Farpas Verdes LIII
São 16 horas, ao fundo da Calçada do Combro, um barulho ensurdecedor de um martelo pneumático ecoa por todo o lado. Os dois trabalhadores, por sinal africanos (ou se calhar, será igual a questão da cor de pele), não têm protectores auriculares. Imagino que os estragos nos tímpanos, mesmo junto à fonte de ruído, não deve ser de pequena monta. A cerca de 20 metros está um polícia jovem falando com um homem.
Chego ao pé do polícia e pergunto-lhe a razão de, como agente de autoridade, admitir que aqueles trabalhadores estejam sem protectores auriculares. Responde-me que está ali apenas para controlar o tráfego. Questiono-lhe o que faria se eu, ou qualquer outra pessoa, pegasse numa pedra e partisse uma monta à sua frente. Fica atrapalhado e em seu auxílio surge então o seu companheiro de cavaqueira, que se assume como o responsável pelo acompanhamento das obras. Justifica que a culpa é dos trabalhadores que se esqueceram dos auriculares e não quiseram ir ao estaleiro. Digo-lhe que em caso de fiscalização, a culpa é sempre do empreiteiro... que ele pode e deve obrigar os seus trabalhadores a protegerem-se. Não parece incomodado, diz mesmo que paga a multa e depois responsabiliza os empregados.
O polícia, a autoridade, assiste em silêncio. Afasto-me, lamentando a atitude de um e de outro. Viro as costas, imaginando que tenham os dois, autoridade e infractor, continuado a amena cavaqueira, talvez comentando o parvo que os interrompeu, enquanto que o martelo penumático continua a sua função: a de estoirar a pedra da calçada e os tímpanos dos trabalhadores.
Eis o nosso Portugal, em todo o seu esplendor.
3/25/2004
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