono que o Estado português terá de suportar por vir a exceder os limites de Quioto. Em suma, terá de comprar créditos ao estrangeiro de emissões de dióxido de carbono, podendo atingir um encargo anual de 65 milhões de euros (cerca de 13 milhões de contos, na moeda antiga). Isto é, quanto meneos exigente for com o sector industrial do país – um dos mais ineficientes, exactamente pelos gastos energéticos –, mais terá de exigir aos contribuintes.

Por isso, penso que o PNALE é uma autêntica panela entre o Governos e as maiores empresas industriais. E dentro dessa panela, estamos fritos (ou cozidos, como prefiram). Só a Comissão Europeia, como de costume, quando conferir as contas, nos safará de ficarmos chamuscados nesta negociata.


A Bela...

Hoje, José Sá Fernandes vai ter uma prova de fogo no julgamento do processo do Túnel do Marquês no Tribunal Administrativo de Lisboa. Em causa está saber se será decretada a suspensão das obras ou não. Independentemente da «roleta russa» que estes casos sempre têm, todos saímos, como cidadãos, vitoriosos pelo empenho deste advogado.


... e o Monstro

Na minha notícia do DN da passada segunda-feira, em que se apresentavam os resultados do relatório da qualidade da água para consumo humano de 2002 – divulgado parcialmente este mês, mas que já deveria estar pronto em Setembro de 2003 –, o Ministério do Ambiente não quis fazer comentários. Vários telefonemas feitos para a assessoria de imprensa não os demoveu. Nem tugiram, nem mugiram. Amílcar Theias merece, mais uma vez, um destaque aqui. E como prémio deveria ser enviado para Vila Franca do Campo, nos Açores, onde, durante aquele ano, toda a população bebeu sempre água contaminada.

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