8/25/2006

A ajuda do céu

Ontem, o Jornal de Notícias fazia manchete (ver aqui) sobre a alegada menor utilização dos meios aéreos no combate aos incêndios deste ano em comparação com o ano anterior. A notícia referia, logo no início, o seguinte: «Aviões menos horas no ar, menos meios de reforço, menos militares empenhados no terreno. Apesar dos recordes no número diário de ocorrências atingidos na primeira quinzena de Agosto, os dados quantitativos de actuação do dispositivo de combate a incêndios mantêm-se todos muito longe dos valores de 2005. O número de horas de voo dos meios aéreos é de pouco mais de metade do ano passado, considerando o período até 15 de Agosto, a actuação dos grupos de reforço ficou-se por um terço e também o recurso a meios militares e outros apoios logísticos diminuiu».

Este é o género de análise jornalística usando estatística de pacotilha, sem qualquer nexo, cai no habitual erro de comparar um ano com o anterior. E sobretudo com o facto de não se fazer uma análise crítica aos números verdadeiros de ocorrências. Aliás, mais à frente no texto, acaba-se por acrescentar que «estes dados [menor uso de meios] contrastam com a estatística das ocorrências, que este ano é superior à média dos cinco anteriores (respectivamente 19 195 e 17 933), embora o número de incêndios (com mais de um hectare) seja inferior. Isto explica-se porque na contabilidade final entram os fogachos (com menos de um hectare) e as ocorrências sem área, como os falsos alarmes, que representam cerca de um quarto do total, segundo dados da Direcção-Geral de Recursos Florestais».

Ou seja, em rigor, se quisermos comparar o uso de meios aéreos entre dois anos (o que, mesmo assim, é um exercício fútil) deveriamos apenas comparar os incêndios que, em cada um desses anos, usaram de facto esses meios aéreos. Caso contrário, estaremos a meter ao «barulho» uma infinidade das tais ocorrências sem áreas (é a primeira vez que, numa notícia, acaba por se assumir oficialmente que existem ocorrências sem área - e não sei o que isto é senão fogos que não existem - e os falsos alarmes nas estatísticas oficiais) que desvirtuam qualquer análise comparativa. O que interessa saber é se por cada intervenção (leia-se incêndio com uso de aeronaves), a factura, em dinheiro, está a aumentar ou não.

Embora admita que não tenha informação estatisticamente válida, ao longo deste Verão tenho constatado situações em que existe um ataque massivo de meios aéreos em determinados fogos nascentes, sobretudo em períodos de menor incidência de incêndios. Por exemplo, neste preciso momento, encontra-se, segundo o site do SNBPC, um único incêndio não circunscrito em Portugal: em Vale do Urso, no concelho de Proença-a-Nova (Castelo Branco), que alegadamente se iniciou às 12h41 (neste momento em que escrevo são 13h00). Ora, para um fogo que supostamente começou há pouco tempo, temos neste momento no teatro das operações, além de 73 bombeiros e 23 veículos, nada mais nada menos do que 3 helicópteros, 4 aerotanques e foi accionado o Canadair e o Beriev. Ou seja, para um só incêndio manda-se 9 meios aéreos, que têm obviamente custos elevadíssimos. Já tenho referido, aliás, que é um erro crasso confiar apenas na capacidade de extinção dos meios aéreos. Numa situação como de hoje (apenas com um fogo activo a esta hora) tem uma elevada probabilidade de sucesso, mas com uma factura pesada. E em dias com maior número de incêndios, acaba por falhar, porque não podem ir a todas. Em suma, a aposta massiva em meios aéreos acaba apenas por disfarçar a ineficácia do combate em terra. Até um dia...

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