8/14/2006

ABC para entender os fogos em Portugal

Publicado hoje, na edição do Diário de Notícias.

1 - Na última semana, houve dias com mais de 500 fogos. Esta é uma situação inédita?

Não. Em anos anteriores, e na segunda metade da década de 90, era normal contabilizar-se um maior número de dias com valores superiores a meio milhar de ocorrências. Aliás, de acordo com os dados oficiais, se compararmos o número de fogos entre os quinquénios 1996-2000 e 2001-2005, até se verifica uma tendência de decréscimo, da ordem dos 6%, embora a área ardida tenha aumentado 120%. No entanto, em Portugal, o sistema de registo do número de fogos nunca foi muito rigoroso. Antes de 1995, muitos fogos não eram sequer registados, sobretudo nos distritos do litoral. Por exemplo, o concelho de Paredes - que na última década registou oficialmente mais de 8100 fogos - não tem qualquer fogo registado antes desse ano. Mas o sistema de registo, mesmo agora, não tem um controlo rigoroso. Actualmente, o seu maior problema são as inflações.

2 - Significa isso que há incêndios registados que não existem?


Em muitos casos, é uma evidência, confirmada oficialmente. Sempre que um incêndio ultrapassa a fronteira de um concelho, a Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) regista um novo incêndio. Os reacendimentos - devido a um rescaldo ineficaz, situação bastante frequente - também se contabilizam como novas ocorrências. Além disso, há fogos que são registados com área ardida minúscula. No ano passado, cerca de 28% dos fogos registados queimaram, cada um, menos de cem metros quadrados. Em 14 distritos, essas ocorrências foram superiores a 25% do total, chegando-se mesmo aos 62% em Leiria. A DGRF defendeu recentemente que estes são valores simbólicos, para quantificar pequenos incêndios. Mas, se assim é, torna-se difícil compreender que existam então milhares de registos com áreas queimadas, em metros quadrados, de um, dois, três, quatro, cinco, etc.

3 - Mas, afinal, como funciona o registo dos fogos?


Os fogos podem ser detectados pelos postos de vigia (oficiais) ou através do sistema telefónico de emergência (112 e 117). Nestes casos, é feito logo o registo pelo Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC) e os meios de combate (bombeiros ou brigadas helitransportadas) são accionados. No entanto, muitas chamadas são feitas directamente para os bombeiros. Nestes casos, o registo da ocorrência é transmitido a posteriori ao SNBPC. Como apenas os incêndios com uma área ardida superior a dez hectares (cerca de 3% do total) são depois confirmados pela DGRF, na esmagadora maioria dos casos acredita-se simplesmente na informação dos bombeiros. Este ano, o SNBPC colocou, online, a lista dos incêndios mais relevantes (todos os que têm mais de cinco autotanques ou mais de duas horas de duração), mas mesmo nos dias com mais de 500 fogos registados nunca foram identificados mais de 50 incêndios, ou seja, muito menos de 10%.

4 - Se assim é, qual o interesse nessa inflação?


Quando surgem incêndios devastadores, os bombeiros e até os Governos alegam que existe muita dispersão de meios devido ao elevado número de ocorrências. Por outro lado, ter muitas ocorrências classificadas como fogachos "beneficia" o indicador de eficácia da primeira intervenção e, no final do ano, reduz a área média queimada por fogo. Além disso, há evidentes vantagens económicas para as corporações na existência de muitas ocorrências, dado que podem reivindicar mais verbas e meios para acabar com tantos fogos. Em todo o caso, não existem dúvidas de que os portugueses causam demasiados fogos.

5 - O número de fogos é uma das causas para o aumento da destruição da floresta e matos?

Não. A devastação é causada por uma pequeníssima quantidade de incêndios. Por exemplo, no ano de 2003 - o pior de sempre, em que arderam 425 mil hectares -, houve 26 mil fogos, mas destes bastaram 175 para causar 93% da área total queimada. Por regra, 76% dos fogos nem sequer atingem mais do que um hectare.

6 - Os incêndios mais devastadores ocorrem nas regiões com mais fogos?


Não. Nos dias em que há mais de 500 fogos em Portugal, mais de 200 situam-se apenas nos distritos do Porto e Braga; a esmagadora maioria não passa de fogachos. Embora, nos últimos anos, estes distritos também estejam a ser mais devastados, é no interior que os fogos são mais destrutivos, apesar de sofrer muito menos fogos. Por exemplo, em 2003 houve apenas 13 incêndios em Nisa e foi aí que ocorreu o maior incêndio de sempre (41 mil hectares). Uma quantidade de fogos praticamente irrelevante quando comparada com outros concelhos. Por exemplo, em Paredes houve, nesse ano, 1045 fogos.

7 - Nas informações divulgadas pela comunicação social, os fogos activos são apresentados como não circunscritos e circunscritos. Qual a diferença?


Na prática, nenhuma. Um fogo circunscrito constitui apenas uma expectativa do comando dos bombeiros em conseguir extinguir um fogo quando os meios conseguiram circundar todas as frentes. No entanto, muitas vezes, o fogo comporta-se como uma locomotiva em andamento e aos bombeiros apenas lhes resta recuar. Nesta fase, o incêndio pode chegar a zonas com maior vegetação e tornar-se mais descontrolado - ou seja, não circunscrito. Em outros casos, os incêndios são considerados circunscritos quando nada mais há para arder ou se dirigem para zonas queimadas. Na verdade, nem sempre a extinção de um fogo significa que houve sucesso no combate: o incêndio "morre" sozinho.

8 - Em Portugal, alguns fogos considerados extintos ou circunscritos acabam por reactivar. Qual é o motivo?


Quando um fogo reactiva, significa que, na verdade, nunca esteve extinto ou sequer circunscrito. Mesmo quando não existem labaredas visíveis, a queima pode manter-se na manta morta. E, como num braseiro, o vento pode reavivar as chamas. Por isso, o rescaldo acaba por ser uma operação tão importante como o combate, não podendo ser feito apenas com água, mas sim criando um perímetro de segurança com trabalho de sapador. Um fogo com mau rescaldo é perigosíssimo, porque pode desencadear, sobretudo em incêndios com áreas grandes, vários focos, distantes uns dos outros. Mesmo dias depois da extinção do fogo inicial.

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